Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Todo Dia Todo Dia


20/11/2013

Foto: autor desconhecido.

 Para Juca, que no dia 26 de novembro faria 59 anos de vida intensa, plena, questionadora, atribulada e feliz.

Todo dia ela faz tudo sempre igual: acorda, olha do lado, se espanta, se assusta, se entristece, vê que é tudo real, que não foi tudo apenas um sonho, nem que mora na Revolutionary Road, não terá bom dia, nem beijos, nem o abraço matinal. Tem que se levantar, lavar o rosto, olhar no espelho, no vazio, lembrar de tudo, esquecer tudo, tomar um banho (gelado – que detesta), passar batom, e brindar à vida, esse dom supremo, que ainda tem, que principalmente tem. Sem gosto de hortelã, é bem verdade, mas também não quer o gosto amargo do fel dos sentimentos esquisitos.

Todo dia ela faz tudo sempre igual: Acorda, olha para o lado, maldiz a vida, maldiz a cama. Aterriza, sente o peso do corpo, a leveza da ausência. Sente. O silêncio da noite. O travesseiro que dorme. Os passos que não chegam nunca. Não não é um sonho.Ai Ai! Um suspiro de Becket – Fim de Jogo ou simplesmente – gemido produzido por estar vivo quando sobra felicidade ou tristeza do lado de dentro dele….

Ao contrário da música de Chico, não tem o gosto ardente na boca. Nem de mel. Não tem gosto de nada. Todo dia ela faz tudo sempre igual. Mas diferente. Transita. Habita. Vai e vem. Entra e sai. Olha pro céu meu amor. Mas nem sempre ele está lindo. A vida segue. O cachorro late. Os sons? Continuam todos ao seu redor. O verão chegou. O mar azul. Deep blue!

A rotina que segue. Ah! A rotina. O cotidiano tododiatodo. Adélia Prado. O sagrado que se instala, sim! Porque tem que se rezar alguma hora. Pedir, blasfemar , silenciar. O sofá. Um porto seguro. Um quarto que não é o 19. Doris Lessing também se foi. Summer before the dark! Novembro que chega, o mês do Sagitário. Do bicho que vira homem. Ou os dois. Sente falta do animal e do homem. Do ser pensante para discutir os sons e as fúrias do país. Ou simplesmente ficarem ensimesmados nas caladas da noite.

Achou um discurso de posse. E ficou tão emocionada com o que você falou para “dentro do portão”. Também achou uma gaveta cheinha de cartas, cartões seus. Não sabia que tinha escrito tanto. Tanto Mar tanto mar! Se fosse artista de verdade, faria uma exposição como a de Sophie Calle. Amor aos pedaços! Com Morango e Chocolate! E o livro Paixões – amores e desamores que mudaram a história, Rosa Montero. Dedicatória: “Neste livro falta uma história/ A história de uma grande grande paixão…(Impublicável!). Ela canta Caetano: Chorei chorei chorei. Sorri Sorri Sorri. Brincavam. Brigavam tanto! Amavam tanto. Tudo tanto – Tulipa Ruiz.

Encontrou sua última crônica antes de tudo. Sabe o assunto? Amor – o filme. Que saíram despedaçados. Silenciosos. Em choque , com a velhice, o cotidiano daquele casal. Um homem e uma mulher. Jean Louis Trintignant já não era o mesmo. Nem eles. Parecia um dejá vû. Parecia.Um foreshadow! Gosta das palavras em Inglês também: glimpse, longing, lingering, lingered inside, shadow, look back, wood, Woolf, lanterns, cotton, purple, hours, landscape, passion fruit, satisfaction! E em português: saudade, suspiro, sempre, perambular,olhai os lírios do campo, cinema, sonho, oceano, sofá, paixão, beijo, beijo, pastel de nata!

Cansado da vida, velhice chegando – ninguém me ama, ninguém me quer! Suas serenatas ao chuveiro!! Altemar Dutra – cabaré! Não, ela era Alegria Alegria Caetaneando e Almodovariana. Tensa, densa e intensa – lembra???
Brigar com as cinzas? Vê se pode! Tantos desalentos. O que fazer quando não se tem mais o objeto de desejo, de raiva, de querência, de bem me quer, mal me quer? Somente as palavras ao vento – Socorro, Adriana Falcão! Ela é a Doida da Garrafa! É somente gemido – “quando nenhuma palavra se encaixa com o que a pessoa tinha que dizer naquela hora”….ou Agonia – “quando o maestro que rege a gente se perde completamente.”

Sim, ela sabe. Tem amanhã – “Dia de realizar os sonhos pendentes”. Mas se perdeu. Dos sonhos, do cotidiano, o que era mesmo? Pensou em arrependimento: “Inútil vontade de pedir ao tempo para voltar atrás”. Somente um pouquinho. E prometeu que: não iria mais perder tempo. Arengando, discutindo o mundo, falando em filosofias do cotidiano. Não. Ficaria muda. Só dando beijos e fazendo sexo – “ou quando o beijo é maior do que a a boca…..”, e olhando no infinito. Plasmando o tempo. Tempo tempo .

Agora, só é Abandono: “Quando uma jangada parte e você fica”. Sim, ela ficou. E agora está que nem A Mulher do Tenente Francês. Longing to the sea! Ou desembaraçando os cabelos na floresta. Queria ser uma bruxa , mesmo que não fosse de Avalon, mesmo que não fosse a Madame Min, para dizer, Abracadabra – “ótima saída para quem está com preguiça de escrever a palavra toda.” De organizar a própria vida. De re-tomar as rédeas.

Sim, também sabe que está na maturidade, beirando outras idades….ou “Quando o enredo da pessoa se depara com sua trama central”. Mas uma certa melancolia se instala dentro de dela. Ou “Uma valsa triste que toca dentro da gente de repente”.

Um furacão que nem o das Filipinas passou no seu quintal. E agora,estão procurando nosso Oásis – “Tudo que é marquise em meio a qualquer temporal”. Mas tudo é amplo demais, barulhento demais, rápido demais. Só lhe resta uma lágrima: “ sumo que sai pelos olhos quando se espreme um coração.” Tudo isso nas madrugadas solitárias, que é “quando vivem os sonhos.” Ou ainda quando lhe transbordam às suas safadezas (deliciosas): De noite, na cama, manhã cedo,/na cozinha, depois do almoço, na rede,/ de tarde, lentamente, à tardinha, / na beira da praia….” Só mesmo esse Dicionário de Palavras ao Vento, para definir tão bem todos esses deleites…

De súbito!: “De repente” de poeta…. Um Suspiro: “Gemido produzido por ser vivo quando sobra felicidade ou tristeza do lado de dentro dele.” E é tudo tanto tanto tanto…como : “Um muito que até ficou tonto.” E como Esse bichinho alumiado e tonto, e que vagueia cambaleante como um vaga-lume: “bichinho cuja alminha acende ou cuja luzinha tem alma…”, ela se despede,

Adeus: “O tipo de tchau mais triste que existe”

(Referências: Pequeno Dicionário de palavras ao Vento, de Adriana Falcão)

Ana Adelaide Peixoto, João Pessoa – 26 de novembro 2013


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