Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Amor & Dor


26/08/2014

Foto: autor desconhecido.

Amor 

“Mora na filosofia, para que rimar amor e dor?”

Às vezes, quando chegava tarde em casa e sozinha, entrava no quarto na ponta dos pés para não fazer barulho e não acordá-lo. Ele ressonava. Ainda com o abajur aceso. Jogava a bolsa e a echarpe sobre a cadeira, tirava a maquiagem, um banho morno, creme com cheiro de rosas nas partes do corpo mais ressentidas, cotovelo, e vestia seu pijama de algodão. O quarto estava frio e silencioso. Gostava daquilo. O seu homem a dormir. Enfiava-se por baixo das cobertas e lhe abraçava de costas. Um leve ruído ressoava…e por vezes era o suficiente para explodir a chama do desejo. E se amavam por entre aquele estágio semi-dormindo, semi-sonhando. Outras vezes, o abraço era simplesmente um bálsamo da intimidade. Conforto. Sintonia nos sonos e sonhos. Sentia um doce prazer em pertencimento. Não à alguém. Mas à uma coisa. Acho que era amor, essa palavra de luxo.

E… Dor

Estava cansada de amanhecer sozinha. E anoitecer também. Os dias eram longos. As noites também. Muitas horas de pensar a vida sem compartilhar. Cansada de ter que fazer muitas listas, tantos encaminhamentos. Cansada do silêncio . Um silêncio doído. Sentia falta de tantos detalhes. Das risadas. Das ironias cortantes. Dos telefonemas fora de hora: Alora!!!!!! Das perguntas. Das respostas. Estava cansada de não ter com quem resenhar na hora do banho. Ou do fazer a barba. Sempre tinha um abraço matinal cheirando a loção, hidratante bom que deixava a pele lisinha e cheirosa. Cheiro de pós barba – tem coisa mais sexy? Estava cansada somente do seu cheiro de lima limão com gengibre. Cansava-se muito de ter tempo. Todo o tempo do mundo. Trocaria por alguns segundos. Atrás… Liberdade essa palavra tão rara na vida das mulheres. Era tudo muito. E o silêncio e a ausência brigando por entre tudo. Cansada de olhar para frente e ver vários caminhos. E se pegar a estrada não tão caminhante assim? E se a outra estrada for mais confortável? Ou mais divertida? Ou mais perigosa? Tinha uma mão e muitos sentimentos do mundo. E faltava-lhe tanto. Faltava ele. Naquela mesa do bar. Naquele canto da cama. Naquela conversa fiada. Na cara amarrada e tão devastadora ensimesmada quando queria e que cortava, aniquiladora. Suas pernas estavam dormentes. Não conseguiam racionalizar a dor. Não cabia. E quando estava muito cansada, simplesmente largava-se no sofá, com a cabeça sobre o braço, a janela aberta soprava um vento morno da tarde. E o tempo….já ia longe. Adormecia involuntariamente. Por vezes sonhava sonhos agoniantes. E despertava igualmente cansada. Tinha que harmonizar perda, saudade, hoje, ontem, dor, com força, entusiasmo, alegria e planos. Sim, tem-se que ter plano nessa vida, com cansaço e tudo. Para se poder acordar, e mesmo cansada da noite mal dormida, do abraço que não aconteceu, e do desejo que não vingou, há de se dormir e acordar todo dia. E acordava cansada de novo! E assim enfrentava o dia. E a noite. E o dia…

Cada um sabe a dor e a delícia de vida que se tem!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 23 de agosto, 2014


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.