Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A eleição do Grêmio no Liceu


17/06/2015

Foto: autor desconhecido.

 

A História tem nos mostrado que os estudantes sempre foram força mobilizadora nas manifestações políticas de qualquer sociedade. O ânimo, entusiasmo e idealismo da juventude são catalisadores dessa capacidade de organização em favor das lutas reivindicatórias ou de protesto, expressando, quase sempre, as tensões, ansiedades e insatisfações populares.

Essa constatação fez com que a ditadura militar, nos primeiros meses de sua instalação, através da Lei Suplicy, procurasse desarticular toda e qualquer instituição representativa da classe estudantil brasileira. Começou colocando a UNE – União Nacional dos Estudantes na ilegalidade. Pouco tempo depois, limitou a ação política dos estudantes ao espaço restrito das escolas, definindo novas regras para funcionamento dos diretórios, proibindo as manifestações político-partidárias ou de motivações religiosas e sociais. Nos colégios foi estimulada a criação dos grêmios como entidades representativas, cujas funções deveriam ser eminentemente de promoção das atividades voltadas para a cultura e o trato de questões exclusivas do interesse interno da escola.

Entretanto, em 1968, o movimento político estudantil começava a se reorganizar a despeito do controle, das ameaças e da insegurança a que estava submetido. Os grêmios passavam a atuar politicamente, indo às ruas e se posicionando como instrumento auxiliar no processo de transformação social do país.

Essa importância do grêmio na ação política daquele momento fez com que a eleição para renovação de sua diretoria ganhasse interesse, não só dos que estudavam no Liceu, mas de todos os que, de alguma forma, compreendiam a necessidade de sua participação no contexto.

Fui convidado por Geraldo Targino, então presidente do grêmio Daura Santiago Rangel, para integrar a chapa apoiada por sua administração, até porque já integrava a equipe na condição de diretor de arte e cultura. Concorri à vice-presidência, tendo o colega Marcelo Pimentel como candidato a Presidente. Éramos considerados as opções mais moderadas na disputa.

Como concorrentes tínhamos Eldson Ferreira (presidente) e Marcus Paiva (vice), em uma das chapas de oposição, e Mayovitch Maia e Zenildo Bezerra, como segunda alternativa. Embora se apresentasse um pleito bastante disputado, transcorreu num ambiente de respeito entre os candidatos, sem agressões, num clima de absoluta e tranquila convivência democrática.

As urnas apresentaram o seguinte resultado: Eldson/Marcus 961 votos; Ubiratan/Rui 891 votos e Mayovitch/Zenildo 632 votos. Apesar de termos vencido nas urnas que faziam parte do Liceu Central, o resultado apurado nas salas do Anexo, que funcionavam na Antiga Escola Modelo, assegurou a vitória da chapa 1 da oposição.

O vice-presidente eleito, Marcus Paiva, que se tornaria um dos meus grandes amigos até hoje, se revelaria um dos ícones do movimento estudantil secundarista da Paraíba. Por conta disso, sofreu ameaças e prisões por parte dos militares. Além de grande orador era uma figura carismática, e possuía o perfil dos líderes dedicados exclusivamente à causa. Cabelos sempre desalinhados, barbicha e descuidado no modo de vestir, Marcus Paiva, realmente fez história no movimento político estudantil do Liceu.

Não bastasse seu talento para o exercício da liderança que conquistava, protagonizou naquele tempo, uma das versões mais interessantes do romantismo juvenil. Apaixonara-se por uma jovem linda, tipo burguesinha (estudante nas Lourdinas), pertencente a uma tradicional família de proprietários rurais da Paraíba, sobrinha de um graduado oficial do exercito brasileiro. Tudo o que contrariava a postura política dele. Esse amor abrasador desconsiderou diferenças sociais, comportamentais e ideológicas, entre o casal. Casaram-se sem a aprovação dos pais dela e formaram uma família que conviveu unida por longo tempo. O episódio, de qualquer forma, mostra o espírito transgressor e rebelde do jovem líder vencedor das eleições no Liceu.

A derrota sofrida, numa análise atual, me isentou da obrigação de maior envolvimento nas lutas políticas estudantis que se intensificaram até a edição do AI-5, em dezembro. Talvez um resultado de sucesso na eleição mudasse completamente a minha história de vida. Mas foi uma experiência válida e enriquecedora.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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