Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Memória, Tintas & Parafusos


08/02/2011

Foto: autor desconhecido.

 Estou terminando um mês de consertos e pintura na casa. Todo um mês de férias dedicados à manutenção e bem estar nosso de cada dia. Quel horror! Ao invés da vida far niente…, tarefas intermináveis. Mas foi uma decisão consciente, de que em tempos de trabalho, não dá para misturar aluno e reunião de departamento, com pregos e parafusos. E estou sempre buscando uma casinha ideal, com janelas e cores que nem no filme do Bertolucci, Beleza Roubada….Acho que sempre perco a beleza, e só fico com a Roubada…

Como sempre, é um aprendizado lidar com a casa. Não tem Bachelard que dê conta! Primeiro fiz uma lista imensa de tudo quebrado de cada cômodo: cortinas, caixa de ar condicionado, torneiras, fechaduras, trilhos anti-ratos…,epox do banheiro, espelhos, tomadas, que cor? Que abajour? Que lâmpada mais econômica?

E nesse percurso eis que me vi uma manhã inteira perambulando pela Rua Maciel Pinheiro, Rua da República e Beaurepair Rohan. Eu gosto desses programas, e cada vez mais, descubro que nem só de Shopping vive a raça humana. Primeiro Rua Maciel Pinheiro, imaginar toda a vida mundana dessa rua histórica, numa época já longe, embora com resquícios decadentes de um batom mais vermelho que passa; atravessar a rua em frente do escritório do meu pai, revisitar à infância, e entrar e sair de lojas: fechaduras, tintas, lustres, luminárias. Quanta profusão! Como saber se é melhor pintar a casa de terracota, para lembrar da Sardenha, ou do Cariri? Na dúvida pintei a cozinha de amarelo-mangaba (meu suco preferido), uma parede da sala vermelho-rubi, e meu quarto (solamente uma parede do amor) de rosa-açaí….Tudo saboreável! E aí, as sobras de tinta eu saio pintando o resto em pedaços. Mangaba aos pedaços, açaí aos pedaços, uma fruteira despedaçada! Até a área de serviço virou salada de frutas!

Depois Rua da República. Tenho um talento para perambular pelo comércio. Acho um bom programa sentir o centro de uma cidade e a sua energia pulsante. Puxei à minha mãe, que conhecia cada palmo da Casa das Rendas, de A Capital, e Armazém do Norte. Murins, Chitas ou Shantungs. Passanamarias, Fustão, Damasco e Filó, todas essas palavras conheci andando pelo centro da Alta/Baixa costura…E na República, pude comprar espelho, chapéu de palha, estantes, andando num sol ainda não escaldante (tem-se que se ir de manhã cedo), e ouvir aqueles vendedores solícitos: “Faço um preçinho bom para a Senhora”.

E na Beaurepaire Rohan (nome difícil de escrever e que nos dá a falsa ilusão de que na França estamos…), essa eu conheço dos meus tempos de 4.400. Panelas e móveis: eis a questão! Descobri até um guarda roupa legal, e que cabe o mundo fashion lá dentro. Andando por essas ruas e lojas, já quase em desuso, descobre-se coisas, coisas que normalmente não se pensa, mas que se precisa. E eu gosto de coisas, mais ainda das que não se precisa….

E nesse meu passeio Central, passo pela Av. João Machado, e vejo a casa mais imponente da Avenida: a mansão de Nanhã Ribeiro Coutinho ou Ana Rita, (uma prima querida e que já virou estrela), com uma plaqueta de Vende-se. Senti um frio na barriga, pois sempre admirei aquela casa linda, que só tive o privilégio de visitar umas duas vezes na vida, por ocasião de festas familiares. E sempre tive um desejo de ver essa casa virar um Museu. Senti calafrio de que seja vendida para virar prédio, ou ainda para não virar nada, e ser coberta de folhas de amianto, com dizeres cafona de Neon. Coisa que já aconteceu com outra casa belíssima na Epitácio, a casa de Cassiano Ribeiro Coutinho, com jardins de Burle Marx, e que virou telefonia, sem marca, sem estilo, sem arte, e sem sinal, o que é pior. A mesma coisa com a casa das Julindas (Francisco Leocádio e Maria Julinda), onde tive o prazer de brincar muito de 31 libertei, me esconder nos cantos e fazer lanches muito legais nessa casa das sete mulheres (ou seriam 8?), e que depois, pintaram as pedras de laranja-tangerina, e foram cuidar das radiografias. E por último, a casa da minha Tia Lila Veloso Borges, também na Av. chic da cidade, a Epitácio Pessoa, casa de projeto de Borsoi e Janete (arquitetos famosos), onde por muitos anos da minha vida, também corri descalça, brincando de esconde-esconde, ou descobrindo os meus medos por entre as árvores do quintal. De repente toda a beleza da casa foi transfigurada para ser uma Rainha da Paz. Nunca entendi e ainda não entendo como que, esses novos inquilinos, não sabem reverenciar à memória e à arte, e manter a arquitetura, a estória dessas paredes, e preferem à feiúra e um certo gosto duvidoso. Sei que o mundo se transforma, e que vão-se os dedos. Mas e os anéis, por que é que esses não ficam, em outros dedos é verdade, por vezes espaços até mais democráticos, mas sem perder a beleza jamais.

E com o carro cheio de tintas, cores, e parafusos, comecei a pensar sobre a cidade, sobre o centro, e conseqüentemente sobre mim mesma, que já não me reconheço nos passos dessa minha estrada, e espero que ao contrário da música de Chico, eu chegue em algum lugar. Nem que seja na minha casa cor de Flamingo e com janelas azuis, para fazer de conta que estou nas Ilhas Gregas, na Toscana ou no Bessa mesmo.

O mais difícil tem sido as arrumações, o jogar fora, o desapego, e organizar tudo outra vez. E por entre gavetas, faxinas, e energias revigorantes, vou deixando as férias de lado, e começando tudo outra vez.

(Parabéns Matheus Peixoto, o sobrinho aniversariante da semana)

Ana Adelaide Peixoto, João Pessoa 6 de fevereiro, 2011


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