Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Inverno


17/05/2016

Foto: autor desconhecido.

Aqui abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não temos inverno, mas uma estação das chuvas. Mas na falta das quatro estações, e de todos os ritmos que o tempo dita, gosto quando chove lá fora. Uma chuva que, como uma bússola, me indica o caminho do aconchego E com o tempo que passa, venho gostando mais e mais dos tons cinzas e de introspecção. Por um tempo, só. Quando chega o verão…é um desassossego!

Gosto de uma certa brisa, e pensar num vinho tinto, com pão de alho e uma massa ao pomodoro com manjericão. Um luxo! E no verão, a sede me inibe aos vinhedos, e sou só cevada. À gelada com espuma!
Dormir agasalhada, é outro prazer. Pijamas pra que te quero! Saudades da infância e do friozinho da noite com os camisolões de fulôrzinhas costurados por minha mãe. Ficar enroscada até mais tarde na cama. O corpo também me diz que o inverno combina mais com as roupas que tenho e com as novas formas que me habitam. Mangas compridas, casaquetos, flanelas, me sinto tão confortável! Desde sempre gostei das roupas soltas e com muitos panos. Para as mangas! Meus pobres enganos!

E o cheiro de terra molhada! O mar mais revolto! O som da chuva no terraço. As plantas do jardim saltitantes…tudo me deixa alegre! Estou realmente na fase outonal! O verão me cansa! Me extenua! Muita luz, calor, alvoroços, caranguejos apinhados nas mesas dos bares, som alto, forró,…. Acho realmente que nós humanos também temos nossas estações. Talvez por isso goste tanto do inverno, ameno , claro!

Ao ver as paisagens de outros lugares fora do verão, sinto tanto prazer na placidez! Daquelas cores cinzentas e aveludadas. Cores monocromáticas. Os silêncios. Caminhadas contemplativas com vento frio na espinha. Um caldo verde esfumaçante. Uma sopa de batatas com alho poró! Um vinho Malbec! Tudo ao seu tempo!
Agora, com esses pingos de chuva que começam a cair em João Pessoa, descubro que o meu guarda roupa é invernal. Não das passarelas, mas do meu inverno ensimesmada. No verão fico aflita com tanta suadeira. Trabalhar é um tormento. Os alunos reclamam, dormem na sala, o cheiro forte das frituras me dá náusea. A quentura me dá dor de cabeça, tenho vertigem! Fico mal humorada! Pois o único lugar agradável é no mar, com um coco na mão, ou uma cerveja gelada na outra.
Mas o verão é sexy, lá isso é, tudo isso misturado nos dá ponto sem nó na libido. Nos esfogueamos. No inverno dormir de conchinha e edredom e biscoito – nos faz virar de costas para quem está do lado. Verão – muitos banhos de chuveiro fora de hora, corpos à mostra, peguentos e insaciáveis…Saudades dos meus dias quentes. Dos meus dias mornos. Dos meus dias nus. Dos meus dias…

Hoje, coberta até o pescoço, tento buscar nos sonhos e na imaginação minhas temperaturas térmicas perdidas. E encontro um corpo invernal, abismal, mas vivo. Que pulsa ! e ouve os pingos lá fora, no telhado que não é de zinco, mas ferve!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 15 de maio, 2016
 


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