Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

As Mulheres, A Guerra & A Hora Mais Escura


05/03/2013

Foto: autor desconhecido.

 
Clarissa tinha então uma teoria – tinham ambos montões de teorias, sempre teorias, como todos os jovens as têm. (Virginia Woolf)

A escritora,ensaísta, e pensadora inglesa Virginia Woolf viu a guerra de perto. Viveu no início do século XX e perdeu seu irmão em uma das guerras mundiais. Perda essa que, depois serviu de referência para criar seu personagem Septimus, em seu romance Mrs. Dalloway. Mas não só.

Em seu Ensaio “Three Guineas”, Virginia Woolf procurou responder como se podia evitar a guerra. E ela responde ironicamente que, com três simbólicas moedas a diferentes causas: No primeiro Guinea – ela discute sobre a construção de faculdades para mulheres, e pensa sobre a discrepância de tempo, pois enquanto os homens são educados há 600 anos, as mulheres só há 60 tiveram acesso ao conhecimento. No segundo Guinea, Woolf pensa sobre as profissões para mulheres, e finalmente no terceiro Guinea, ela faz considerações sobre o combate ao Facismo.

Woolf, já há um século atrás, acreditava que as questões postas no seu texto: a educação, a independência feminina e questões políticas, tudo se conectava , e que a consequência seria o ingresso das mulheres no mundo público, levando-as naturalmente a participarem das questões políticas. Woolf reclamava que, o mundo dizia às mulheres que elas não tinham nada o que dizer sobre política. Fico a me perguntar o que esse mundo diria hoje, vendo uma mulher à frente dos espaços mais poderosos, tais como o FMI , o Governo da Alemanha e do Brasil. Contrariamente a esses postos, nos ambientes familiares, ainda é possível de se ver, de um lado, as rodas dos homens a falarem de política, e do outro, a das mulheres, tricotando assuntos domésticos.

Para Woolf, era instigante se perguntar porque o homem devota o seu tempo e energia à guerra. E respondia que: pela glória e necessidade ou satisfação, uma vez que a guerra, era uma profissão, uma fonte de felicidade e excitação, e também uma válvula de escape para as atividades masculinas.

E foi além, quando se perguntou: De que modo as mulheres poderiam prevenir a guerra? Com mais educação, participação efetiva nas decisões globais, mas aí, ponderava Woolf, uma outra armadilha se criava: Se as mulheres tivessem a mesma educação destinada à uma sociedade patriarcal, não estariam as mulheres destinadas a defenderem a guerra também?

Ainda no terceiro Guinea, Woolf fala que as mulheres tem pouco a agradecer ao país, no caso a Inglaterra, e se antecipa às teorias pós-coloniais quando brada: “As a woman I have no country. As a woman my country is the whole world”, propondo uma revisão histórica e cultural, se opondo ao discurso nacionalista e sugerindo uma visão de mundo que nos liberte do desejo de posse e dominação sobre o outro, criando assim uma política pacifista bastante revolucionária.

Os Three Guineas se constituem assim num modelo de mobilização feminina a fim de desestruturar hierarquia que governam e dominam nossas vidas.

E pensando nos Guineas e na prevenção da guerra do texto de Woolf, como não fazer referência à uma outra pensadora, a brasileira Rose Marie Muraro, e o seu texto “Por uma Nova ordem simbólica”, quando ela fala de “como as mulheres estão entrando nos sistemas simbólicos masculinos; ajudando a desconstruir a ordem universal de poder, uma vez que esses mesmos homens tem-se mostrado implacavelmente destrutivos em relação à vida. E que, a tarefa monumental que os movimentos de mulheres e as mulheres tem hoje é a de construir uma nova ordem simbólica não mais centrada sobre o falo (o poder, o matar ou morrer), mas uma nova ordem que possa permear desde o inconsciente individual até os sistemas macroeconômicos, agora, numa nova ordem estruturada sobre a vida.”

A Professora Glória Rabay (UFPB), estudiosa das relações de gênero e mais ainda da mulher x política, me falou de filmes que de uma certa forma reitera a ideia de que as mulheres talvez, poderiam evitar a guerra. Ou pelo menos trabalham para isso. Filmes como? “Reze para mandar o diabo de volta para o inferno” e” E Agora onde vamos”, um deles, falando de um lugar onde as mulheres, quando sabem de uma guerra no país vizinho, quebram todas as TVs para que os homens não assistam às notícias, e assim, não se inflamem a pegar em armas. Mas, como uma faísca que incandesce, terminam sabendo das notícias bélicas e a guerra estoura.

Num outro filme, do paraibano Bertrand Lira – A Poeira dos pequenos Segredos, adaptação do conto de Geraldo Barreto, também temos uma mulher confinada em sua solidão doméstica e excluída do mundo exterior, mas que com sua curiosidade e revolta, declara guerra ao marido quando grita por sua independência, toma as rédeas do cavalo of her own e parte para conhecer os mistérios do mundo.

A maioria das minhas amigas não gostam de filmes de guerra. E eu adoro! Ainda mais se tiver história de amor no meio. “Platoon”, “A Escolha de Sofia”, “As Pontes do Rio Kwai”, “A lista de Schlinder”, “O Pianista”, “Gritos de Silêncio”, “Além da Linha Vermelha”, “Apocalipse Now”, “Bastardos Inglórios”, e tantas outras estórias desse mundo inexplicável e horrendo da guerra. Claro que na ficção , pois na vida de verdade seria uma desertora. Acho a guerra algo inenarrável e inimaginável. Mas na ficção, os uniformes, a força viril, a espreita, as bombas, as emboscadas, e até mesmo as mortes, me fascinam. Fico com receio de estar diante de uma ambiguidade e contradição frente às ideias de Woolf…

Mais recentemente vi as notícias de que os Estados Unidos já admitem as mulheres na linha de Front, e qual minha surpresa, a fila está grande. As mulheres querendo ir para um lugar antes lhe negado, graças à la vida, para que ficassem resguardadas das complexidades e estranhezas do mundo dos homens. Talvez para corroborar a frase da personagem Sally Seton de Mrs. Dalloway quando ironicamente critica os papéis ditos femininos x masculinos, quando diz: “Nós povoamos o mundo, eles (os homens) o civilizaram!”???

E last but not least….,a diretora Katheryn Binglow vencedora do Oscar de melhor direção por Guerra ao Terror, e agora, com seu mais novo filme: A Hora Mais Escura, não só se atreve a contar a estória sobre a captura do maior inimigo contemporâneo de guerra: Bin Laden, como também a sua protagonista é uma mulher linda, magra, elegante, ruiva, silenciosa e enigmática, capaz de enfrentar horas de tortura, de poeira, de silêncio e perigo. Parece que Maya, a capitã da caça, a cada vez se torna mais sedenta pela captura – riscando de batom? na porta dos colegas, os dias que se passam sem que o projeto caminhe, e, é quem chefia com sucesso, a morte do maior terrorista dos nossos tempos. Mas não só. A diretora expõe para o mundo, os horrores e as contradições do seu povo, o americano, as torturas inaceitáveis, e as regras outras do jogo dessa realidade da guerra, ou seja, do matar ou morrer! E essa personagem, parece tão atroz quanto todos os guerreiros da vida, desde os tempos das cavernas.

Talvez o nosso lado andrógino , para retornar assim outro conceito de Woolf, da capitã Maya, ou de nós todas, esteja presente em lugares sombrios intocáveis, mas que, depois da conquista do voto, e de tantos outros voos importantes, tenhamos nos tornado a própria imagem do que a teórica Jane Marcus, criou de Woolf, a de um soldado num campo de batalha, a cruzar difíceis territórios de gênero, mas não só.

Todas essas questões de Woolf, e mais umas tantas outras, foram discutidos por ocasião da defesa de uma tese de doutorado de Maria Aparecida Oliveira: “Virginia Woolf: Um Projeto Político x Um Projeto Estético”, discussão essa estabelecida em um diálogo intrínseco entre seus textos teóricos Um Teto Todo Seu e Three Guineas e seus romances Mrs. Dalloway e To The Lighthouse, mostrando assim uma coerência na obra de Woolf entre seu projeto político x estético, e, como esses definiam sua escritura – não só seus ensaios , mas sua ficção, num amálgama dos dois gêneros , quebrando assim fronteiras antes estanques, agora híbridas, e escritas em uma prosa poética da existência, transitando assim nos dois mundos e mais um terceiro, o da sua vida pessoal.

Nesse trabalho de pesquisa de fôlego, dentre tantas coisas interessantes, anotei uma citação que fala do personagem de Mrs. Dalloway, ressaltando o fato de que a personagem constrói a cidade, à medida que caminha por ela. Nesse caso o pedestre-enunciador cria mais significados pelos pés que caminham do que pela voz que enuncia. Estava decifrado meu enigma! do meu gosto por me perder e me achar em lugares nunca dantes navegados. São os meus pés criativos!!! E eu, como uma boa pessoa do devaneio, já me pus a caminhar/pensar.
E, enquanto caminhava pelas ruas arborizadas de Araraquara, e da Unesp; a casa-fazenda do grupo Lupo; e por entre os flamboyants e as jaboticabeiras, fiquei a exercer o pensamento de Woolf de fazer Pontes entre as minhas ideias e as da aluna; no meu trabalho de arqueologia of my own, e pensando back through our mothers, me apropriando assim das hipóteses da doutoranda de que, nós mulheres pensamos sim através das nossas mães – uma matrilinhagem; assim também como “In search o four mother´s garden”, como tão bem pensou e escreveu sobre jardins e criatividade, a escritora púrpura Alice Walker.

E assim vamos trilhando esse tema tão complexo que é a guerra, e a pergunta inicial, o de que se as mulheres poderiam evitar a guerra?

Pedindo emprestado à essa escritora tão querida, e à minha avaliada que deu show com seu trabalho, eu possa ter tido um lapso de uma “mente incandescente”, para pensar nas heroínas de Woolf, mas não só, nas suas personagens, cujas vozes antigas parecem perdurar no tempo; na solidão da mulher no período entre guerras, solidão essa que hoje vejo irradiada nas mulheres executivas e seus terninhos e sapatos scarpins; e nas coisas belas e sujas da vida na política, mas que com humor e resistência, seguimos adiante. Já não sei se no front, mas, resistindo e resistindo, e desbravando cada vez mais esse mundão concreto, abstrato e metafísico.

Quanto às guerras? Antes ou depois do front real, temos tantas outras batalhas cotidianas para enfrentar dia após dia: a pobreza, a intolerância, o machismo, o racismo, a opressão das minorias e orientação sexual, os pratos na pia, e os nossos três vinténs de cada dia, mas que desestruturar as hierarquias que governam e dominam nossas vidas, é sim uma grande guerra.

Como se já não me bastasse minhas guerras diárias da vida de uma mulher “ordinária”, não gostaria de ainda ter que pegar numa arma de verdade!

Minha pequena homenagem ao Dia Internacional da Mulher

(Fonte de referências, paráfrases e inspiração: Tese de Doutorado de Maria Aparecida Oliveira – defendida e aprovada bravamente no último dia 25/02, na Unesp-Araraquara. Obrigada Cida, pela oportunidade e momento de Epifania.)

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, para o 8 de março, 2013

 


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