Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Quando eu era menina….


16/10/2012

Foto: autor desconhecido.

O mundo era outro.

Morava no Miramar. Ruas esburacadas, enlameadas, longe do centro. Muito longe. Um ônibus azul das Lourdinas me buscava em casa, digo na Epitácio, que era longe, muito longe. Mas também andei de velocípedes no Pátio da Igreja do Carmo; vi um homem morrer atropelado pelo bonde; tive sarampo; e fui saltitante à maternidade, visitar minha irmã Bebé, que nasceu gorducha e branquinha. Também ia à missa de véu branco; rezava o terço circunspecta; fazia a primeira sexta feira do mês (sempre meio capenga….), e pedia, de olhos bem fechados, ao meu anjo da guarda, que me protegesse. E dava gritinhos no carrossel da Festa das Neves.

Nas Lourdinas, achava os corredores enooormes. O colégio enoooorme. E ansiava pela hora do recreio para comer pastel oco e grapette. Bolacha creamcracker com doce de goiaba também era bom. E garrafinha de água congelada, para borrifar a garganta no calor, e na fila, enquanto os sinos dobravam, para quem mesmo?

Era magrela, e de uniforme, mais ainda. E a cada ano, as freiras achavam que eu estava maior e mais moça…
Brincadeira preferida? 31 Libertey. Na casa das Julindas, hoje a EcoClínica, que talvez tenha mais precisão nas imagens, mas, jamais comparadas às minhas. Casa de pedras escuras, cheia de cantos bons para esconderijo. Nunca gostei das bonecas. Nem me animava em vesti-las, nem nina-las, nem nada. Mas adorava brincar de família, colégio, fantasias, ossinho, pular corda, academia/amarelinha, nome de países; pintar paisagem de casinha com coqueiro e lua cheia; desfile de Miss….,balanços, e bicicleta.

Andar de bicicleta foi minha brincadeira preferida. O que me deixou com os joelhos marcados e esfolados até hoje. Mas, ouvi Xico Sá dizer que, acha muito sexy mulher com joelhos esfolados….Sendo assim… E, aos 10 anos, sentia o cheio das pitangas na Praça da Independência. Cada lado da praça tinha seu encanto. O lado do Pio X, o lado de Tambiá e Hospital Santa Isabel; o lado de quem ia para o Colégio; e o lado da minha casa. Pronto 4 lados! E quando chovia? Tomar banho de bica também era bom.

Era viciada em Revistas de quadrinhos. Todos. E, deitar na minha cama, com gibis do lado, incomparável. Sonhava com Madame Min e Maga Patológica. Roupa de menina? Não gostava. Nunca fui afeita aos frufrus, nem babados, para desgosto da minha mãe que costurava tão bem e arregalava o olho para entender os mistérios das filhas, e desde pequenina, que sonhava com uma calça Lee desbotada. E rebeldia.

Também brincava de mãe, botando minha irmã Claude para dormir. E cantava e cantava até dormir junto com aquele bebê que me olhava com cumplicidade. Sempre gostei de ter irmãs.

Não gostava de bichos. Até hoje não gosto. Devo ter chips diferentes, incompletos, medrosos, inda mais depois que levei uma carreira de um pastor alemão, e me esborrachei no portão, com uma dor no nariz, sangue, e pavor de au au, mais ainda. Gatos? Nunca soube decifrá-los. Tenho sim inveja das pessoas amorosas e que miam como ninguém.

Sempre fui uma menina da rua. Adorava casa de vizinho. Casa de Bebézinha(Maria Izabel) e Podine(Maria Leolpodina). Casa de Kátia e Diana; Dina e Sarita; Fátima Barros; Dodora, Glauce e Dada (que nem vizinhas eram, mas que eu ia brincar desde menina). Mas, adorava ficar sozinha no meu mundo imaginário. A sombra dos alpendres após o almoço, mamãe na cozinha lavando pratos, o silêncio do mundo, e eu com aqueles mosaicos hidráulicos todinhos para mim. Pegava coisinhas pelos arredores e montava lojinhas, casinhas, conversava, e matava o tempo.

Tempo de férias? Nas casas das primas, onde limão era boi; 1,2,3, era 31 e Libertey também; Jogar Buraco e Sueca um deleite, e, estórias de Troncoso, me assustavam.

Também era muito musical. Estudei piano, teoria e solfejo e ballet. Toquei triângulo na bandinha do conservatório de D. Luzia Simões, onde hoje é o Solar do Conselheiro. E ia sozinha de ônibus, na linha Roger, que passava em frente de casa, em frente às Pitangas. E desde aí que descobria que podia perambular pela cidade. Rodopiava frente ao espelho. E no mesmo espelho fazia coques no meu cabelo tão fino. Pintava os olhos como de Twiggy também, mas isso já era mais para adiante…

Quando percebi que a infância se esvaía? Quando quis um soutien, embora sem peitos. Mas as amigas? Já tudo peituda. Comecei a ficar aflita, achando que os meus estavam esquecidos. Mas o dia que minha Tia Lila me trouxe um de presente, ah! Nesse dia, me senti moça. Comecei a olhar para os meninos de um outro jeito, e a ficar suando frio quando a última aula estava para acabar. Mas o rito de passagem mesmo foi quando senti a quentura de um sangue de menstruo sem aviso. Foi tanta alegria, misturado com incômodo, com odores desconhecidos, des-ajeitos, silêncios, e um olhar de soslaio para o mundo como se dissesse: Cresci! Agora sou uma mulher! Eu tenho a força! E nem conhecia os Power Rangers, ainda.

Tenho a impressão que nunca fui criança criança. Sempre me achei tão adulta!! E sabedora das coisas. Era observadora do mundo. Curiosa. Atenta. E ouvia rádio de pernas para o ar. Notícias era comigo mesma. Sabia que naquela geringonça retrô da sala, saiam coisas e sons que me lançavam ao mundo. Vasto mundo!

Isso tudo já faz tanto tempo! Mas o tempo…ah! o tempo é algo tão vago, pois quando escrevo tudo isso, sinto até cólicas! E já estou em outro tempo! Mas o meu tempo de menina, logo logo me disse que as coisas e a vida teriam seus desafios por conta dessas mesmas cólicas. A começar pela Semana Santa, quando ia me confessar e, para meu espanto, não achava nada pecado. A não ser aqueles básicos. Cresci indignada com umas coisas, com saudades de outras, sim! Da minha camisola de flanela de florzinha, costurada pela minha mãe, e que eu ficava que nem as meninas dos livros. Mas ao olhar para trás, me reconheço naquela menina de cabelos tão pretos, que hoje se escondem nas Hennas vermelhas, e que continua gostando dos cantos da casa. 31 Libertey? Nunca mais brinquei. A casa das Julindas? Virou abóbora! E a Praça da Independência, meu point da cidade, pois até hoje quando lá passo, inda sinto o cheiro das Pitangas, que virou sobrenome de filho, e um certo vento na cara.

De raspão.

Com atraso , Feliz Dia das Crianças, e um beijo especial para Hanna, sobrinha querida, aniversariante da semana que passou.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 12 de Outubro, 2012


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