Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Viagens, Poetas & Suas Casas


10/12/2014

Foto: autor desconhecido.

Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio – com toda a sua empolgação e seus paradoxos – quanto o ato de viajar. (Alain de Botton – A arte de viajar)

Há alguns anos, tive contato com um livro que me fascinou. O lugar do Escritor, – Chiodetto. Cosac Naif, 2002. Um livro de arte, com fotos lindas, e as casas de escritores com suas ideias sobre casa, lar, moradia, e principalmente sobre o lugar onde escreviam e sobre o processo da escrita. Lembro de Adélia Prado que dizia: “Escrevo à mão, em cadernos, não importa em que lugar da casa. É o meu kit poesia. Sempre carrego o caderno para registrar um episódio, um acontecimento que tenha natureza poético-literária”

Recentemente, lendo A arte de Viajar, do filósofo suíço Alain de Botton, reflito sobre as expectativas e destinos de quem gosta de arrumar as malas e partir, a seguir o que os filósofos chamavam lindamente de, o “desabrochar humano”. Para alguns vem a pergunta: “Qual é a necessidade de se locomover quando uma pessoa pode viajar tão maravilhosamente sentada numa cadeira?” Para mim tem que ter frio na barriga, malas, aeroportos, chegadas e partidas! Nesse livro, o filósofo suíço da contemporaneidade passeia por exotismos, pelo campo e cidade, pelo sublime, pela arte, beleza, hábitos, e lugares como Caribe, Londres, Lake District, Amsterdã, Madri, Provença; e reflete sobre trens, aviões, postos de gasolina, dialogando com artistas como: Edward Hopper, Baudelaire, Flaubert, Wordsworth, Van Gogh, só para citar alguns.

E foi no capítulo sobre o Lake District e a casa de William Wordsworth, que me veio o assunto para esse texto. De Botton fala dessa região ao norte da Inglaterra, não sem antes mencionar sua partida da Estação de Euston, em Londres. Estação de onde também tomei muitos trens, inclusive esse.

Fui à região do Lake District em março de 1987. Deveria já ser primavera com seus prenúncios e daffodils. Mas nevava muito e os lagos e as montanhas, mais pareciam a Suiça, assim como o filósofo, com seus turistas fazendo trecking . A região que passei foi a do Lago de Windermere, e os lugarejos de Grasmere e Ambleside, sonhando em visitar uma certa casa em Dove Cottage; uma modesta casa de pedra, na aldeia de Grasmere, do poeta romântico inglês, William Wordsworth (1770-1850).

A região estava off temporada, e uns gatos pingados passeavam pelo frio gelado , por esse lugar onde Wordswoth ,“caminhava como um inseto – um daqueles que avançam em movimentos oblíquos”, isso por conta das suas pernas.” E foram nessas caminhadas que, segundo de Botton, Wordswoth encontrou inspiração para muitos de seus poemas, temas esses que declaravam como sendo os mais nobres para sua arte, e de onde bradava de forma original na história do pensamento ocidental, nossas necessidade de obter a felicidade, como também as origens de nossa infelicidade. Wordsworth foi muito criticado na época e acusado de pieguice e de “um absurdo pueril”, e até 1820 seu nome fora pisoteado. Só algum tempo depois se tornou o mais importante nome do romantismo Inglês, junto com Coleridge e as Lyrical Balads.Pois com frequência, quando no divã me deito/Com a mente vazia ou pensativa,/Eles brilham para o olhar interior (…) E então meu coração se enche de júbilo,/ E dança com os Narcisos.

Eu nas minhas andanças pelas montanhas, lagos e paisagens exuberantes, senti o que o de Botton falava como sendo o encanto da natureza que podia nos estimular a identificar o bem em nós mesmos. E hoje a lembrar de tudo, tenho o que Wordswoth chamou de “ponto de tempo”, que seria assim a arte de apreender uma paisagem e do enorme prazer que esse olhar possa nos dar pelo resto da vida, na extração da felicidade que uma imagem bela pode nos fazer feliz. Ou seja, a sobrevivência , na memória, de um belo testemunho nosso , diante da natureza. Até hoje sinto isso quando lembro da minha contemplação, pela primeira vez, à uma paisagem digna de calendário!! Assim como Wordsworth descreve sua viagem aos Alpes, eu também um dia, me deparei diante de um lago, dos Alpes, e toda a imensidão da beleza estranha e majestosa de uma montanha, inda mais para quem mora à beira do mar. O mesmo me ocorre diante do mar, de um coqueiro, e de uma lua cheia. Click!

A Montanha – à distância –
É Âmbar – um véu –
Perto – dispersa-se – a ânsia –
E Isto é – o Céu –

(Emily Dickinson)

Não tão longe dali, também conheci um dia a casa de um outro escritor inglês, Charles Dickens. Na época não tinha Great Expectations sobre ele. Mas David Copperfield veio sim, brincar nas minhas memórias. O lugar do poeta Galês, Dylan Thomas, esse fiquei a contemplar mais um pouco, em Swansea. Um terraço. Um tinteiro. E o reflexo do que poetizou. Também não era tão familiarizada com sua poesia, mas vi de perto a magia do seu espaço de criação, que só depois, no filme Amor Extremo,(The Edge of Love), Inglaterra, direção de John Maybury, fiquei mais familiarizada com a sua vida e obra.

Em Dublin, visitei o lugar de James Joyce. Hoje não mais uma casa, mas um Centro, e ver seu par de óculos redondos, me levou a percorrer e a wander around, os pubs de Temple Bar, assim também como o fez Leopold Bloom. E por entres brindes com Guinesses, saudar os Dublinenses!

Virginia Woolf, visitei seu busto na Praça – Tavistock Square, no coração de Bloomsbury, bairro esse que viria a ser símbolo do grupo de intelectuais a que pertencia. De escrita, transgressões, ideias, e todo um movimento estético que continuava ao que teria sido propagado por Beaudelaire na França e ao ato da boemia pelos cafés parisienses. E de poesias, cafés, e conversas entre artistas – isso também era uma revolução! A sua casa nessa praça fora bombardeada durante a 2a Guerra. Mas a praça está lá ! Verdejante e plácida. Com uma pequena homenagem e um canto todo dela. A casa de Carlyle, só em livro. E tantas outras das suas casas, também só representada no seu romance, Rumo ao Farol, na região da Cornoália – região que visitei, e pude apreciar gaivotas, paisagens e chás – Um Cream Tea, please!

Outra escritora inglesa, George Elliot, pousou em Tenby , uma cidadezinha à beira de um mar cinza, também no País de Gales. Vi seu nome numa portinha e janela, sob um vento cortante. Uma mulher à frente do seu tempo. Que enquanto olhava as batatas assando, cuidava do pai, se relacionava com um homem casado, e escrevia Middlemarch! Décadas antes, uma outra escritora inglesa, Jane Austen, fazia sua temporada numa das mais belas cidades inglesas, Bath; e o seu lugar, hoje um Centro Turistico, conta todas as razões e sensibilidades, orgulhos e preconceitos em forma de xícara, cartão ou algum registro dos Past Times. Mas de todos os “rooms of someone´s own” , a parada obrigatória seria em Stratford Upon Avon – a casa de Shakespeare. E silenciosamente, ouvindo os meus próprios passos subindo as escadas, com a coluna arqueada, e diante de todos os mistérios de um Ser ou não Ser…, sonhei, com uma noite de verão! E imaginei com quantas tragédias e comédias se faz uma vida.

Décadas antes, final dos anos 70´s, num inverno rigoroso nos Estados Unidos, passei pela região da Nova Inglaterra, cidadezinha de Amherst, arredores de Emily Dickinson. Mas, enclausurada à uma temperatura de 25 abaixo de zero, não pude descer para visitar-lhe. E eu, com casacos emprestados e numa noite em tempestade, e literalmente de ventos uivantes, não teria como recitar em voz alta, alguns dos seus mais de mil versos. Mas pensei alto: “Beleza – não tem causa – É –“ . E no silêncio gelado recitei baixinho: “Não sou ninguém! Quem é você?/ Ninguém – Também?/ Então somos um par?/ Não conte!/ podem espalhar!.”

Na Bahia, no Pelourinho e por entre acarajés, e pelo tabuleiro da baiana, fui visitar Jorge Amado. Sua casa. Seu museu. Sentir os cheiros de Gabriela. Em Natal, conheci o canto de Câmara Cascudo. Fiquei lá, na companhia de Dr. Arnaldo Tavares e família, a ouvir estórias sobre coco e cocada… Em João Pessoa, só conheço A Casa de José Américo, e sua secretária Lourdinha Luna (amiga de infância da minha mãe), através de quem, até hoje, ouço relatos e estórias do escritor. Também fui uma vez , ao engenho de José Lins do Rêgo, procurar o menino de engenho habitado em mim, por conta das minhas férias de menina em Pilar. Mas , uma vergonha da minha parte! Nunca fui ver o lugar de Augusto dos Anjos em Sapé, nem nunca sentei embaixo do seu pé de Tamarindo, para quem sabe desvendar os meus próprios Eus. Ao invés, tenho o meu próprio pé no meu jardim, onde os meus Eus se perdem, se acham, mas nunca vira poesia…É sempre assim, o que é de casa, deixamos sempre para depois. Espeto de ferro, espeto de pau!

Visitar a morada de um artista, acho que é buscar à sua poética do espaço. Um pouco dos vestígios ali vividos. É quase atravessar o tempo. E como dizia Bachelard: “Toda pessoa deveria então falar de suas estradas, de suas encruzilhadas, de seus bancos. Toda pessoa deveria fazer o cadastro de seus campos perdidos.” Ou ainda: “ Para quem sabe escutá-la, a casa do passado não é uma geometria dos ecos?”

E assim, de casa em casa, de paisagem em paisagem, fui visitando artistas, suas obras, suas memórias imaginando que: “quando a casa é feliz, a fumaça brinca delicadamente acima do telhado.”

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 9 de Dezembro, 2014


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