Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Os desfiles escolares de Sete de Setembro


20/06/2015

Foto: autor desconhecido.

No tempo da minha juventude o desfile cívico no dia sete de setembro era uma atividade escolar obrigatória. Os ditadores entendiam que essa celebração comemorativa da Independência do Brasil acendia o sentimento de civismo do povo, em especial dos estudantes. Foi Getúlio Vargas, na década de quarenta, quem estabeleceu a exigência das marchas escolares por ocasião dos festejos da proclamação da independência. Coisa de ditador, diga-se de passagem.

Havia uma espécie de competição entre os colégios, para ver quem melhor se apresentava. Ainda hoje, não mais de forma imperativa, mas num caráter de espontaneidade, muitos estabelecimentos de ensino se interessam em promover o desfile dos seus alunos durante o tradicional sete de setembro. Não deixa de ser uma festa popular, que atrai multidões para as ruas a fim de assistirem a passagem das forças militares e das escolas, num ambiente de democracia e de respeito à liberdade.

Em 1968 um discurso proferido pelo jovem parlamentar carioca Márcio Moreira Alves, na Câmara dos Deputados, no dia dois de setembro, sugeria o boicote ao desfile da independência. Esse pronunciamento estimulou as lideranças jovens de todo o país a promoverem manifestações públicas na tentativa de convencerem a juventude a se abster da participação das marchas escolares, comungando com o pensamento do deputado que entendia negar-se a participar do desfile como a melhor forma de demonstrar amor à pátria.

Antes da data festiva éramos convocados a participar dos ensaios, percorrendo ruas próximas do Liceu. Numa dessas preparações, quando muitos já estavam perfilados na ordem determinada pelos professores, os dirigentes do Grêmio Daura Santiago Rangel promoveram um comício relâmpago nas escadarias do colégio, quando todos já haviam saído de suas salas de aula. Ali aconteceu efetivamente a primeira recusa de participação do desfile. A organização para o ensaio foi desfeita e os pelotões dispersados, graças ao poder de convencimento das lideranças estudantis.

As ameaças de punição feitas pelas autoridades do governo não amedrontaram a juventude. No desfile oficial, na data festiva, se observou uma considerável ausência dos estudantes, o que provocou reações do governo, punindo e chamando para depor no Grupamento de Engenharia os principais líderes do movimento. No entanto, verificou-se naquela oportunidade, uma atitude corajosa de enfrentamento ao poder de mando dos ditadores, mandando a mensagem clara de que os estudantes não se dispunham a compartilhar, numa mesma solenidade, de um ato público ao lado dos seus “algozes”, como se referia o deputado Marcio Moreira Alves classificando os militares.

Essa atitude agravou o clima de tensão que o país estava vivendo, contribuindo para o desfecho da edição do AI5 no final do ano.

• Integra a série de textos “IVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 

 


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