Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

AUGUSTO


25/06/2014

Foto: autor desconhecido.

Não sei escrever sob encomenda. Até porque minhas crônicas tem uma ligação com o estalo do vivido, mas nem sempre. Mas como negar um pedido feito à beira de uma despedida? Foi assim sexta feira passada, quando me detinha em olhar um homenzarrão estirado inerte no seu último adeus, que sua sobrinha, Eulininha Almeida, me pegou as mãos e, em ar de súplica, me sussurrou: “Aí você tem um grande assunto para uma crônica!” E eu, confusa e atordoada , balancei a cabeça afirmativamente.

Mas, nos dias a seguir li crônicas belas sobre esse meu Tio Grande, Augusto de Almeida. Abelardo Jurema Filho e Kubitscheck Pinheiro escreveram tudo que eu queria. O significado do seu nome: imperador, que inspira respeito e proteção; o homem diferente; grande e terno,vozeirão, que gostava de música, de bichos, de gente, e de risadas. Médico, humanista, fundador do Hospital Samaritano, e pioneiro das cirurgias. Pronto! Fiquei sem assunto.

Já tinha escrito outro texto para hoje, mas acordei com gastura. Faltava essa pequena última homenagem a um homem que eu queria bem e admirava. Augusto.

Conheci-o inda menina, namorando minha Tia linda Fatinha. E fui ao casamento dos dois. Na igreja de N. S. do Carmo. Minha primeira festa importante. Como esquecer? Com aquele vestido de tafetá, e um coque anos 50, que findei achando horroroso, como tudo que uma pré-adolescente acha. Minha tia, bela, até hoje uma querida.
A sua casa era do tamanho dele. Um quarteirão! Para rimar com homenzarrão, coraçãozão, vozeirão….amava os bichos e a arte pelas coisas antigas. Sua casa tinha cotia e móveis de alguns séculos para trás. Tinha pinhas pelos muros e pés de frutas ao redor. Lembro que fui algumas vezes, buscar avencas para meu pequenino jardim. E outra mudas mais…E tocava sanfona. Ora ora! Hôme que toca sanfona, alguma coisa de divino tem!

Sua irreverência saltava aos borbulhões. Mais ainda, aos palavrões. Era um homem que gostava desses desatinos. Um desvio? Acho que é de quem é explosivo. Eu também sou e também gosto de palavrões. Engraçado gostar dessas palavras outsiders e mal vistas. Nosso primo Bibi também gostava. E lá em casa, meu pai dizia que eu tinha puxado a ele. Puxei a Augusto também, pelas veias tortas do parentesco do amor e da amizade e admiração. Puta merda, Augusto! Que susto, ao ler sobre você , logo numa mensagem de telefone! Fiquei cega, surda e muda. Em vertigem. Isso não se faz! Depois no entanto, vi que você se foi assim como era. Tomando banho, imerso no cotidianamente e na simplicidade da vida, de supetão, para nos deixar sem norte. Nem sul! Mas, Viva São João! E São Pedro, que você acabara de se despedir.

Era brincalhão como bem postou sua filha Rose no facebook. Um palhação! Amado por todos, basta que se ouvisse um homem caído em lágrimas, a se despedir do tio em palavras, como fez seu sobrinho, outro médico, o Dr. José Romero. Emocionou a todos.

O amor pela minha tia era de dar gosto aos amantes. Até hoje amava-a com paixão, como naquele dia naquela capela linda. Ela, de uma beleza ímpar, se emaranhava nos braços daquele homem másculo e grande, tão forte e tão amoroso , que o amor dos dois, chegava até aqui em casa….

Convidou-me para sua festa de aniversário há dois anos. E me disse: “Leve Juca. Gosto muito dele. De Graça!” Logo quando conheci Juca, ele me confidenciou: “Vê se aquieta o facho, pois esse homem é especial!”. Como se eu já não fosse quieta…, e quando da despedida de Juca, outra vez me confidenciou:” Owow minha bichinha, você ainda é tão jovem, e tão linda….tudo vai se ajeitar”. “Owow Augusto”, digo eu: “Não se ajeita assim! E agora então! Tá danado de ruim!”

O meu pai Romero dizia: “Tem duas pessoas adoráveis , mas que não prestam atenção em nada do que agente diz: Dr. Arnaldo Tavares e Augusto de Almeida”. E é verdade. Dr. Arnaldo querido, não estava interessado nas lamentações gratuitas alheias. Só as de verdade. Augusto igualzinho. Meu pai, mais circunspecto , se incomodava com isso. Não sabia lidar muito bem com esses aspectos da irreverência de cada um dos amigos queridos. Mas logo a seguir achava graça e contava as estórias em tom de galhofa.

Último Janeiro, foi a minha despedida. Por ocasião do aniversário da minha tia, cheguei lá de manhã cedo, em Camboinha, ele ainda de pijamas, “Entre entre querida, vá lá conversar com a bichinha (Tia Fatinha). E como você está? Vida para frente!” Foi me levar no portão, tão gentil e gentleman, tão doce e delicado, e foi ali, aos ventos da sua castanheira tão gigante quanto o dono, que abracei-o dizendo: tchau.

E last but not least, estou colecionando presentes de viagem. Augusto e Tia Fatinha rodearam o mundo. De navio , de avião, carroça e de pés… Europa, França e Bahia. E a cada flash, um presente para mim, para a loucura dos ciúmes das outras sobrinhas e tias. Assim de graça, eles lembravam da sobrinha viajante. Começou com o Peru e MachuPiccu, por conta de um texto que escrevi. E o presente era quase sempre o mesmo: uma bolsinha exótica. Minha tia falava que, não podia ver um mercado, que não concretizasse minha lembrança. E , como agradeço. A cada vez que pendurar uma bolsa linda, levarei você Augusto, para passear comigo pela Lagoa, no shopping, ou ainda para ver a lua.

Que você siga feliz. Levando os ares de Guarabira, Camboinha e dos Boi Só, com você vida afora.
E com as palavras soltas ao vento, me despeço. Que você continue criança. Palhaço. Levando o seu riso e tanta alegria para os anjos , que devem de estar em festa, com sanfona, bichos e piadas picantes, para lhe dizer Benvindo!

Meu abraço especial para minha tia querida Fatinha, e meus primos: Guga, Rose, Nanda e Bebela.

Com saudade,

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 25 de junho, 2014


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