Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

A Saída do Colégio


28/11/2012

Foto: autor desconhecido.

Marcel Proust escreveu: "Lembranças de coisas do passado não são necessariamente a lembrança das coisas como elas eram".

Para as minhas queridas amigas da 4ª Série Ginasial A, do Colégio das Lourdinas.

Esta semana recebi uma crônica delícia do mestre Martinho Moreira Franco – “Filme Queimado” , onde ele fala das saudades dos seus tempos de Liceu, já contaminado pelas lembranças de outro mestre Gonzaga, o Rodrigues: “Dias destes, Gonzaga Rodrigues (ele me contou) sentou-se na pracinha em frente ao Liceu para rever um filme. Ocupou o banco de alvenaria que fica ao lado do busto de Getúlio Vargas. Queria uma reprise das cenas que retratara em uma das suas crônicas mais inspiradas: as alunas do colégio estadual, vestidas de azul e branco, como as normalistas do samba-canção de Benedito Lacerda e David Nasser, demandando a avenida rumo à Lagoa (na crônica, havia floração dos ipês, requinte da natureza que Gonzaga sublinhou em amarelo ouro). Coisa pra cinema.”

Passei a vida ouvindo minha mãe falar com nostalgia, dos seus dias de Liceu Paraibano. E hoje me pego falando das Lourdinas, e assim como Martinho e Gonzaga, também do Liceu, o de Tambiá.

Na sua crônica, Martinho fala da saída das meninas. Do seu uniforme. E da elegância como se ia para as aulas, sendo permitido somente usar Havaianas (que se chamava de Japonesas), quando se estava doente do pé. Ou talvez da cabeça…Um pecado usar chinelos! Ao contrário de hoje, que, para espanto dos cronistas, já não se fazem mais normalistas como antigamente! Hoje, com as Havaianas e shorts rasgados…, só os Ipês permanecem intactos, na memória desses artistas, e na realidade também.

Nos meus tempos, usávamos um uniforme azul marinho, cheio de pregas, com suspensório em forma de H, e na barra da saia, três vieses azul royal, que nos distinguia em, as meninas das Lourdinas. Como eu gostava de usar meu uniforme e me misturar ao meu grupo de amigas à porta do colégio! Depois veio o modelo moderno de xadrez plissado, que nós enrolávamos o cós, para que virasse mini-saia, fora dos muros e das vistas das freiras. E lá íamos nós meninas, alvoroçadas, endiabradas, pintando o sete! Sem falar do uniforme de ginástica, de fustão branco e engomado, que me fazia ficar com a impressão de que era de uma atleta de verdade. Nunca fui!

A hora da saída era a grande hora. Às 11.30 da manhã, quando os sinos badalavam.Acho até que aguentávamos todas as aulas e os catecismos, esperando a hora da saída. E frenéticas, nos arrumava para ver quem estaria do outro lado da margem do rio, digo da rua! Karmann-Ghias, Sincas, Gordinis, talalargas . Olhares, olhares, e tremores. Sem celulares e What´s ups, os códigos eram outros. E como marcar encontros com os meninos? Uma ginástica. Bilhetinhos, adeuzinhos, bochechas mais coradas, dedilhávamos a nossa quarta série ginasial, nos achando moças feitas, e querendo mais. Sempre. Tudo tão singelo. Tudo tão simples. Mas na vida nada é simples – e cito uma fala de Fale com Ela, Almodóvar. Para mim também não era. Um certo fusca dava a volta; dois amigos atravessavam a rua e acenavam “Olá” ou “Tchau”; forjávamos encontros arredios; nervosismos de soslaios…e assim, traçávamos nossos desejos explosivos e paqueras e namoros. Jogos, passeios, festinhas, e, a saída do colégio. Como era bom o meu francês!

Na calçada das Lourdinas tinha uma árvore no meio do caminho. No meio do caminho , tinha uma árvore, e, sob sua sombra, nos aninhávamos feito andorinhas no cio. Para refrescar os calores da adolescência, tinha sorvete de Sr, Paciência ( da Sorveteria Tropical), e pitombas de deixar os dentes dormentes . Comia tudo isso ao ponto de esquecer a fome quando chegava em casa. Mas, ao sentir o perfume do feijão de mamãe, com cominho e coentro, a fome quente dobrava os gelados.

De uniforme todas éramos iguais. Ou não. Restava as diferenças do corpo em formação. Umas mais peitudas, outras mais longilíneas (nem gostava de pertencer á essa lista…), cabelos feito toca (não tinha chapinha), outros naturalmente encaracolados, e o rosto liso e inocente. Mas não tanto. Não conhecíamos “Prime”, corretivos ou máscaras. E com os rostos leves, com algumas espinhas e Minâncora, e olhares marotos, enfrentávamos o mundo, ou somente a saída do colégio.

Final de semana nem gostava tanto; não tinha aula, nem calçada, nem olhares. Domingo à noite era sonho. Dia seguinte, tudo de novo. Soutien de rendinha, blusa transparente, saia enrolada , meinha branca soquete, e Vulcabrás preto. E com meu diadema no cabelo, lá ia eu, pela Almirante Barroso, Maximiano de Figueiredo, desfilando pelos tapetes fúcsia de Vitória Lima , dos meus jambeiros preferidos, quem sabe estudar, isso era o que menos importava, mas com certeza flertar, contemplar os meninos, e quiçá o mundo.

Já no segundo grau, e com um outro uniforme, uma saia lápis também azul marinho, e uma blusa branca, meu percurso era outro. Até o Estadual de Tambiá. Porém, tinha que atravessar as calçadas do Pio X,e receber o fio fio dos meninos daquelas calçadas. Confesso que ficava rubra, mas já aproveitando a maravilha de ser olhada e desejada. E assim como Gonzaga e Martinho, também saboreei a praçinha em frente ao Liceu. E naqueles bancos por entre os Ipês, experimentei as delicias de namorar em plena luz do dia, com aquele gostinho de matar aula, que só os amantes tem.

Martinho e Gonzaga, obrigada pela dica da crônica. Pela Madeleine do tempo perdido e tão tão presente nas minhas memórias findas, as muito mais que lindas, e que ficarão.

Ana Adelaide Peixoto Tavares- João Pessoa 27 de novembro, 2012


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