Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

O Pacote de Abril


03/09/2015

Foto: autor desconhecido.

O brasileiro está acostumado a brincar no dia primeiro de abril exercitando a capacidade criativa de divulgar notícias que não são verdadeiras. Institucionalizou-se como o “dia da mentira”. No ano de 1977, de repente, o país era apanhado de surpresa com a informação de que o Congresso Nacional estava sendo fechado temporariamente pelo Presidente Geisel, ao tempo em que editava uma emenda constitucional e seis decretos leis que na prática representavam um retrocesso político, contrariando o anúncio de que seu governo faria a abertura democrática de forma gradual.

No primeiro instante todos nós torcemos para que a notícia que recebíamos era uma brincadeira do dia da mentira. Infelizmente não era. A nação era novamente atingida pela ditadura na sua determinação em manter o regime em plena vigência, sem correr riscos de alteração do quadro. A fragorosa derrota sofrida pelos governistas em 1974, repetida em menor escala em 1976, embora já sob a vigência da Lei Falcão, preocupava a linha dura dos militares. Buscaram uma alternativa própria de quem não deseja governar na observância dos princípios elementares da democracia.

Considerando que não dispunham no Parlamento de uma bancada que garantisse os 2/3 de votos exigidos como necessários para aprovação de qualquer modificação à Constituição, decidiram fechar o Congresso por quatorze dias, tempo em que deram eficácia aos instrumentos legais editados. No objetivo de vencerem esse problema no futuro, e, principalmente, procurando preservar, pelo menos no senado, uma maioria simples, criaram a figura do “senador biônico”, eleito por um colégio eleitoral, num pleito indireto.

O “pacote de abril” definiu que qualquer mudança na Carta Magna poderia ser aprovada por maioria simples do Congresso Nacional. Ainda nessa estratégia aumentou o número de representantes dos Estados menos populosos, onde a força da ARENA era mais evidente.

Previa-se para 1978 a volta das eleições pelo voto popular para os cargos de presidente, governadores e prefeitos das capitais e dos municípios considerados áreas de segurança nacional. Não podiam correr o risco de perderem cargos do poder executivo, o que fortaleceria os adversários do sistema. Decidiram então manter o processo de eleição indireta para preenchimento desses mandatos.

Apelidaram essas medidas como a “Constituinte do Alvorada” porque eram provenientes da assinatura única do morador do Palácio da Alvorada.

A normalidade democrática que estávamos sonhando, resultou numa grande frustração naquele primeiro de abril. O que gostaríamos que fosse uma mentira, ou uma brincadeira de mau gosto, era pura realidade. Em vez de avançarmos politicamente, experimentávamos uma decepcionante volta ao império da força ditatorial em todo o seu vigor.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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