Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Ontem


09/09/2014

Foto: autor desconhecido.

 Para minha amiga Nadilza, que me inspirou a crônica!

 

Outro dia, vesti uma blusa bonita e uma amiga elogiou e disse: “Que linda! Você se incomoda de me emprestar? Vou fazer uma igual!” Fiquei com aquela frase martelando na cabeça por algum tempo. Primeiro por que há muito não escutava ninguém pedir uma roupa emprestado para tirar o molde…Depois por que numa época de competições, selfies, e outras exposições em busca da originalidade perdida, ouvir tamanha simplicidade da cópia genuína e espontânea, me chamou à atenção. Cópia Fiel! Para lembrar desse filme maravilhoso sobre cópias e afins. Outras perguntas me surgiram: “Onde você cortou o cabelo?; que cor é essa?”; e toda a nossa intromissão nas aparências alheias. Coisa de mulher. Brasileira, e de toda essa invasão de privacidade que temos. Nesse caso , boa, mas em alguns outros, por vezes constrangedor. Não foi o caso da minha amiga, pois temos intimidade para isso.

Pois que os tempos de ontem me povoaram a cabeça. Vestíamos roupas copiadas das primas, amigas, e revistas. Modelo, tecido e costureira. Mamãe sonhava em fazer nossa roupa com Elza, irmã de Branca, que tinha mãos de fadas para todas as rendas, bordados, e acabamentos de princesa. E como éramos quatro meninas, mamãe sonhava alto. Queria quatro!! Mas não dava para o bolso, e ela, como costurava muito bem, nos fazia os gostos.

Depois veio o tempo de comprar roupa pronta! Pronto! Aqui não tinha muito onde ir. Ou lugar algum. Íamos a Recife. E quando ia ao Rio, me esbaldava na N. S. Copacabana, no Cantão do Largo do Machado, e no Lixo (roupas de jeans rasgado). Para mamãe acompanhar foi dose! Dizíamos para o seu desespero: Quero um vestido que não franza…que fique troncho…(hoje = desestruturado!), uma blusa que caia; um decote que não fique bambo; uma roupa justa sem marcas; sem dobras…Talvez o que quiséssemos dizer era: “Queremos uma roupa sem a marca da roupa doméstica…Uma roupa profissional!!” Coitada de mamãe. Anos mais tarde, ao assistir ao filme As Horas , e ouvir o diálogo de Laura Brown sobre fazer um bolo profissional, lembrei dos entraves das nossas roupas caseiras. Manequim! Desfile! Cláudia! Marie Claire! E nós a querer uma roupa sem cópia.

Pedir uma roupa emprestado para copiar; uma xícara de açúcar para bater um bolo; ir no vizinho sem avisar; pegar no cabelo para sentir o cheiro , ou a seda…; ou ainda perguntar pelos outros ou todos os seus segredos de aparência de vida ou de pele, era algo que fazia parte do cotidiano e do nosso comportamento de todo dia.
Hoje, não mais. E se pudermos, boicotamos as informações, os truques, as ideias, pois afinal queremos ser únicos e intransferíveis, como se já não o fossemos! E enrolamos, enrolamos e não damos o caminho das Índias. Nem das pedras. E, Quanto a aparecer de repente , sem aviso, nem é mais de bom tom. Lá fora, se convida com meses de antecedência, e perguntar a cor do cabelo, jamais! Mas a minha amiga fique tranquila. A blusa está aqui, para qualquer copiadinha básica. A minha, comprei nas barracas dos mercados de Bath/Inglaterra. A sua? Diretamente de qualquer lugar, pois num mundo globalizado, tudo se copia!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 09 de setembro, 2014


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