Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Parir


16/10/2013

Foto: autor desconhecido.

 Para Daniel , meu outro filho aniversariante de Setembro

Assisti recentemente ao documentário O Renascimento do Parto, e claro, como qualquer mulher que, já quis filhos , teve-os, pariu-os ou não, se identificou e sentiu contrações..

O Filme de Eduardo Chauvet e Érica de Paula denuncia os mitos que sustentam a prática excessiva de cesarianas e outras intervenções durante o parto que não têm sustentação científica. Levanta questões sobre a eficácia da cesariana, critica os números dessa cirurgia no Brasil e lança o desafio de abandonar o ranço cultural de que a cesariana é um parto mais controlado, menos arriscado e que não traz nenhum risco ao bebê. Quando mal indicada, coloca a mulher e o bebê em risco três vezes mais do que se fosse um parto normal.

O filme fala pois dessa experiência catártica e singular que é botar alguém no mundo, mas também levando em consideração: a crescente preferência das mulheres e dos médicos pela cesariana, a frieza e assepsia do poder médico frente a um estado natural ; a correria e impessoalidade frente à essa experiência que exige tempo e cuidados e afetos individuais; com mais tantos outros detalhes imprescindíveis para que alguém nasça feliz e sem grandes traumas pré ou pós parto, esse gesto que existe desde que o mundo é mundo mas que, nem os homens, o poder médico, nem tão poucos as mulheres, tem mais a disponibilidade física, psíquica ou simbólica que o parir existe. Com algumas poucas exceções. Gisele Bundchen, uma mulher que sabe das coisas e como viver, optou por ter filhos naturalmente. Teca , minha irmã também. Parto humanizado, em casa, à luz natural, silêncios interiores, e ouvindo o corpo falando e se contraindo.

O filme também explora o retorno ao estado primitivo da mulher que gesta e tem um prazer simbólico em parir. E vê todo esse processo, como algo natural, imanente da gravidez. E lá vamos nós, aventurarmos nessa experiência orgânica, instintiva, selvagem, e por vezes violenta, do parir. Mas no filme temos o diálogo com profissionais de excelência, sociólogo, pediatra, estudiosas, que nos alertam para o fato das cesarianas em excesso no Brasil, sistemas de saúde precários, e do dis-locamento da mulher parindo , num mundo da pressa, do imediatismo, que não mais cabe, tempo, afago, ritmo e respeito à chamada Boa Hora.

Apesar do alarmante índice de 52% de cesarianas praticadas no país – a Organização Mundial de Saúde recomenda o índice de 15% – o documentário mais do que mexer nas feridas desse número que incomoda o próprio Ministério da Saúde levanta a bandeira do parto humanizado, expressão que independe da via de parto e que é usada no sentido de devolver à mulher o papel de protagonista do ato de parir. "Defendemos que as intervenções sejam realizadas apenas quando necessárias e que todas as escolhas da mulher sejam respeitadas", afirma Érica que assina roteiro e produção do longa-metragem.

O filme mostra de forma tão contundente a transformação violenta da história do nascimento, que de um evento familiar entre mulheres se tornou um evento hospitalar nos últimos 50 anos. “As mulheres perderam o poder do nascimento e entregaram aos médicos. Elas acabaram se conformando a padrões rígidos estabelecidos pelo sistema médico de que têm que parir em determinado número de horas e que têm que se comportar de uma determinada forma padronizada”, corrobora o médico-obstetra Ricardo Jones, um dos vários especialistas entrevistados no longa-metragem.

O desafio lançado à sociedade brasileira é abandonar o ranço cultural de que a cesariana é um parto mais controlado, menos arriscado e que não traz nenhum risco ao bebê. É exatamente o contrário: ela é uma cirurgia, desnecessária na grandíssima maioria dos casos, com todos os riscos que a palavra carrega consigo.
Sempre fico muito emocionada quando vejo cenas de parto. Inda mais quando ouço estórias de mulheres, seja sobre o trabalho, a vida, a opressão, as escolhas ou momentos felizes. Não iria ser diferente com o parto. E, Apesar do turbilhão de informação que culmina com a falta de evidências genuínas, científicas ou médicas para os métodos obstétricos e pediátricos adotados nos hospitais do Brasil, são os depoimentos de mulheres que viveram experiências traumáticas ou daquelas que pariram da forma como desejaram que faz o filme ter grandes chances de tocar até aqueles que têm sedimentada a convicção na cesariana.

"O mundo hoje está predisposto a botar a mulher dentro de uma sala para fazer cesariana. Isso eu já entendi que é fato" , diz o ator global Márcio Garcia, numa linda participação do filme, junto com sua mulher Andrea. E claro, com essa informação passada por décadas, a própria mulher já não se sente autorizada para querer um parto normal. Os médicos lhe dizem desde os primeiros sintomas: é difícil, leva tempo, dói, o bebê tá laçado, é perigoso….então, como querer algo se você é informado do contrário?

Entre os depoimentos contundentes, está o do médico e pesquisador Michel Odent. Referência internacional na área, ele contextualiza a discussão sobre a “epidemia” de cesarianas a um sentimento que é caro a todas as pessoas, o amor: “Até recentemente, o amor era um tema para os poetas, filósofos e romancistas. Mas hoje é estudado por cientistas.

Já que vi o filme no mês de Setembro, não tive como não voltar ao tempo do nascimento dos meus filhos, Lucas e Daniel, dois filhos nascidos no mês da primavera, metaforicamente desabrochando meu lado mãe e mulher perplexa diante desse mistério.

Vendo o filme, com esse resgate do parto em casa, parteiras, as Doulas (profissionais que se especializam em amenizar com afeto e assistência na boa hora), entendi todas as minhas dificuldades nos meus próprios partos. Também queria partos humanizados, silenciosos e normais. Mas,:comi muitos doces, engordava pouco, os bebês cresciam muito – Lucas 3,9 k e Daniel 4,250, Pouca maestria, HU lotado de estudantes, ignorância da minha parte (apesar de lido tudo, feito todas as respirações da Yoga, e me preparado tanto), mas me entreguei pouco ao mistério da natureza. E confesso que tive medo. Na minha experiência de primeira viagem, quando o médico disse, aos meus 7 centímetros de dilatação: A hora chegou! Dei um nó nas entranhas, e o processo parou. Tive que fazer parto induzido e forceps….tendo um parto difícil, horas a fio, contrações nas costas (insuportáveis), muita gente, muito barulho e pouco silêncio e acarinhamento, para que eu tivesse assim a segurança e a entrega necessárias a esse processo de por alguém no mundo. Lucas sofreu e eu também.

Pensei que nunca teria um segundo filho. Mas a natureza é sábia. E depois de oito anos, lá estava eu de biquine novamente empinando meu barrigão. Até hoje acho mulher grávida linda e sexy. E no meu caso, até minha libido e sexualidade, ficavam a mil. Acreditem! Era uma grávida virada no desejo! E esse desejo transcendia tudo. Era o desejo de ser mãe, que antes sempre fora esmaecido. Nunca fui dessas mulheres que colocavam a maternidade como uma prioridade. Para mim nunca foi. Mas uma vez buchuda….me arvorava de felicidade e preparação. Ginástica, bem estar, beleza, e satisfação.

E eis que Daniel chegou. Parto difícil igualmente, mas pude manter o controle e o poder de conduzir meu parto. Ele nasceu laçado, e muito grande. Um meninão! Disseram! E as contrações, já foram na frente, deixando minha lombar em paz. Tudo melhorou. E a preparação foi a mesma. Mas, inadvertidamente, não deixei as sobremesas de lado. Tive calma, me balancei na rede, dirigi até as últimas, respirei, e pronto. Na TV daquele domingo de toques e dores, Airton Senna corria e ou via aquele hino da Fórmula Um. Na sala de parto, as enfermeiras não sintonizavam comigo e conversavam amenidades. Aquilo me irritava. E no filme, vi o por quê! A hora do parto tem que ser uma hora de silêncio e comunhão. Todos em volta devem parir também. E respirar junto. Não pode ser algo fragmentado, onde só a mulher escuta: Força! A força tem que ser coletiva, íntima, transferida numa só voz de um corpo que geme, pulsa e expulsa.

Ver esse filme me fez voltar o tempo do nascimento dos meus filhos. E já que vivemos um luto pessoal e íntimo, falar de nascimento é falar de vida. É buscar alento no horizonte, no cotidiano, e nas lembranças do tempo.
“O Renascimento do Parto”, me fez parir novamente, literalmente. Parir filhos, memória, dor, celebração, amor, e uma maternidade que vivi e vivo sempre, com prazer, muitos sustos, e muita informação, para ter a consciência do que me foi imposto, regado, exigido, ou também o que me foi descoberto, vivenciado e amado.

Trago no corpo minhas episiotomias próprias; minhas marcas de cortes, flacidez e volumes extras, que a toda hora me falam de que, como tantas mulheres, também vivi essa experiência única da gravidez e parto. Trago comigo essas marcas na barriga e na respiração. Na vida, pois.
(fontes: Internet)

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 20 de setembro, 2013


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