Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Magrelinha


29/12/2015

Foto: autor desconhecido.

O beijo meu vem com melado decorado cor de rosa
O sonho seu vem dos lugares mais distantes terras dos gigantes Super Homem, Super Mosca, Super Carioca, super eu, super eu .
..(Luis Melodia)

Lendo a belíssima crônica de André Aguiar (publicada no jornal Contraponto dia desses) e depois a de Vitória Lima (A União), e depois mais as duas comentadas por Martinho Moreira Franco (também em A União) sobre ter ou não ter uma bicicleta; andar sobre duas rodas, vento na cara, etc e tal, resolvi também trazer as minhas experiências de ciclista amadora.

Aprendi a andar de bicicleta aos 10 anos, nas calçadas da Vila dos Oficiais, com minha prima Zilá. E me equilibrar naquela calçadinha tão modesta e esburacada foi realmente um abismo enfrentado. Que alegria!

Logo em seguida, ganhei a minha Monark 64! Que golpe que nada! Eu estava interessada nas calçadas da Praça da Independência e no cheio das pitangas! E nessa praça eu vi que o mundo era azul, talvez antes de Gagarin! Cada lado da praça era uma emoção. O lado da minha casinha; o lado do Pio X e o sabor ácido das cajaranas; o lado da marquise, tão longe da minha casa?! ; a esquina perigosa, o lado do encontro com a Epitácio que fazia me sentir na passarela, e o obelisco no meio, onde sentávamos para nossos segredos de ver o mundo em perspectiva aguda!

Fazia mandados da minha mãe de bicicleta. Ia ao armarinho comprar linha, zíper, aviamentos em geral. Ou comprar ovos numa Senhora lá longe. Uma vez caí, os ovos se quebraram, e o meu joelho ficou marcado para sempre. Que dor! E que orgulho essa cicatriz! Joelhos de chamboques feridos! Um troféu! Também ia para minha aula de piano de bicicleta, lá na casa de D. Germana Vida, perto do Lyceu. Também para minhas aulas de teoria e solfejo com D. Luzia Simões lá onde hoje é o Solar dos Conselheiros. Visitava minhas amigas Dodora Diniz e Glauce Caldas de bicicleta. O Beco! E quando via algum menino interessante, aí é que mostrava minha destreza nos guidons! Não continuei com os estudos na música, nem no ballet (com Yara Rosas de professora), mas a bicicleta, uma vez desbravada, nunca mais seria a mesma!

Depois mudei de casa e fomos morar na Av. Camilo de Holanda. Aí vivi os meus precipícios de duas rodas! Uma felicidade sem fim rodear quarteirão tão grande, com AABB pelo meio, os meninos da esquina, minhas amigas de infância Kathya dos Santos Lira e Diana Rangel, e os meus 12 anos queridos. Amava minha bicicleta e os sacolejos da liberdade que eram sim azuis!

Anos mais tarde, quando morei na Av. Almirante Barroso, lembro que ia de bicicleta trabalhar. Numa boutique chamada Chica Bodó, quando tive o lampejo e a frustração e ingenuidade de trabalhar com moda. João Pessoa era tão calma e provinciana que, no fim do dia, quando voltava para casa pela Av. Pedro I, levava o dinheiro apurado (bem pouco , é verdade!), num bauzinho no bagageiro da bike. E quem sabe enquanto eu pedalava pensando na minha vida, eu cantarolava ...rain drop keep passing on my head! E assim eu ia sonhando com Robert Redford e Paul Newman (Butch Cassidy and The Sundance Kid). Quem sabe eu poderia ser a Katharine Ross?

Na década de 80, já uma jovem rebelde e no ritmo alucinante de quem havia se seprado recentemente, e morando no Cabo Branco, andei muito de bicicleta, não mais a minha Monark querida. Agora uma bike moderna, cheia de marchas, que com os amigos, subia Epitácio acima. Pelas madrugadas. Farras. Bares. Era o tempo do Bar da Xoxota (vocês de hoje não estranhem o nome! Era esse mesmo! E ainda tinha o Bar do Meu Cacête!). A cidade era pacata e eu perambulava na noite de bicicleta. E pelas madrugadas voltava sozinha cantando amor febril, sem perigo de violência. Chegava em casa sã e salva. E trazia comigo essa sensação de liberdade e equilíbrio, que um dia explodiu feito vulcão, na época acrescida de indignação, quando assisti ao filme Ladrões de Bicicleta (Vittorio De Sica, 1948)!
Olhando para trás, e lendo os textos dos amigos, me bateu saudades da minha Magrelinha! Dos tempos que as tardes eram preciosas para pequenas aventuras, e as madrugadas para as grandes! Ou o contrário? Hoje, já não tenho mais bicicleta! Mas a sensação das duas rodas, ah! Essa anda lacrada com cadeado no meu coração.

E com essa sensação de liberdade me despeço do ano. Feliz Ano Novo para vocês! Com alegrias de vento na cara, amor aos pedaços, e um mundo mais justo!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 29/12/2015
 


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