Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Um Belo Horizonte


06/07/2016

Foto: autor desconhecido.

(Para Claude e Hanna)

Uma febre terçã!

Conheci BH em 1982. Era jovem e tinha conhecido umas meninas mineiras em Baia Formosa. Pronto. Convite feito, aceito e lá depois me mandei para BH. Conheci Pampulha, festas, Festival de Arte em Diamantina, acampamento em Biribiri, banho gelado em cachoeira, Aleijadinho em Congonhas, Mariana (sem enchente), e sem Elizabeth Bishop, Sabará e o ouro, Ouro Preto e ladeiras e frio. Que maravilha é viajar quando jovem e com mochila nas costas e cabelos ao vento. Nunca mais voltei. A ser jovem nem a BH!

Agora fui. Passar São João longe dos festejos . O roteiro? BH, Inhotim e Tiradentes. Em BH foi cheio de curvas de Niemeyer na Pampulha. Na região da Savassi, pão de queijo pão de queijo no café da manhã com os músicos que eu não conhecia: Gilson Peranzzetta e Mauro Senise. No Mercado, pousamos no Bar da Lôra, e uma cachaça envelhecida com lingüiça e jiló acebolados deram o tom gastronômico. À noite conhecemos o quarteirão boêmio de Puim-í, e o Café do Carmo,. Mas o que nos tirou do sério mesmo foi a Praça da Liberdade. Uma exposição de Nuno Ramos e “O Direito à prequiça”, no CCBB, e uma instalação imensa se pretendendo órgão – que tocava de hora em hora. Um andaime, 106 tubos de órgão, mangueira, ventoinha, foles, programação eletrônica da canção Samba de uma nota só, de Tom Jobim e Newton Mendonça. Escutamos vozes de um leilão vendendo O Grito de Edvard Munch; ouvimos, E agora José de Drummond; contemplamos o tapete do sol, e uma referência a Tintim. Saimos tonta! Um Café com Letras animado, rumo ao Museu de Artes e Ofícios.

“Diante da argila transubstanciada, aprumada e endurecida na cerâmica exposta das peças à frente, uma jazida amolece em mim. Em cena vejo valores, imagens, histórias vividas, lembranças, desejos, céus, alguns esquecidos e outros apenas imaginados ou sonhados.”(Carlos Antonio Leite Brandão – UFMG)

O Memorial Minas Gerais Vale – traz a alma e as tradições mineiras contadas de forma original e interativa. Caracterizado como Museu de Experiência, o Memorial instiga o visitante a descobrir a história e os costumes mineiros do século XVIII ao momento atual. Trinta e uma salas de espaço e tecnologia recheando de tutu às artes: Drummond, Guimarães Rosa, Humberto Mauro e o Cinema, Sebastião Salgado e a fotografia, Lygia Clark, Fernanda Takai, o Vale do Jequitinhonha e suas bonecas, os cronistas mineiros, o sagrado e o profano, instalação de Ronaldo Fraga e seus ternos bordados de poemas, e um prédio que por si só já era o objeto. Vigas, ferros, escadas, tapetes, murais, vitrais, projeções das fazendas mineiras, os casarios, toda a Minas Gerais refeita em salas, miniaturas, até mesmo Ouro Preto na penumbra, com postes amarelados….Sala Caminhos e Descaminhos, Vilas Mineiras, O povo Mineiro, Minas Rupestre, Celebrações, e tantos rosários outros!

Na saída, só as flores roxas e rosas na praça. E um edifício cheio de curvas do arquiteto que não gostava da linha reta.

Inhotim – Um sonho antigo. Fomos por uma estradinha que passava pelas florestas de bambus, pelas alturas do topo do mundo! Lugarejos, condomínios, e uma névoa que fazia o debrum ao frio do inverno mineiro. E passamos o dia a percorrer esse parque verde verdejante. Esse Jardim Botânico formado por espécies nativas e exóticas, com mais de 4.500 espécies. Uma das maiores coleções de palmeiras do mundo. Com palmeiras de tantos tipos! Obras de arte contemporânea de relevância internacional expostas em galerias e em meio aos jardins. A cada palmeira, um assombro. E a cada salão, um susto. Um trator, mil vidros de azeite de Tunga, os azulejos de Adriana Varejão, o som da terra – e nós as viajantes, deitadas a ouvir as entranhas do planeta! Tudo tanto, que sempre que podíamos nos deitávamos nos bancos belíssimos dos troncos, e ouvíamos. O som do silêncio. Minha sobrinha Hanna, atenta a tudo e igualmente deslumbrada, sentenciava arremedando a mãe, Claude. Contemplar Tia! Cachaça é cultura! (numa referência à nossa fala do mercado, a nos justificar pela branquinha!!!). Em Inhotim, a paisagem da natureza destoa e se harmoniza com a concretude dos salões. Eu só queria olhar a natureza. As florzinhas, as florzonas, as montanhas de samambaias, os canteiros monocromáticos de verde, ou de lilazes. Todos os cubos coloridos, o ônibus azul, os fuscas, as fotos dos índios Yanomanis. Arte!


“Pequenina, com ladeiras gentis e dona de um número sensivelmente maior de restaurantes estrelados do que de igrejas tombadas, Tiradentes funciona como a sobremesa do cardápio. A cidade é uma bela adormecida que esteve esquecida até pouco mais de 30 anos atrás, quando foi redescoberta e recolonizada por artistas e cozinheiros.” Ricardo Freire

Para Tiradentes fomos de ônibus até São João Del Rey e de lá mais um ônibus. Pensei que tinha chegado no Brasil Colônia. Contemporâneo. Com um polo gastronômico de chefs e iguarias. E um lugar de nome – Tragaluz! Um outro Ora-pro-nobis, onde nos deliciamos com um risoto dessa folhagem típica. A pousada era do Ó! Na ladeira da Igreja Matriz, onde lá mesmo uma noiva se despia para as lentes de um editorial. A cada pedra da rua, a cada brecha, a cada santo exposto na janela, um alhumbramento! Sem falar nas montanhas guardiãs da cidade. E de onde estivéssemos lá estavam elas a nos espiar. O Largo das Forras. O Chafariz São José. O Museu Santanna, A igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Santo Antonio, a Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza, a da Nossa Senhora das Mercês. Não sou de rezar, mas diante da beleza singela e exuberante dessas casas, ajoelhei. E cantei Milton. Procissão. Travessia. Cais. Tudo.

Voltando, pela Estrada Real e por entre os móveis patinados cheios de flores, e do Divino, agradeci e me despedi das Gerais.

Na bagagem, goiabada cascão, doce do leite, geleia de laranja e queijo Canastra.E ganhei o prêmio da contenção, pois diante de todos os Divinos Espíritos Santos, não comprei nenhum! Mas trouxe o gosto do feijão trôpego na boca. E a vista cansada, literalmente. Das belezas das Minas Gerais.

E de um Belo Horizonte!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 05 de julho , 2016
 


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.