Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Mi Buenos Aires Querida


18/08/2015

Foto: autor desconhecido.

 Para Glauce Caldas e Marcela Sitônio (queridas companheiras de viagem)

aqui também essa desconhecida
e ansiosa e breve coisa
que é a vida

Jorge Luis Borges

A vida toda e nunca tinha ido à Buenos Aires. Antigamente não tínhamos dinheiro para viajar, depois, os países acima do Equador mais me seduziam e me mostravam oportunidades. Mas ela, a cidade do tango, sempre esteve nos meus desejos.

Gosto muito da língua espanhola. De Piazzola – Libertango!. De Maitena e suas mujeres descabeladas. De Mafalda. De Borges e Cortázar. De Mercedes Sosa. De vinho Malbec. De cinema Argentino e Ricardo Darin. E de Tango! Mas não gosto de carne, nem muito de alfajores. E eis que surgiu a oportunidade de visitar os portenhos. Dicas dalí (Danielle Almeida) e dacolá (Vilani Souza), quando dei por mim estava na Recoleta.

Fazia frio e chovia. E o domingo não poderia deixar de ser na Feira de San Telmo. Barracas. Antiques. Lojinhas lindas. Galerias. E devia estar doente, pois não comprei nem um friso. Sempre fico assim na chegada aos lugares – em choque e aí paraliso…Mas o impacto da chegada não me impediu de ouvir os tangos, e sentir aquela atmosfera de tragicidade que o tango nos oferece. E fechando os olhos, eis que me vem todo o filme de Carlos Saura, 1998 – Tango (Tango no me dejes nunca) . E com essa imagem de meias pretas, vestido lascado e coxas ao vento, outro por entre pernas, e um bandoneon rouco , também me imaginei nos braços daquele moço de cara enfezada, cujo sapato namorava o salto da sua partner, e a olhava com olhos de El Matador!

E num dia de sol, fazendo tour, me encontro com a Casa Rosada; Plaza de Mayo e as suas mães; e mais a Plaza Francia e Saint Martin; Teatro Cólon (um dos mais belos do mundo – e poder assistir a um concerto pelo telão); Café Tortoni (perdi o churros com chocolate!) e sua art-noveau; media lunas, e cafés; Galeria Pacífico (e meus recuerdos de Milão); Calle Florida e Palermo Soho (cruzei a Av. Jorge Luis Borges); Obelisco; Cemitério da Recoleta (Evita); Livrarias – Ateneu e a mudez diante dos livros; Avenidas Alvear, Santa Fé e 9 de Julho; La Boca e o Caminito (e todas e tantas cores), foram alguns dos pontos turísticos que todos querem visitar. E de uma primeira vez, é impossível fugir dos lugares comuns. E o comum em Buenos Aires é extraordinário. Por vezes pensei estar em Paris, por outras em Madrid, mas sempre tive a certeza de estar em Buenos Aires!

Fiquei decepcionada com o monumento em homenagem aos desaparecidos. Um acabrunhado cemitério de cruzes cinzas, embaixo de um viaduto, que da Van onde estava, quase não pude nem dizer Adeus. Como não lembrar do filme – Desaparecido (Costa Gravas, 1982), que assisti às vésperas de fazer uma viagem sozinha ao Peru, e fiquei com tanto medo que, desde então tenho neura de viajar…. e ouvir as músicas de Victor Jara. E dei Gracias a La vida que me há dado tanto!

Mas o melhor de qualquer viagem é perambular á toa. O tal do zanzar, se perder, se achar = Como diria o filósofo Walter Benjamim, Flanar! E nesses voos sem rumos, chovia e fazia frio e compramos sombrinhas num coreano que nos enganou! E entramos numa loja sinistra, para comprar casacos, onde duas Austríacas gêmeas, e para lá dos 80 años, surgiram a cantar em alemão, se dizendo de Salzburgo, vi logo que se tratava de A Noviça Rebelde. Pensei em Hitchcock e tremi de medo, pois era tudo tão estranho , que já imaginei um golpe, um sequestro, e minhas amigas Glauce Caldas e Marcela Sitônio, seriam arrastadas ao sótão. Depois das compras, saímos com calafrios e confessamos ter tido os mesmos arrepios. Coisa de quem assiste True Detective!

Em Puerto Madero, a famosa parte nova e moderna de Buenos Aires, cheia de restaurantes nas antigas docas re-vitalizadas, com passeio público em frente ao rio apreciamos a Ponte da Mulher, caminhamos ao longo dos diques, e nos esbaldamos de pratos fartos e vinhos Malbec. Mas nada de parriladas! E tomamos sorvetes Freddo. Eu de fruta do bosque! Mas não achei choripan, uma salsicha grelhada típica. Acho que terei que voltar a esse lugar!

Numa primeira viagem sempre falta muchas cosas! Falta eu falar espanhol! Aliás, uma coisa interessante, nós brasileiros achamos que podemos falar português sem cerimônia, pois achamos espanhol uma língua conhecida. E num completo desaviso, nos dirigimos às pessoas e falamos nosso português, com nosso sotaque e nosso ritmo. E claro que ninguém presta atenção nem entende. E nos surpreendemos por isso. Não prestamos atenção de que uma língua se faz com tantas outras coisas que o vocabulário parecido. Por isso tratava logo de mudar a música e dizer o meu por favore cantado, aí sim, o garçom me olhava!

Por onde passava, ouvia-se sempre um tango ao longe, criando um ar nostálgico e melancólico como a própria música sugere. Lembrou-me Sevilha na Andaluzia, que com seu perfume de laranjas, também seduz uma música, mas nesse caso a Flamenga. E pelas avenidas largas, praças incríveis, chafarizes, e uma paisagem meso francesa, meso espanhola, pude apreciar homens bonitos, mulheres elegantes, senhorinhas com seus casacos beges, homens de chapéu, e Carlos Gardel em cada esquina. Um em particular na praça do cemitério da Recoleta, que se fosse mais desavisada, poderia pensar ser o próprio.

E de empanadas em empanadas, com uma taça de Malbec sempre, e com esse charme europeu, mas fincada na América Latina, me despedi de Buenos Aires. Esperando voltar para passear pelo Tigre e Delta, dançar nas Milongas, e apreciar seus museus. Sim! E ficar um domingo inteiro novamente em San Telmo, dessa vez só com frio, mas sem chuva.

Esperando que, aquela orquídea linda e voluntariosa, a Floralis Genérica, uma escultura de 23 metros de altura, do arquiteto argentino Eduardo Catalano, com toda sua monumentalidade, se abra para me dar as boas vindas, num dia não mais tão distante assim.

Asta Luego! Que fico aqui com o segredo dos teus olhos!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa,17/08/2015


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