Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De meninas e de avós


20/07/2016

Foto: autor desconhecido.

O supermercado pode sim ser uma fonte de inspiração para assuntos para cronistas! Outro dia, estava na fila do caixa de um, e avistei uma amiga de infância, hoje já distante, a andar pelas latas de ervilha com três saltitantes meninas lindas. Netas possivelmente. E fiquei a pensar nas meninas. Lembrei até do conto de James Joyce – Araby: quando ele fala do primeiro amor, e da menina que anda com seu rabo de cavalo balançando e sua anágua a aparecer sob o vestido. Para não falar do seu pescoço – quanto erotismo na infância ainda! : “Ela se apoiara numa das barras e inclinava o corpo em minha direção. A luz do poste diante de nossas casas roçava a curva nívea de seu pescoço, inflamando-lhe os cabelos. Alcançava, mais embaixo, sua ao sobre a grade e revelava, ao tocar-lhe o vestido, a ponta da anágua que se deixava entrever em sua lânguida postura.”

E como um assunto puxa o outro, lá veio o assunto sobre a sedução das mulheres. Que começa tão cedo. E quando mocinha, lá vem o batom, a cinta, a meia, o sutiã, os decotes, os babados, as sedas, o olhar lânguido, o corpo. Desviava tanto da minha! Pela timidez , mas principalmente como forma de resistência. Claro que não tinha propósito claro nem tanta consciência como vim ter depois. Mas existia o incômodo, a negação, e o desejo de fazer diferente. Era muito magra, tinha problemas (ainda tenho) com saltos, desdenhava os fru frus, e tudo o que era feminino me era estranho. Queria ir por um outro caminho. O da subversão. Usar roupas masculinas (calças largas, camisas de marinheiro), esconder o corpo desse padrão normatizado. Imaginem que, queria também conversar conversa de homem, beber, transgredir os voils e transparências. A calça jeans rasgada caiu como uma luva para o meu padrão solitário no Cine Municipal e na Lagoa. E como o sentir ainda era nebuloso, sofria. Queria uma roupa destoante. Queria um vestido solto que não fosse solto. Minha mãe que fazia nossas roupas enlouquecia nos debruns e cortes desestruturados, que nunca ficavam ao nosso gosto. A minha sedução, com certeza nunca passou pelos vestidos das meninas. Nem passa! Tudo que se impõe me causa irritação. Na minha lua de mel, não teve camisola de núpcias. Nem núpcias! Já fui de uma geração que não se esperava tanto…. Tínhamos urgência e o sexo se antecipava pulsante.

Por entre os pacotes de feijão, fiquei também a filosofar sobre o que seja ser uma menina. E nem falo de hoje que, ser menina é querer ser mulher antes do tempo, e lidar com o perigo iminente do estupro! Pensei do ser menina antes, quando eu própria fui. Brincar de roda, sentar com as pernas juntas, não responder aos mais velhos, uniforme das Lourdinas no joelho, usar meia combinação, fazer cozinhado no quintal.

Sou a mais velha de uma casa feminina. Quatro irmãs. E por meio de bonecas, saias, modesses, sutiãs e namorados, vivi. Não tive filhas. E há muito vivo longe do universo das meninas. Mais recentemente convivo com minha sobrinha Hanna, que já é uma adolescente, e quer lonjura do mundo das meninas pequenas. As mulheres lhe interessam!

E ao observar minha amiga com suas netas meninas lindas, fiquei a pensar de como serei como avó. E por favor meninos meus: vê se quando forem ser pais, me trazem alguma menina!! Já estou satisfeita com o mundo dos homens. Em casa, digo! Que tipo de avó serei? Como lidarei com esse amor que, dizem ser a cereja do bolo .

Fico pensativa ao testemunhar as mulheres/avós da minha geração. Percebo que, de maneira geral e com raras exceções, os netos preenchem um espaço gigante na vida das delas. A maioria das avós se mostra como se não tivessem mais uma vida toda sua; sem interesses outros, e como se só os netos restassem . Como se toda a seiva da vida jorrasse desse único caminho. Como se ainda, a vida dos adultos tivesse ficado opaca e finda. Nada de namorar os maridos, nem trabalhar, nem socializar, nem ler, nem não fazer nada, nem encontrar amigos, conversar, participar ativamente das atividades que um dia gostaram. E fica tudo resumido à escola de neto, aniversário de neto, natação de neto, correr com neto, balanço de neto, creches, comidinhas prá netos. Nada contra os netos. E bem vindo os netos!

Mas fico a lembrar da vida de outras mulheres alhures que, tem sim amor pelos netos, mas a vida delas é mais distanciada, para que se possa também viver as vidas outras que nem somente a das avós. Dizem que, falo assim porque ainda não tenho os pequenos. Pode até ser, mas pela mãe que fui e sou, com todas as presenças e ausências que fui capaz de exercer, e uma vida toda minha que demorei tanto a construir, tentarei incorporar os netos sim, mas não gostaria de ter todo o meu dia pautado pelo dia de avó. Terei sempre meus interesses outros, minhas necessidades outras, e minhas solidões outras também. Seja lá o que esses outros signifiquem.

Mas, olhando a minha amiga a passear com as netas por entre as bananas e abacaxis, pude sim vislumbrar uma cena – eu mesma levando algum neto para fazer feira e lhe comprar um doce. E falar, de amor. Esse artigo de luxo!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 18 de julho,2016
 


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