Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Mr. Barlow – “Um Brazilian Gentleman”


04/08/2015

Foto: autor desconhecido.

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message ‘He is Dead’.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

…(Funeral Blues- W. H. Auden)

O título eu tomei emprestado às lindas palavras da colega e amiga, Genilda Azeredo que, como nós todas fomos tomadas no susto, pela notícia da partida de David H. Barlow, Mr. Barlow, como conhecíamos.

Mr. Barlow foi o fundador da Cultura Inglesa, Professor aposentado do Departamento de Letras e Artes, onde desempenhou um papel extremamente importante na formação de toda uma geração de professores, criando o curso de especialização em Língua e Literatura Inglesa, e o Mestrado do mesmo nome. O Departamento de Letras Estrangeiras Modernas está de luto, e o papel de Mr. Barlow para o nosso departamento excede qualquer homenagem que possamos lhe fazer individualmente.

Ao saber da notícia da sua morte, todo um filme me passou na cabeça, com relação aos meus próprios estudos da língua Inglesa. Entrei na Cultura Inglesa aos meus longínquos 12 anos, quando essa era uma casinha com um tantinho de alunos, e eu já com os meus sonhos de ganhar os mundos . Mr. Barlow, um jovem inglês, que nos cativava com seu carinho e seu sotaque a dizer; Oxente!! Anos depois lhe perguntei da certeza de morar por aqui, na sua bela casa no Cabo Branco, e ele dizia: “Eu pertenço a esse lugar e adoro isso aqui”. E eu, com meus amores por London London, ficava a ver navios.

Foi com Mr. Barlow que me aventurei na sua língua. E muitas noites, caminhava sozinha a pé, no escuro, da Almirante Barroso a D. Pedro I, quando esta cidade era uma província de tranquilidade, com aulas e interesses por to be or not to be . Na minha sala tinha juristas como Dr. Joacil de Brito, sua filha, Bela Santiago, Dr. Aurélio Albuquerque, meu cunhado Rafael Jardelino e alguns outros poucos. Depois voltei a conviver com ele, já professora da sua casa. Minha primeira carteira assinada a gente nunca esquece! E junto com outras amigas/professoras, trilhávamos nossos primeiros anos ensinando Inglês: Rosa Virginia Faraco, Vilani Sousa, Clélia Pereira, Rita de Cássia, Ribamar Castro, Heliane Ferreira, Amélia e Auxiliadora Machado, Eudes Rocha, João Vinagre (hoje meu querido médico). Trabalhei em algumas das Culturas, treinando, repassando, compartilhando os estudos e conhecimentos que adquiri enquanto aluna. Experiência insuperável para o que me esperava depois, tanto na vida profissional quanto na pessoal.

Já na UFPB, Mr, Barlow, foi meu professor querido no curso de graduação em Letras, Especialização e Mestrado em Língua e Literatura de Língua Inglesa. E lembro de chegar nas suas aulas com as blusas manchadas de leite (estava a amamentar meu filho Lucas), e também sair mais cedo, para cumprir meu papel de mãe. Tinha dificuldades em gramática, mas a linguística aplicada eu gostava. E ele sempre tão simples, ameno, e com aquele humor britânico ácido, sempre nos conquistava a todos. E nas suas aulas não gostávamos somente do assunto. Ele era um encanto de generosidade e humanidade. Nunca o vi de mau humor nem prepotência. Estava sempre tentando desvendar os mistérios do Present Perfect para nós outros.

Trabalhei com sue filho Steve e com Célia, que viria a ser sua esposa, e ontem, na despedida, acho que uns 40 anos depois, uma emoção re-encontrá-los, saber das novidades, e juntos re-lembrarmos essa figura ímpar e importante para o ensino da Lingua inglesa nessa cidade. Hoje a Cultura tem tantas filiais, sempre como sinônimo de seriedade, competência, e eficiência. Meus filhos já estudaram lá, meus alunos hoje são professores da casa, e hoje cruzo com pessoas importantes que foram meus alunos lá atrás, na Diogo Velho, ou perto da Lagoa.

Quando fui a Londres pela primeira vez, num curso organizado pela Cultura Inglesa, foi Mr. Barlow e D. Nair, sua esposa e também professora, que foram buscar essa aluna matuta, que chegava eufórica no aeroporto de Heathrow. Com D. Nair, também estudei literatura inglesa, e foi com ela que desvendei os mistérios dos contos de James Joyce, “Araby” e “Eveline”, contos esses que, até hoje trabalho em sala com os alunos. E não tem uma vez sequer que, não me encante mais com essas pérolas do autor irlandês, como também não lembre da voz calma e assertiva de D. Nair, falando das riquezas das letras e engrenagens literárias. Por outra vezes, fui a sua casa e discutíamos receitas, pois nunca hei de esquecer um English Pudding que comi num de seus almoços oferecidos para turmas , colegas, ou alguma data especial. Hoje, D. Nair vive num outro mundo só seu, e com certeza não se deu conta da partida do nosso querido. Mas também não vou me esquecer da sua importância nas minhas escolhas profissionais e gosto pelo Inglês e sua literatura.

Nosso Departamento deve muito a figura desse professor que caminhava pelos corredores do CCHLA sempre de calça escura e camisas brancas, sorriso largo, um cumprimento carinhoso, e uma atenção educadíssima a quem quer que fosse. Pioneiro, incentivador e formador de um número considerável de profissionais que fizeram e fazem nosso departamento.

Como a vida é cíclica, há alguns anos, meu filho Daniel me trouxe um amigo, que quando o vi, tomei um susto, era igualzinho a Davidzinho (filho caçula de Mr. Barlow). Quando lhe pergunto o nome: Derek Barlow!! Pronto! A Cultura Inglesa invadia a minha praia! Com muito prazer, Derek!

E ano passado, enquanto passeava pela Trafalgar Square em Londres, eis que avistei David Barlow. Quando corri, ele sumiu numa esquina. E um Double-deck não me deixou correr atrás para lhe dizer Hello. Cena de filme ! mas que no momento, achei suspeito. Encontrar logo o pai de Derek no meio do caminho. E tão longe. São as coincidências da vida. As sincronicidades com o que nos importa. Flashes assim de vida, onde quer que ela aconteça.

Ontem, no anúncio da sua despedida, minha lista de whatsapp de infância das Lourdinas, todas tinham sido alunas de Mr. Barlow! E uma delas contou uma estorinha que aqui reproduzo: “Lembro de um fato bem engraçado que presenciei quando era aluna da Cultura. A babá de um dos Barlow, na calçada da Cultura e Mr. Barlow do outro lado da rua, vindo em direção ao filho. A babá, com forte sotaque sertanejo solta esta: “ Deivi, ô Deivi, lastá dédi!!”. Nunca esqueci esta cena!”

Nesse momento de despedidas, junto-me às inúmeras pessoas que agradecem ao Professor e ao Ser generoso extremado, e digo baixinho e tristemente: Good bye, Farewell, Meu Mestre, com carinho, Mr. Barlow. E até mais ver!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 3 de agosto de 2015


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