Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Da missa para a batalha campal


14/06/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Os primeiros dias de abril de 1968 foram de muita tensão e grande agitação. Por todo o país os estudantes realizaram atos públicos de contestação ao governo. Preparavam-se para uma grande manifestação nacional no dia quatro, quando seriam celebradas as missas de sétimo dia em sufrágio da alma do estudante Édson Luis, morto pelos policiais no Rio de Janeiro.

Na Paraíba não era diferente. Os estudantes estavam em greve, em permanente estado de mobilização. Havia uma expectativa preocupante por parte do governo e da população. Na data da celebração da cerimônia religiosa, o entorno da Catedral Metropolitana amanheceu com forte aparato policial. A ordem era conter, a qualquer custo, a mínima ação considerada politicamente inadequada, do ponto de vista dos militares. Tentaram, de todas as maneiras, evitar a realização do ato religioso, no que não foram atendidos pela Arquidiocese.

Durante a liturgia reinou absoluto respeito e compenetrado silêncio por parte da multidão que ocupava todos os espaços da igreja. Mas era perceptível o semblante de inquietude em cada um dos que ali se faziam presentes. Em razão do forte esquema de repressão montado nas ruas centrais da cidade, dava para se ter uma idéia do que estava para acontecer.

Terminada a missa, os estudantes marcharam em passeata, em direção à Praça João Pessoa. Estava eu no meio desses manifestantes. Em frente da Loja Maçônica Branca Dias aconteceu o primeiro comício. As lideranças se sucediam em fortes discursos de contestação ao sistema de opressão vigente. Dali rumamos pela Duque de Caxias. Nessa avenida, caminhões da polícia e do exército já se postavam ostensivamente, na intenção de impor medo aos participantes da passeata. Seguíamos corajosamente, entoando em coro o Hino Nacional. O entusiasmo próprio da juventude nos oferecia o ânimo para dar prosseguimento ao ato. A emoção tomava conta dos nossos corações.

Nas proximidades do local onde atualmente existe a Galeria Augusto dos Anjos, os policiais vieram ao nosso encontro de cassetetes e armas nas mãos, dispostos a bater em todo mundo. A via pública transformou-se numa praça de guerra. Corri apavorado e me alojei numa farmácia em que o proprietário fechou as portas assim que eu e mais quatro companheiros adentramos. Protegidos, só ouvíamos os gritos do lado de fora e ficávamos imaginando o pânico e terror que havia se estabelecido.

O dono da farmácia não nos deixou sair enquanto não tivéssemos a certeza de que tudo estava normalizado e não correríamos risco de sermos atacados pelos policiais. Ficamos, então, nesse isolamento por mais umas três horas. Enquanto isso, meus pais estavam quase em desespero temendo que o pior pudesse ter acontecido comigo, considerando que já estava findando a tarde e não tinham qualquer notícia minha.

Apesar do susto, hoje relembro, com certo orgulho, dessa minha participação política. Na época não avaliávamos as conseqüências, mas era a juventude estudantil que expressava os sentimentos de insatisfação e repúdio da população diante da ditadura a que estava sendo submetida. E ainda há quem defenda a volta dos militares ao poder.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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