Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

…E Assim Se Passou Um Ano, Juca


03/06/2014

Foto: autor desconhecido.

 O acordar é o mais difícil. Olhar para o lado e não ver você dormindo profundamente todos os dias pelos últimos 24 anos. Um susto se instala. E confesso que é difícil tomar o real de volta. A morte é uma abstração. E no entanto, o que temos de mais concreto nessa vida. Mas entre a Idea abstrata de que alguém querido evaporou subitamente, e a constatação de que o vazio preenche essa abstração, uma surrealidade se instala. E no caso de quem é cremado, nem um espaço terrestre temos para chorar as lágrimas e fazer contato com o mundo sutil. Só e somente só uma paisagem. O mar. Tantomar!

Um ano se passou Juca. E continuo mais incrédula que aquela quinta feira de Corpus Christi ano passado, quando tudo começou. E rápido rápido tudo terminou. Ou melhor, os dias mais longos das nossas vidas. Entre o seu cérebro que explodia e o seu coração que continuava a bater, se despedindo devagarzinho desse mundão terreno e cruel, como você dizia.

Olha, não quero ser triste, mas não tem como não me invadir de tristeza sem fim, por não termos mais você aqui. Todos continuam sem acreditar. Você realmente partiu antes do tempo, Juca. Apesar de termos vivido tantos anos, foram poucos os anos na maturidade. Anos que celebrávamos de amor intenso, mas sem tantos arroubos incontroláveis dos nossos temperamentos fortes. Tudo parecia mais sereno. E olha, se eu não fosse uma mulher independente, e se não tivéssemos a dinâmica (que a vida toda reclamei), de vidas muito diversas e diferentes, acho que teria enlouquecido. Fiquei a imaginar, com muita compaixão, a vida das viúvas. Principalmente aquelas que vivem a vida dos maridos. Ou aquelas outras que tem relações simbióticas com seus pares. Eu não resistiria…

O mundo explodiu nesse ano: os jovens tomaram às ruas, você ainda chegou a ver algum movimento pela TV, lembra?; o PT continua confuso (você estaria ainda mais preocupado ); o mundo se revolta em mudanças; a Copa do Mundo está aí controversa; Daniel graduou-se em Jornalismo e ganhou os mundos. Ele tem o seu temperamento Juca, sabe levar a vida e se virar no mundão. Ama você loucamente, e fala de você com toda a ternura que só você tinha.

Lucas tão companheiro! E tem amor de filho também, mesmo tendo o seu próprio pai presente e querido. E construiu uma fonte linda no jardim, com peixinhos e tudo. E tem seu nome: Fonte Julio Rafael! sua mãe continua num mundo alheio e só dela; seus irmãos quando se reúnem, adivinhe o assunto?; nossa casa tentando a rotina de cada dia, mas uma rotina solitária e perdida, ainda aprendendo a nova dinâmica; e nosso quarto literalmente chora toda noite. Nossa “camona” vazia; e a saudade da sua presença física não se mede. Amor que não se mede! Ouço você, sinto você, converso com você, e chamo por você. Inutilmente. Mas, ao mesmo tempo, dizem que sou corajosa e forte. Devo de ser mesmo. Pois sinto um apaziguamento dentro de mim, que só pode ser coisa do instinto de sobrevivência ou dos mistérios do sagrado. Lembro de quando meu pai se foi, tive todos os males. Adoeci junto e quase morro junto. Dessa vez, entrei em choque, virei poste, chorei, cantei, caminhei e até viajei. Tudo e todo o instinto de proteção que um ser humano tem. Sem rede. Mar adentro!

Agradeço a você ter me proporcionado um sonho, com um ano de atraso e sem você. Viajamos para a Itália e Inglaterra/Gales, como queria. Deu tudo certo . com todas as fotos postadas no face, e uma legião de viajantes do lado…Lembramos de você a cada vinho, a cada lugar, a cada sorvete, e principalmente no caos de Roma, e seu mais que querido, Norberto Bobbio. A bisteca Fiorentina – à sua cara. Como não sou adepta das carnes. Fiquei nos pestos e pomodoros.

A minha saudade de você também é uma saudade coletiva da cidade, dos amigos, e famílias. Você não imagina o quão querido tu eras. Todos ficaram um pouco órfãos. Linhares e Vaneide que o digam. E quando olho para seu Paletó risca de giz, lembro do cartão da obra de Joseph Beuys que trouxe agora para kubitscheck. Acho que também vou transformá-lo numa obra de arte copiada, e pendurá-lo em lugar de destaque. Quem sabe do lado da minha saia cinzenta!

E nesse tempo que passou rugindo e rasgando os dias, muitas homenagens você teve: auditório com seu nome, praça, troféu, discurso, lágrimas, abraços, vivas, lembranças com afeto, e com açúcar, reuniões, títulos, etc…que você teria até se aborrecido de ver. Arredio como eras…achava tudo uma bobagem, quando se tratava de deferências e citações.

Outro dia, arrumando meu guarda roupa, fui re-ler minha caixa com suas cartas de amor. Cartas para Fernando Pessoa nenhum botar defeito. E nem ridículas eram… Ah! Juca muiutas saudades, mas também a felicidade de ter nos amado tanto. Ver isso escrito, de novo; sua felicidade em me re-encontrar; sua decisão instantânea em querer-me junto a vida toda, me fez uma mulher feliz e realizada.

Também achei meus bilhetes de pautas e argumentações nas DRs… Os dois lados de uma relação de amor, humana, demasiadamente humana. Com todos os excessos possíveis. Tudo muito. Tudo demais! E foi esse desvario urgente que nos deixávamos cada vez mais enamorados e com desejos ardentes por tantos anos, quando nessa fase, os casais já estão acomodados na mesmice. Nós não!

Abraços, beijos, e a força do desejo. Um bonde des-encarrilhado….

No próximo dia 5 de junho, dia em que virou uma estrela, estarei em Campina Grande para lhe reverenciar à memória, numa homenagem especial da Abase – Sebrae. Cada modelo de empreendedorismo que vejo de sucesso, lembro do seu espanto em me contar das experiências felizes que teve à frente do Sebrae, tempo esse que proporcionou uma vida mais feliz, mais reconhecida, e com mais tempo e conforto para suas ideias e vida pessoal. Mas era a política que lhe movia e isso não lhe bastava, e aperreado me perguntava: “O que vou fazer da vida, D. Ana?” Taí, a sua angústia se justificava, você não teria muito tempo de vida Juca. E ah! Se soubéssemos! Mas uma coisa me conforta. Foi tudo insuportavelmente à nossa revelia, tempos inexoráveis. E saber-se com a cota maior, nos dá um gosto de ter vivido um grande amor, e grandes dias.

Luz, muita luz!
Muitas saudades, e todo meu amor
Ana

(próximo dia 5 de junho, um ano da sua partida, e aqui registro minha pequenina reverência à saudade de você de todos os dias)

Ana Adelaide , João Pessoa, 03 de junho, 2014


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