Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Eu vim da Bahia


14/12/2015

Foto: autor desconhecido.

Eu vim da Bahia!

Eu vim da Bahia cantar
Eu vim da Bahia contar
Tanta coisa bonita que tem
Na Bahia, que é meu lugar
Tem meu chão, tem meu céu, tem meu mar…

(João Gilberto)


Minha mãe nasceu em Itabuna, Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Depois teve uma Miss Brasil belíssima, em 1962 – Maria Olívia Rebouças, que era minha prima. Conheci-a anos depois e realmente uma mulher bela e exótica! Nos tempos em que Miss fazia sucesso entre as meninas crianças e adolescentes.

Mas a primeira vez que visitei Salvador foi nos meus 15 anos. A Pituba, o Mercado, a Lagoa do Abaeté, o elevador Lacerda, Itapoã (e a música de Vinicius e toquinho), dendê, e acarajé. Ainda no mesmo ano, excursão do ginásio e as meninas das Lourdinas botaram para quebrar! Numa outra viagem fui à Itaparica, Mar Grande, uma luta de capoeira de um Mestre no Pelourinho, Praia do Forte e as tartarugas; Arembepe e a memória dos hippies. E a vida toda cantei “Minha jangada vai partir pro mar”…, Caymmi, “O Tabuleiro da Baiana” João Gilberto. Mas foi com os tropicalistas Caetano, Gil, Maria Betânia e Gal que meu amor baiano tomou corpo. A trilha de uma vida inteira. Junto com os livros de Jorge Amado e as mulatas de Di Cavalcanti. Tinha sido embriagada por cravo e canela. Mas agora, fui tomada pela beleza do livro Carybé e Verger – Artista plástico x fotógrafo, retratando o cotidiano desse povo e cultura tão perto e tão longe de nós. Que traço! Que instantes! Que movimento!

No feriado de Iemanjá fui de novo matar as saudades do tabuleiro da baiana! Já na chegada, aquele bambuzal de filme francês! Seguido pelo Mercado, os berimbaus, Oloduns, tererês, e casarios e muros de azulejos portugueses sujos e invadidos pelas heras do tempo. Subir no elevador Lacerda nos possibilita ter uma vista da Baia de Todos os Santos, um navio ao longe, os coqueiros e comer um abará. E eis que alcançamos o Terreiro de Jesus cheio de atabaques e o povo vestido de vermelho para a festa de Santa Bárbara. Um acarajé, por favor!. Um sentimento africano me tomou de susto. E nunca fui à África. Mas a negritude, os casarios do Pelô, o cheiro de dendê com maresia, me transportavam para o além mar. Mas também aprendi com Mia Couto que em África a representação da cultura não se limita aos estereótipos.

Toda sexta feira é dia de comida baiana! E por entre os andares de todos os lugares, esse perfume forte, me leva às panelas, me invadem os poros, aguçando minha fome, sede, e quereres. Vatapá, pois!

Visitar a casa de Jorge Amado/Zélia Gattai em Rio Vermelho é uma experiência sensorial, lúdica, e transcendental. Uma casa palco de cultura, amizade, amor, resistência, arte e baianidade. Um quintal repleto de jaqueiras e orquídeas; pisos de retalhos de azulejos; objetos de cultura popular daqui e alhures; amigos dos 4 cantos do mundo; vídeos de muitos nomes da arte brasileira; depoimentos; um gazibo com peças dos orixás; uma lojinha com dizeres- Se for da paz, entre!; uma sereia no teto; uns cadernos, umas camisas, outras gravatas; uma máquina de escrever; uma cozinha e um teto todo feito de cestos e Adelaide (do Trapiche) dando receitas afrodisíacas também!. Uma casa brasileira em todos os sentidos! De quem viveu, amou, criou, viajou, e foi feliz. Experiência concluída com a descida dasua rua a pé, por entre árvores frondosas…..casas com seus portões floridos…e almoçar Bobó de Camarão na Casa de Teresa!

A tarde de sábado é no Solar do Unhão, com vista para os mares da Bahia! Visitar o Museu de Arte Moderna, uma escada de Lina Bo Bardi, uma janela, um flamboyant, um caminho…findar no por do sol, ao mar, ouvindo show de JamJazz.

Tanto para ver! Almoço no Amado – amei! Rezar na Igreja do Bonfim! Tomar sorvete de graviola aos pedaços na Ribeira; passear na calçada restaurada; e vir contornando a praia/rio por entre esse povo que rebola, que canta, que festa e que, como diz a lenda : que estreia! Mas ainda tinha um farol no Humaitá, com mais por do sol, mais berimbau , e mais gente que em silêncio, contemplava o infinito e uma mancha amarela ou um sol, com dizia Picasso.

No tabuleiro da Baiana tem
Vatapá, Carurú, Mungunza tem Ungu prá io io
Se eu pedir você me da
O seu coração, seu amor de ia ia
No tabuleiro da Bahiana também tem
Sedução, cangerê, ilusão, candonblé!…


Depois de tanto, só mesmo perambular pelo Pelourinho domingo à noite, e dar de cara com o Ilê Ayê no palco. Todos a rebolar. A baiana a rebolar. Nós a rebolar! Afoxé! E entre sobe e desce, uma sensação grandiosa de um patrimônio belo, abandonado, decadente, mas que sobrevive em muitas revitalizações, cafés charmosos – Cafélier!, terraços com vistas, e avisto Carlinhos Brown nos seus ensaios públicos e dançantes. No meio da ladeira tinha a sede dos Filhos de Ghandi, minha reverência! Uma loja de artigos artesanais, Iemanjá linda e exuberante, o ateliê de Goya Lopes, O Carmo, Santo Antonio, o Bar do Pascal…meus olhos não cabem! E cantarolo: Toda menina baiana tem um charme que Deus deu…! Nesse lugar a certeza de que realmente estou num espaço híbrido entre a África e Lisboa! Ô Triste Bahia!

Para minha surpresa, enquanto rodo a cidade, me deparo com nomes tão conhecidos, que para mim só existiam nas músicas de Caetano: Chame Chame, Federação, Dique do do Tororó, Beleza Pura!! Sou tomada pelas cantigas da infância, pelo trio e carnaval, e pelo Menino do Rio!

Minha sobrinha Hanna, que nos acompanhava na viagem, queria por que queria saber o seu santo. E por mais que a minha ignorância do sincretismo explicasse que só com Mãe Menininha, ela insistia em Iansã, Iemanjá… Toca o Olodum!

Dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar….E com a imagem da Deusa do Mar, me despedi da Bahia molhando os pés nas águas frias da praia da Barra e do Farol. Como não lembrar de Virginia Woolf e Rumo ao Farol, com aquele monumento icônico das terras dos Doces Bárbaros, iluminando o meu último por do sol – Ao meu amor…cantei! Mar Adentro!

Não fiquei triste mas a música me invadiu a alma: Triste Bahia, o quão dessemelhante! Salve Gregório de Matos, Salve Caetano! Salve minha mãe baiana! Salve Ana Cristina (que nos recebeu!), Salve minha cunhada Beta & Eduardo, Salve Claude e Hanna (companheiras de viagem), Salve Salve Iemanjá! Salve a Bahia, que aqui é um dos meus lugares!

A Bahia já me deu régua e compasso! Aquele Abraço!

João Pessoa, 13 de dezembro
Ana Adelaide Peixoto


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