Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Passeando pelas Memórias


01/09/2015

Foto: autor desconhecido.

(Hoje tomo a liberdade de publicar nesse espaço uma crônica de autoria da minha mãe, Terezinha Peixoto, que sempre tem algo interessante a dizer , e ,  de quem puxei o gosto de escrever crônicas)

Passeando pelas Memórias

Terezinha Peixoto

Sinto tanta saudade….Nem sei mesmo do que. De tudo…De mim ontem. Não Pense que é só você…Saudades do tempo…do vento…da chuva, do sol. do dia, do cheiro do mar…e das noites de lua cheia, que sempre me surpreenderam, (e continua).

De minha infância: da bicicleta que não tive (mas sempre me prometeram), mas não fiquei frustrada. Com outras coisas me ocupei. Das histórias da carochinha. Medo de alma, de dormir com minha mãe, quando meu pai se ausentava. Da saudade que eu sentia dele…Da alegria quando voltava. Dos Natais com simplicidade, ansiosa esperando Papai Noel , em quem acreditava. Dos vestidos que eu vestia nesse dia, pois era meu aniversário. Minha mãe recomendava: “Use primeiro na missa, para Deus abençoar”. E assim me acostumei por longo tempo. Das igrejas que eu ia, tão devota, contrita, respondendo às ladainhas, mas com o olho no relógio, pois o namorado, já devia estar na esquina, me esperando….Das comunhões, da santidade que eu sentia.

Quando confessava, os pecados que nem fiz…(e me arrependo). Dos namorados. Dos beijos inocentes, mas com gosto de culpa. Das mãos dadas nas matinês. Rex, aos sábados. De anjo de maio, que eu não fui (acho que era papuda demais e não servia para anjo). Da primeira comunhão. Quando me senti no céu, qual anjo de verdade!. Do Tico-Tico que meu tio mandava e do grosso almanaque que sempre chegava no fim do ano

Dos personagens, Teco-Reco, Bolão Azeitona. Chiquinho. Dos filmes de Shirley Temple e da inveja que se sentia dela, pois além de saber sapatear, tinha cachinhos e pernas lindas, (pobre de mim!).
Da simplicidade das quatro festas do ano. São João com muita canjica, pamonha, milho assado e eu raspando o tacho, soltando estrelinhas, traque de chumbo e espanta-caió

Das brincadeiras de esconder, de pega, de tanto correr a dor de veado depois. Do grupo escolar. Das professoras, dos prêmios que recebia, da distinção e louvor, do hino nacional, ouvido com contrição, e achando pátria, a coisa mais linda do mundo

Do orfeão, cantando musicas que me emocionavam – Ozanina orekuá, kuá, e outra que falava de Tupã, Deus do Brasil!. Dos dramas que me faziam sentir a maior das atrizes quando declamava aquelas enormes poesias, que decorava a duras penas, mas com muita responsabilidade para no dia brilhar.

Do primeiro sapato alto, azul marinho, com tirinhas mil. Com ele fui à festa e dancei toda a noite me sentindo rainha. Das matinês dançantes, Cabo Branco, Astrea, concluintes de fora, prá namorar…Sambas, boleros,, foxes que nunca acertei com meu par, pois gostava de me requebrar, mas era proibido, prá não ficar falada. Continha meus quadris ainda pequenos, e dançava comportada, Da vitrola do Cassino, Gregório Barrios cantando boleros sentimentais.

Da saída do Lyceu, encompridando o caminho com os rapazes esperando. Das festas das Neves, com gosto de laranja cravo, amendoim cozinhando, E os dois vestidos novos que fazia e me ajudavam a variar o guarda-roupa. Num domingo um, no outro aquele diferente.

Das retretas, com banda tocando. Dos primeiros carnavais. Na esquina, com minha tia, olhando o corso e doida pra participar. Lança pequena na mão, com cuidado, prá não quebrar (passava o ano chaleirando um tio chato, para ganhar. Ele fazia um jogo de tortura só prá me inquietar).

De feira livre com minha mãe comprando bruxas de pano; louças de barro, panelinha, mil alfenis em forma de flor, cravo. Do cheiro do feijão quando minha mãe temperava, e a casa toda ficava incensada…Da sopa com muita cebola, que eu catava…Missa do Galo, lapinhas que não dancei. Queria tanto ser Mestra…torcendo pelo encarnado. Mês de maio da igreja, com namorinho e tudo- (um era coroinha) – o cheiro de incenso –.E quando balançava o turibulo (é esse mesmo o nome?), balançava meu coração também. Mas ficava com medo que Deus me amaldiçoasse. Me sentia em pecado mortal…Das procissões, com os seminaristas. Chiquinho, meu cunhado, bem pequeno, puxando o cordão…Padres de batina, missa em latim…

Do primeiro batom, primeira menstruação,, que eu já sabia o que era, num domingo, há tanto tempo. Mas me assustou um pouco, fiquei emocionada, pois compreendi que algo importante estava acontecendo comigo, mas ninguém me explicou nada. Uma tia recomendando: “não coma abacaxi, faz mal”. Minha mãe rebatendo: “deixe disso, pode comer minha filha, que isso não é doença. É saúde!”. Minha mãe era avançada, devia estar nascendo agora, e eu no ano 2000.

Do cheiro de sabão, das fardas limpas. Do liceu….nas segundas feiras. Dos banhos de chuva. Nas biqueiras da Catedral. Dos meninos do rapa, limpando os matinhos que teimavam em nascer (acho que era prá eles terem trabalho). Do calçamento, de pedras enormes, já gastas pelo tempo. Minha mãe com pena, fazendo refresco prá eles matarem a sede.

Da bica, que saudade! Minha tia ia rezar, fazer meditação. E eu ia junto, comportada, segurando sua mão, brincava falando só, com as carrapetas dos eucaliptos. Devia ter sido feira, santa, pois sempre morei em pé de igreja!

Depois já maior, aos dez anos, ia me balançar, chupar rolete, olhar os bichos, o pic-nic do grupo , quando a seriema se soltou e correu menino, prá todo lado, as professoras aflitas, corriam pra nos pegar…Aos quinze, ai a Bica namorar. Aos trinta /quarenta, levar as filhas pra darem bananas pros macacos. Adorava aquilo, era tudo tão simples, tão natural,

Hoje eu vou lá, prá sofrer, pra recordar…(os eucaliptos parece que já se foram, não cheiram mais). Será meu olfato?

Da aliança de noivado, que com orgulho exibi. Do primeiro beijo, quem me deu mesmo? Ah! Foi você!

Das minhas filhas nascendo, alguém dizendo, faça força! E eu me estourando toda, mas sendo recompensada, sentindo quando a cabeça passava e o alivio ao perguntar: “é perfeita?”. Do cheiro de Colônia Johnson, as brigas, enredos, injustiças de que me acusavam…Vê-las dormindo quietinhas, antes de me deitar, (Não sem antes fazer a ronda, prá ver se tinha febre).

Hoje que tenho tanto silêncio Não sei o que fazer com ele. Detesto estar sozinha, mas bem digo à liberdade. De ir e vir quando quero. Comer em pé na cozinha, ou vendo televisão.

Saudade…outro tempo. E mais o que não dá pra contar….

Terezinha Peixoto (minha mãe) João Pessoa 27 de dezembro de 1995


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