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Novo livro de Romário desvenda bastidores da carreira e da CPI do Futebol

BASTIDORES


19/08/2017

O jornalista José Cruz é um profissional discreto e reservado. Nunca gostou de holofotes, microfones.

O gaúcho Cruz, como é chamado nos bastidores da notícia em Brasília, é um dos maiores especialistas quando falamos em dinheiro público aplicado no esporte.

Foi repórter e sub-editor do jornal “Correio Brasiliense”. Teve um blog no "UOL" dedicado ao combate à corrupção no esporte. Cobriu Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos, Copas do Mundo e outros tantos eventos importantes do calendário esportivo brasileiro e mundial.

É respeitado por atletas, técnicos e profissionais do esporte. Temido por políticos e dirigentes que comandam o esporte brasileiro.

Como se diz no jargão jornalístico, José Cruz, no auge dos seus 72 anos, é um verdadeiro “Don Quixote” da nossa profissão. Um homem tão desprovido de qualquer tipo de vaidade, tanto que trabalhou durante quase dois anos nesse livro que faz um raio-x da participação do senador na CPI do Futebol.

Em entrevista para a ESPN, José Cruz disse que não quis assinar o livro para não dividir o brilhantismo do craque. Garantiu que só consolidou o texto, já que 50% da obra é voltada a respeito do relatoria da CPI. E afirmou:

“Na verdade, não se trata de uma biografia. O livro é sobre a CPI do Futebol, dividido em duas partes. A primeira é uma passagem rápida sobre a carreira de Romário até o nascimento de Ivy, sua filha caçula portadora da síndrome de Down, e como esse nascimento o incentivou a entrar na política. Depois vem as observações dele sobre o Congresso, a convivência política e uma parte específica sobre a Bancada da CBF, as dificuldades para criar a CPI. A segunda parte é o relatório alternativo que ele apresentou".

Cruz se define como um “ghost writer”, ou seja, um escritor fantasma da obra.

“Conversava com ele ao final de cada sessão da CPI, alinhavava os argumentos e escrevia o capítulo.”

Insistimos na pergunta, por que não fez questão de assinar a autoria do livro?
“Olha, apesar de contrariar algumas pessoas, eu optei por não assinar o livro. O meu nome só aparece entre os da equipe da CPI. Romário é uma estrela de primeira grandeza no futebol internacional, inclusive, até hoje. Então, me pareceu que seria oportunismo aparecer ao lado dele.”

Cruz ainda falou sobre os planos da editora Planeta de lançar uma edição em espanhol. A dela fica em Barcelona, mesma cidade em que Romário brilhou.

Leia abaixo, em primeira mão, algumas das histórias que serão relatadas no novo livro do Baixinho.

Os subtítulos eram originalmente perguntas e estão seguidos de deliciosas respostas enviadas pelo mestre do jornalismo brasileiro, José Cruz.

A obra

“Um olho na bola, outro no cartola – o crime organizado no futebol brasileiro”, de autoria do senador Romário, chega às livrarias no momento em que o Supremo Tribunal Federal começa a analisar as denúncias de corrupção que constam do relatório alternativo da CPI do Futebol 2015. O relator do processo é o ministro Celso de Mello.

O processo foi encaminhado ao STF porque há um deputado federal, Marcus Vicente (PP-ES), entre os sugeridos por Romário para investigação e indiciamento. Outros oito cartolas e empresários estão na lista de sugeridos para o indiciamento, como o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, e os ex-presidentes José Maria Marin e Ricardo Teixeira.

O livro é um lançamento da editora Planeta e será autografado pelo senador no próximo 2 de setembro, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Coincidência

“Um olho na bola, outro no cartola” é lançado dois meses antes de a Justiça dos Estados Unidos começar o julgamento do ex-presidente da CBF, José Maria Marin, preso em maio de 2015, atualmente em prisão domiciliar, acusado de corrupção, com outros cartolas do futebol das Américas. Os principais achados da CPI, indicando para atos de corrupção em negócios da CBF, poderão ser confrontados com as investigações do FBI sobre os cartolas, principalmente no que diz respeito ao pagamento de propinas.

Documento

O livro não é apenas um histórico sobre a CPI do Futebol 2015. É, principalmente, um documento sobre a preocupante realidade da gestão de nosso futebol e da exploração da valiosa marca “Seleção Brasileira”. Relata, também, os descaminhos do futebol profissional no Brasil. As provas reunidas pela CPI, em quase um ano e meio de trabalho, mostraram a autoria e a materialidade de uma série de crimes praticados por aqueles que têm comandado a CBF nas últimas décadas.

Nada contra a CBF

As críticas que faço não têm o objetivo de enfraquecer ou diminuir a importância da CBF. Reconheço que essa instituição histórica é indispensável na estrutura do nosso esporte. Mas o Relatório alternativo da CPI demonstra que, na CBF, cartolas que se sucederam nos últimos anos realizaram negócios que enfraqueceram e atrasaram o desenvolvimento do futebol.

Covardes

Com a CPI do Futebol eu queria confrontar os seus dirigentes dando-lhes a oportunidade de defesa. Mas eles fugiram e silenciaram. Além de assaltarem os cofres do nosso futebol, são covardes.
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Homenagem aos atletas

Entendo que o atleta é a base da pirâmide do esporte. Ele é a sustentação desse negócio bilionário e apaixonante. Se tirar o ator principal da jogada, o negócio desmorona, desabada. Estive nessa estrutura por vinte e três anos como profissional, despertando-me curiosidades e me incentivando a buscar, bem mais tarde, respostas às minhas dúvidas sobre os suspeitos negócios da bola.

Cruyff: o meu melhor técnico

Do Barcelona, onde joguei de 1993 a 1995, tenho ótimas lembranças, principalmente de minha convivência com o técnico Johan Cruyff, o melhor em toda a minha carreira. Eu era o único jogador da equipe vindo de fora da Europa, e Cruyff sabia lidar com isso concedendo-me dois ou três dias a mais nas folgas, para eu vir ao Brasil de vez em quando. Claro que ele era recompensado, porque, em campo, eu fazia aquilo que o time precisava: gols.

Uma nova paixão

Em 2005, Papai do Céu me testou em uma nova missão, porque, com a chegada de Ivy, hoje com 12 anos, nascia uma nova paixão.

Missão em Brasília

Em 2011, desembarquei em Brasília para cumprir quatro anos de mandato como deputado federal, com duas prioridades na agenda: apresentar projetos de leis e agilizar a tramitação dos que já tratavam de temas de interesse das pessoas com deficiência, doenças graves e raras, e trabalhar pela modernização da gestão do futebol.

Políticos amigos alertaram-me que na Câmara eu enfrentaria um poderoso lobby da CBF contrário aos interesses da gestão do futebol “limpo”. Mas, desde criança, nas dificuldades da casa dos meus pais, convivo com os desafios, agora novos e, lamentavelmente, que envolvem a entidade maior da minha ex-profissão, a CBF.

Abuso dos poderosos

Entendo que o Estado não deve se meter nos negócios da iniciativa privada, mas também não pode fechar os olhos aos abusos sobre os nossos patrimônios, como o futebol, em geral, e a Seleção, em particular.

Homenagem à bola

A bola tornou-se símbolo universal de um esporte com idioma comum entre os povos e de uma “religião” sem fronteiras, o futebol. Por isso, denominar de “bancada da bola” o grupo de parlamentares que defendem os interesses da CBF soa pejorativo. A bola de futebol não merece tal definição, pois ela é instrumento de alegria para bilhões de pessoas pelo mundo, independentemente de idade, raça, ou religião, sejam ricos ou pobres, brancos ou negros, homens ou mulheres. “

Bancada da CBF, Bancada dos cartolas – ou dos 7 a 1” –, aí sim, é o correto.

Como a bancada da CBF é recompensada?

Afinal, por que, ao longo de anos, deputados e senadores se tornam obedientes a uma instituição privada, a CBF, a ponto de tentar evitar investigações de denúncias de corrupção nas suas ações, mesmo quando há evidências reais de crime?

Por que, apesar da prisão pelo FBI de um ex-presidente da CBF, José Maria Marin, do afastamento de outro, Ricardo Teixeira, e do indiciamento do atual, Marco Polo Del Nero, todos acusados por atos de corrupção internacional, políticos de vários partidos protegem a cartolagem criminosa?

Há vários motivos para essa blindagem política, que não é de hoje. Os detalhes estão no livro que estou lançando.

A criação da CPI

Na manhã de 27 de maio de 2017, quando cartolas de vários países foram presos num hotel de luxo da Suíça, a pedido do FBI, fui ao gabinete do então presidente do Senado, Renan Calheiros, mostrando que não podíamos mais adiar a criação da CPI. O noticiário dava a dimensão da ousadia dos cartolas, que foi assim sintetizada na declaração da secretária de Justiça norte-americana, Loretta Lynch:

“O indiciamento sugere que a corrupção é desenfreada, sistêmica e tem raízes profundas tanto no exterior como nos Estados Unidos”.

Um ano e meio depois, ao encerrar a CPI do Futebol 2015, eu constatava exatamente isso. Os espertos abusaram de seus cargos para ganhar muito dinheiro em subornos e propinas.

Queriam uma CPI de 'faz de conta'

Estava claro: aprovaram a criação da CPI do Futebol, mas não queriam investigar absolutamente nada! Queriam, mesmo, uma “CPI do faz de conta”. Apesar de várias tentativas não conseguiram. A CPI não melou e não terminou em pizza. Os resultados alcançados são consistentes e estão bem fundamentados.

A escalação da CPI

Ao contrário de um time de futebol, a escalação de uma CPI é complicadíssima. No time, joga, em tese, quem treinou melhor e conforme a escalação do adversário. Já na CPI, há dezenas de interessados em participar, mas quem decide quem vai entrar em campo, no plenário da Comissão, são os líderes dos partidos, em combinação com o presidente do Senado. E nem sempre escalam os melhores, os mais interessados em investigar determinado tema, mas os mais obedientes a ordens superiores…

Quebra de sigilo

Com a decisão da CPI de quebrar sigilos bancários de cartolas da CBF, Del Nero pagou ótimos e caros advogados para tentar derrubar o requerimento no Supremo Tribunal Federal. Em vão. O ministro Edson Fachin indeferiu o pedido de liminar. O material obtido com a quebra de sigilo permitiu que a equipe da CPI estabelecesse uma nova linha de investigações, avançando na tese de que a CBF era, de fato, explorada por uma gangue de espertos.

O modus operandi dos esquemas

As ações criminosas identificadas pela CPI do Futebol 2015 ocorrem de várias formas, mas todas com alguns elementos em comum: repetem, quase sempre, os mesmos procedimentos, executados pelas mesmas pessoas, como numa quadrilha bem articulada. Semelhantes a outras organizações voltadas para o crime e usando modelos de modernas máfias, a CBF e seus braços operacionais de corrupção estão estruturalmente caracterizados pela divisão de tarefas, com núcleos diretivos, econômicos, financeiro e político, tudo concentrado para o sucesso das empreitadas criminosas. O funcionamento dessa estrutura está didaticamente detalhado e ilustrado no livro.

O desabafo do senador Randolfe Rodrigues

Numa sessão em que a bancada da CBF esvaziou o plenário, o senador Randolfe Rodrigues, parceiro fiel durante toda a CPI, fez um contundente desabafo:

“Esta CPI está sendo vítima do boicote, do desdém, da sabotagem de nossos colegas que não querem tomar conhecimento da gravidade dos documentos suspeitos de operações ilegais que temos em mãos. É um triste espetáculo”!

Constatação

Lamentavelmente, a corrupção contínua, crescente, organizada e além-fronteiras. E comprovei a tese que me inspirou a pedir a CPI: A CBF abriga uma máfia que usa o nosso principal patrimônio esportivo em benefício próprio.

Encerramento

Para os cartolas, a beleza do futebol, que também pratiquei, tem valor maior como negócio sujo e corrupto. Então, para derrotar essa máfia, eu me escalo e continuo em campo. Contem comigo, sempre. Sou da paz, mas na guerra funciono melhor.


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