Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Impeachments e de Elefantes


19/04/2016

Foto: autor desconhecido.

Quando o homem branco se torna um tirano é a sua própria liberdade que ele destrói .(“O abate do elefante”, George Orwell)

“Sem a Política não há salvação!” Ouvi isso muito do meu marido , Juca, quando me ouvia incrédula com os políticos nas campanhas eleitorais. E como ele era um cientista político, da mais alta filosofia, até o mais humilde dos redutos, eu ouvia e confiava. E aprendia. E sempre diante de uma situação mais vexatória, ele respondia com sabedoria: “A natureza humana D. Ana!” E eu, pobre mortal, ficava ciscando, e comendo um capinzinho por ali…. com minha alma pequena, humana, demasiadamente humana.

Vivemos tempos difíceis na Política! E a sessão da votação do Impeachment pela Presidenta Dilma Rousseff, foi um espetáculo midiático digno dos estudos antropológicos ou de referência para A civilização do espetáculo, de Mário Vargas Llosa. Era um tal de louvar a Deus, a família, a netinha, ao filho mais velho, mais novo, a esposa em casa, aos currais, novos e velhos, enfim…, até um sim sim sim histérico de uma deputada a defender a boa política do marido brilhou, não fosse sua prisão na manhã seguinte por falcatruas e aberrações do desvio do dinheiro público. Fiquei a pensar no filme O Baile de Ettore Scola, que dançando, conta a vida de uma sociedade. Ali, naquele palco da Câmara Federal, sem cheirar a talco, daria um belo filme sobre a feia política brasileira. Os feios e pobres homens que falam cuspindo sobre nada, como se fosse os leões marinhos citados por Virginia Woolf em Mrs. Dalloway, quando Clarissa Dalloway ouve um psiquiatra famoso falando da fragilidade alheia. E pensar que são os nossos representantes! Quanta ignorância ! tantos broncos e torpes! E com o nosso voto! E do baixo do meu sofá já tão surrado da sala, fui audiência dessa triste Bahia!

Durante a minha vida, fiz parte de uma classe média média. E quando falo da escassez da minha vida de menina , algumas amigas, que viviam tempos de mais bonanças, ou até alguns desperdícios, falam em culpa, e/ou des-culpas. Lembro do meu pai trabalhando muito no comércio, e já falando mal dos políticos, que, segundo ele, eram homens parasitas e que não trabalhavam, e só roubavam. Hoje até entendo essa opinião tacanha. Meu pai trabalhava noite adentro para participar das concorrências e quando via, caia de paraquedas um amigo do Governo e ganhava o embate pelos desvios dos favores. Ele, um solitário homem das máquinas de escrever, e móveis dos escritórios desses mesmos homens, saía perdedor. E quando ganhava, uma vez perdida, penava anos nos corredores das repartições, para receber seu ganha pão. E me dizia: “Ana, se me pagassem, eu era um homem rico!” Ficava a imaginar ele magrinho e circunspecto, disputando e ouvindo os nãos nas ante-salas dos governantes. Não tinha ele como acreditar na Política, esse braço assistencialista e malvado daqueles tempos sombrios.

Assisti a golpes. Alguns. E de tantos danos, o pior deles tenha sido o AI 5. Mas lembro ainda do que nos impedia de viajar. Anos 70, e para viajar uma vez, tive que pagar ao banco, uma fortuna de 12.000 cruzeiros, e lá esse dinheiro ficava “guardado” pelas raposas, por um ano. Quando retirávamos o depósito, esse não valia mais nem uma uva. Outra vez, com Zélia Cardoso de Melo, prendeu os dinheiros das economias. Como nunca tive, não fui prejudicada. Mas vi gente que juntava grana há anos para comprar um imóvel, e ficou a ver navios. E os grandões souberam das medidas nas vésperas, e claro, deram melhor destino aos seus dinheiros.

Vi os produtos de feira sumirem das prateleiras; o leite ficar restrito à duas latas; postos de gasolina fecharem aos finais de semana; passaporte não válido para Cuba; inflação dos % sabe-se lá quanto ao mês, e na minha casa de menina, comida na mesa sempre foi farta, mas no resto faltava muito. Éramos quatro, e minha mãe costurava os vestidos, as saias de nesga, e os vestidos trapézios, e re-aproveitava os fósforos! Sapatos era somente um. E a vida era sim simples para todos. Foi a salvação. Depois tive minha casa só com almofadas coloridas, pois a vida hippie e descolada me seduzia , até hoje. E a minha personalidade me protegia do consumo e limitações. Nunca quis o luxo , puro luxo. E não gosto de joias. Acho que, como não era para o meu bico, nunca nem olhava, aí o gosto se ressabiava e olhava para as pérolas de soslaio. Bom mesmo eram as bugigangas! E os brincos! Prá que te quero…..e com eles fiz minhas medidas para os meus encantos juvenis. Até hoje os faço!

Já assisti ao Impeachment do Collor. Caiu justo no aniversário de um ano de Daniel, meu filho caçula. Por conta da data, cantamos parabéns às 7 da matina, o único horário livre do pai. O país fervia. Vi os caras pintadas. Lindbergh Farias! Que eu conheci como Nando, pequenino na minha casa, junto com Fred, Rodrigo e Georgiana, com sua mãe Ana Maria Farias, uma amiga de longas datas. E seus quatro pirralhos pela mão a nos visitarem de manhã. Hoje vejo Nando esbravejando de indignação! Leio os seus posts e compartilho da sua agonia. Outros tempos! E acho tão difícil polemizar! Ouço os sons ao meu redor, os chamados coxinhas, meus amigos, colegas, gente do afeto e me pergunto o que faço? Se dou as costas, fico sozinha no mundo, e não acredito nisso. Aprendi também que não preciso concordar com quem quero bem. Se dou as frentes, fico sem assunto, pois como ignorar os fatos frente a tempos tão efervescentes? Como tirar a Política e/ou a Religião da rodada das conversas? Como falar do mar, do sol, do filme tal, da comida tal, dos acontecimentos, sem mostrar minha indignação quanto a esses mesmos fatos? Fica tudo tão artificial! Tudo tão mais pobre! Tão simplista! E não sou a dona da verdade, com certeza. Mas tomo partido. Tenho as minhas convicções. A minha memória. Simpatias. Tenho lado! E ficar sem falar da Política fica quase que impossível.

Penso na vida. Na saudade de Juca. Me pergunto o que, neste momento. ele estaria pensando, fazendo, se res-sentindo. Esperneando! Busco seus amigos, leio os seus grifos de livros, lembro das suas expressões marcantes, ouço a sua ironia afiada, e até ouço sua voz: “D. Ana, o que faço da vida?” “É luta! É luta!“. Vejo os erros do PT, sei que a Dilma é dura na queda – e fraca na articulação política, mas é tanta coisa em jogo! A democracia! E as forças avassaladoras do Poder. Vejo um país tão imenso, tão gigante pela própria natureza, e tão inoperante e tombado à queda. Lembro de um pequeno conto/ensaio de George Orwell – O Abate do Elefante, atribuído a ser uma metáfora do gigante Império Britânico. Abatido por um policial Inglês (talvez o próprio Orwell), que em câmara lenta vai caindo com seu peso e seu simbolismo cósmico, aplaudido histericamente pelos colonizados Birmaneses, exigindo uma postura autoritária, e matadora do bicho, do colonizador Inglês. Para depois ele próprio, perdido/preso na ambiguidade da empatia pelos rostos amarelos desse povo, como bem descreve, e o ódio da arrogância opressiva do homem branco/Império, confessar incrédulo: “Fico pensando se eles imaginam que eu matei o elefante para não parecer um tolo?”

Um elefante foi abatido. Eu me sinto abatida. E o país talvez esteja abatido, seja na imensidão do espaço político , seja na vontade e tristeza do seu povo. E eu não quero me sentir tola não!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 19 de abril, 2016
 


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