Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Hermano José


26/05/2015

Foto: autor desconhecido.

Pouco tempo atrás fui à uma exposição do artista plástico e crítico de arte, Hermano José, e me encantei. Fiz uma viagem pelas formas das suas gravuras, pelos tons pastéis das natureza-morta, pelos traços dos retratos dos familiares, dos anônimos e do seu próprio, da praia de Gramame, da Lagoa, da Av. Tabajaras e principalmente, pela pintura memorialista da ponta do Cabo Branco (quantas leituras lindas e quantas nuances desse recanto mais que oriental!). Custei a acreditar que, aqueles lugares bucólicos e belos eram o Parque Solon de Lucena e a Av. Tabajaras. Pensei em escrever algumas palavras, mas de imediato não vi como desfilar como crítica, que não sou. Mas domingo, quando fui lhe visitar na sua residência no Bessa, por entre o barroco das suas antiguidades, pelo dia ensolarado da praia, e pelo som dos gansos do seu quintal, aí foi decisivo. A cena do seu cotidiano foi por demais inspirador e me dei o ultimato: Escrevo!

Conheci Hermano José ainda na minha adolescência, lá pela Rua das Palmeiras, quando ainda o meu interesse maior era os beijos roubados no escuro do cinema. Não entendia muito porque Flávio Tavares (meu namorado na época e quem me apresentou Hermano), falava tanto da revolução das formas da gravura de Hermano, mas compreendia do Hermano Mestre, do seu pupilo Flávio. Eu, pessoalmente, sentia muita simpatia por aquele homem simples, com o rosto comprido, meio que uma figura saída diretamente dos quadros de Velásquez. Lembro que dava gargalhadas soltas com o seu humor perspicaz , até mesmo ferino, porém, sem perder a ternura jamais.

Adorava ouvi-lo. E uma boa conversa no ateliê de Flávio, valia muito mais que uma aula de História da Arte. Sem falar que aprendi à admirar Greta Garbo e Cecília Meireles, também por conta de sua paixão por essas divinas mulheres. Inconscientemente, soube puxar a sardinha para o lado do Cinema e da Literatura. Mas só anos depois vim entender a completude da importância de Hermano como homem, como artista, e como cidadão Pessoense e do mundo.

Toda visita que chegava por aqui, tínhamos que levar na praia de Gramame, e confesso que, embora gostasse muito dos passeios, e das companhias, talvez não soubesse dar os mergulhos necessários na beleza selvagem daquela praia. Tempos bons e de aprendizado sobre beleza, estética, textura, forma e natureza plástica.

Numa chamada Lua de Papel, passei um mês no Rio de Janeiro, hospedada no apartamento de Hermano, na Rua Correia Dutra – Catete, Rio de Janeiro, cuja vista foi pintada em um de seus quadros. Naquele espaço, entrei devagarzinho pela sua intimidade; conheci e admirei todos os seus quadros, objetos, antiguidades, hoje adormecidos na sua casa do Bessa, à espera de um Museu, que sinceramente, espero um dia ver inaugurado. Foi lá que, fui apresentada pelo menos nas obras de arte, e alguns pessoalmente, a artistas como Píndaro, Rubem Valentim, Volpi, Elza, Ana Letícia, sem falar de João Câmara e Samico, esses, mais próximos e mais conhecidos.

Lembro de uma varanda acolhedora e cheia de plantas, vasos e flores, que de uma certa forma me falavam também do Hermano Jardineiro e amante do verde, revelando talvez duas de suas maiores qualidades: a sensibilidade e a delicadeza.

Nos últimos anos, fui ao Rio para viagem de trabalho, e numa coincidência da vida e no encontro misterioso dos acasos, fiquei hospedada na Rua Correia Dutra novamente. E a cada vez que passava por aquelas calçadas, ficava a procurar o habitat carioca de Hermano que, após tantos anos, já não conseguia identificar. Mas, aquela rua, tinha sim, o timbre de Hermano, gravado feito tatuagem na memória.

Foi através de Hermano também que, conheci D. Elizabeth, uma Senhora culta e amante da cultura, que veio a ser uma querida embaixatriz das artes no Rio de Janeiro da década de 70, de pintores paraibanos, como Flávio e Miguel dos Santos. Uma vez, num jantar especial para mim, tão menina ainda, sentei numa mesa simples-chic e acolhedora, num certo chalé em Botafogo, para ouvir essas duas pessoas tão iluminadas pelo olhar artístico, a me presentear com trocas desse mundo para mim ainda longínquo, como se eu já fosse uma mulher feita. Nunca esqueci tal luxo. E daquele jantar, outros amigos vieram, assim como outros caminhos, decisivos na minha vida de adulta.

Quando Hermano foi construir sua atual casa do Bessa, participei de muitas reuniões junto com ele e o arquiteto pernambucano Amaral. Tudo era um folclore só: Hermano queria uma casa, que tivesse os arcos da Igreja São Francisco (uma de suas paixões), a vista da ponta do Cabo Branco, e um certo ar silvestre da praia de Gramame. Tarefa mais que árdua até para Burle Max, seu amigo pessoal.

Hoje somos mais distantes, pelas circunstâncias da vida, mas sempre que o vejo solitário no ponto do ônibus, ou caminhando pela cidade, com sua bolsa debaixo do braço, sua camisa social abotoada até à gola, seus passos desengonçados, sinto um carinho profundo, que como ele mesmo colocou na dedicatória do seu livro para mim, junto com a estima e o tempo, são bens que alimentam a esperança.

Em tempo: Na véspera do convite para participar desse livro, encontrei Hermano no café da Livraria Leitura – Shopping Manaira, hoje o seu lugar de passeio, e parabenizei-o pelos 90 anos de vida, pela saúde, energia e lucidez que tem, e com o seu humor ainda tão marcante, reclamou que não se faz mais cantoras como Aracy de Almeida e filosofou ainda sobre o tempo, o des-locamento e a arte. No dia seguinte, com o convite irrecusável, vi como a sincronicidade da vida faz parte também dos seus mistérios.

Hermano José: O homem que duas vezes não se faz!

OBS. (Essa crônica foi publicada no Blog do www.wscom.com.br, em Maio de 2004, e foi alterada com pequenas atualizações). E também no livro – A vida Luminosa de Hermano José, de Irismar Fernandes de Andrade, João Pessoa, Sesc Paraíba, 2013. Minha pequena homenagem a esse artista e homem sem medida. Luz!


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