Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Tia Fatinha: Uma Linda Mulher


07/01/2015

Foto: autor desconhecido.

Não , não é de Julia Roberts que estou a falar….Hoje estou aqui para falar também de beleza, de generosidade, de bondade, lindeza, sorriso, bem viver, amor . Para falar de vida. Pois é assim que essa minha tia querida se despediu. Com vida! Até o último instante.

Essa irmã caçula do meu pai ( a quem chamava de Meruca) era realmente uma mulher linda. Uma beleza completa. Dos pés à cabeça! E de dentro para fora. De batom vinho então….As pessoas se admiravam como uma mulher tão linda, podia ter um irmão tão feio (o meu pai!) e eu me revoltava logo logo. Achava a meu pai igualmente lindo, como todas as filhas.

Aos doze anos, fui ao seu casamento com Augusto. Lembro bem que menina ainda, fui comprar um vestido em Recife, e me fizeram um penteado de coque rodilha, que achei horrível, mas lá estava eu, a testemunhar um amor de vida inteira.

Tia Fatinha sabia francês e gostava de viajar. E em cada parada, uma bolsinha para Aninha. Aninha (eu) era a sobrinha exótica, estranha, viajante e que gostava dessas coisas. E lá vinha ela com regalos de alhures para o ciúme das outras. Me perdoem!

Um susto nos tomou conta. Tia Fatinha doente. Tudo rápido. Tudo sério. Não combinava com ela, aparentemente aquela porcelana de belezura. Nos surpreendeu a todos. Principalmente ao seu amado, que médico, e sabedor das falhas do corpo, sabia o desenrolar de tudo aquilo. Apressou-se em ir embora. Não aguentaria a despedida que fizemos esta semana.

Tia Fatinha foi se despedir do ano e da vida na casa de Rose, sua filha do cabelo vermelho, rodeada de amor por todos os cantos. E bebeu. E brindou. E jantou. E foi-se para sua morada no hospital. E lá….suspirou. Simples assim como o personagem do Chefe Old no filme de Arthur Penn Pequeno Grande Homem (1970), que na hora destinada, decide que seu tempo no mundo dos vivos havia se encerrado e decide fazer um ritual no alto da montanha para que sua alma descanse. Tia Fatinha foi lá…nesse lugar que chamam de céu. E no primeiro dia do ano. Como se dissesse: “Não quero mais continuar, nem iniciar ano algum. Chega!” Mas sem revolta, resignada, diria até que tranquila e feliz. Chegou sua hora e daquela forma que estava, não queria mais. No entanto, cada vez que lá fui vê-la, me impressionava seu humor, sua alegria, seu silêncio radiante, seu olhar de fúria de viver. Ávida pela vida – Arrebatadora!

Na nossa última visita, na véspera de ir-se, fui elogiar sua blusa cor-de-laranja-cor-do-sol. Imediatamente fez sinal para a enfermeira e pediu para nos dar a blusa. E se despiu. Despiu-se da vida! Aquele gesto me assustou. Não era a primeira vez que tirara a roupa do couro para me dar. Só que dessa vez tinha uma simbologia maior. Era como se dissesse: “não quero mais roupas, já estou com meu corpo celestial. Fique para você. Largo aqui os meus apegos e essa blusa me leva para junto de vocês”. Como se um pedaço de pano pudesse carregar sua alma vibrante.

Logo em seguida, após os fogos, brindes e o raiar do sol, recebermos a notícia de que Tia Fatinha havia ido embora. Sem lenço e sem documento. E sem sua blusa laranja. Já tinha o seu sol interior, e era tudo do que precisava.

Fica a nossa admiração, saudade e referência de coragem, amor, dedicação e principalmente leveza ao se despedir da vida.

A Guga, Rose, Nanda e Isabela- netos/as e demais familiares – quando tiver doendo muito, lembrem-se de que: tudo que importa nessa vida é o amor. E isso , vocês tiveram de sobra. E eles, também.

Adeus Tia Fatinha!

Com amor, da sua sobrinha-que-gostava-de-bolsas-viajantes

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 3 de janeiro de 2015


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