Economia & Negócios

Professora da UFPB analisa percepção da mulher sobre violência doméstica

DEPTO. DE ECONOMIA


08/06/2017

A professora do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mércia Santos da Cruz, analisa, em artigo no Portal WSCOM, as percepções das mulheres, de níveis socioeconômicos diversos, sobre violência doméstica. O artigo semanal é uma parceria do Departamento de Economia da UFPB com o Grupo WSCOM.

De acordo com a docente, é imprescindível ponderar tecnicamente às diferentes percepções que a sociedade tem sobre violência doméstica. Sem o devido entendimento de que as diferentes formas com as quais a violência doméstica se manifesta, os custos tangíveis e intangíveis da violência seguramente aumentarão nas novas gerações. Medidas que ampliem à devida percepção da violência são necessárias para à redução dos impactos da mesma.

Leia o texto na íntegra:

A percepção das mulheres sobre violência doméstica

A questão da violência contra a mulher é um problema que perpassa gerações e acomete mulheres de diversas classes sociais, apesar de ainda ser considerado um fenômeno mais frequente em mulheres de baixa renda. Neste mote, um dos maiores problemas existentes nessa temática ainda é o não entendimento do que venha a ser violência doméstica, sobretudo violência contra a mulher. No ano de 2016 foi realizada a Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – “PCSVDF Mulher", com uma análise quantitativa (pesquisa domiciliar com dados longitudinais) e uma abordagem qualitativa, realizada por meio de entrevistas no formato de grupos focais, disponibilizando informações para os resultados aqui apresentados.

Assim, este artigo abordará esta temática, primeiramente, apontando que algumas mulheres ainda acreditam que violência doméstica se restringe apenas a agressão física, ou seja, ainda naturalizam fatos como assédio moral, agressão verbal, humilhação e redução da autoestima. Adicionalmente, além de desconhecer às díspares formas com às quais a violência se manifesta, nota-se também que as pessoas desconhecem até mesmo a lei Maria da Penha e suas especificidades (Lei Maria da Penha – Lei 11340/06 | Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).

Entre outros impactos, a ausência do devido entendimento diversos efeitos para a vida da mulher e de seus familiares, haja vista que mulheres que não reconhecem atos de violência, provavelmente não chegam a realizar notificações das agressões sofridas. Ademais, os resultados da pesquisa apontam ainda que filhos de mulheres que padecem de agressões de natureza diversas –, o que incluem agressões físicas e verbais-, tendem a perpetuar esse ciclo de violência, em que os filhos do sexo masculino tendem a perceber a violência doméstica como algo natural, enquanto as filhas tendem a tolerar violência por seus parceiros futuros, portanto, configura-se a questão intergeracional no fenômeno da violência doméstica.

Correlacionando violência doméstica com questões socioeconômicas, nota-se que ao menos quanto à notificação dos casos, as mulheres de baixa renda ainda são as que mais informam às agressões, apesar destas também serem as que menos percebem algumas formas de violência sofridas. Neste ponto, delimitando para os subgrupos de mulheres em idade reprodutiva (16 a 49 anos) e as casadas ou unidas, algumas mulheres reportam união estável iniciada no período da infância (especificamente 11 e 14 anos de idade) não percebendo que a referida união se trata na verdade de estupro de vulnerável, crime tipificado na lei 12.015/2009.

Quanto às mulheres de maiores níveis de renda e/ou escolaridade os resultados são inconclusivos dado que não foi possível observar, até então, se os eventos de violência são menos frequentes nestes grupos ou se existe, na realidade, maior subnotificação. Foi possível perceber que estas relatam mais desconhecimento sobre o assunto e se mostram menos dispostas a denunciar casos de violência sofridos por pessoa não próxima.

Vale ainda refletir sobre quais os possíveis efeitos econômicos da violência doméstica. Alguns casos de abuso familiar podem elevar os gastos com serviços de saúde, justiça, aparato policial e sistema prisional e, ainda, culminar em mortes. Ademais, órfãos de crimes de violência doméstica (sobretudo quando a mãe vem a óbito tendo o pai como perpetrador do homicídio), tendem a passar por atraso ou evasão escolar, além de sofrerem por problemas psicológicos e efeitos adversos da desorganização familiar.

Quanto aos custos com saúde, tanto na violência física como na psicológica, os gastos com saúde pública e privada podem ser elevados com medicamentos e mão de obra médica. Em sequência, se a saúde da mulher se debilita, atos de violência podem afastar mulheres ativas do mercado de trabalho e afetarem a longevidade das mesmas.

Não podemos deixar de mencionar os custos com assistência e serviços sociais, sobremaneira aqueles intangíveis, que ficam eternamente marcados na vida da mulher e de toda família que testemunha tais atos. Como mensurar o impacto na vida de uma mulher o relato de agressão física perpetrada pelo cônjuge, porque o mesmo a convenceu de que ela era “feia demais” para conseguir outro companheiro? Como saber qual o futuro de uma mulher de 18 anos que testemunhou durante sua infância às agressões sofridas pela mãe e decidiu “casar” aos 11 anos de idade? O que esperar do futuro de uma mulher vítima de agressão física, verbal e psicológica porque não “conseguia” ter um filho do sexo masculino?

Outro fator importante é, mediante processos de desconstrução e medidas educativas, orientar as novas gerações no combate a estigmas entre gênero e a violência contra a mulher.

Diante disso, deve-se fazer uma reflexão de que o Brasil precisa antes mesmo de combater a violência, melhorar o acesso a informações para que homens e mulheres percebam de fato o que caracteriza um ato violento.

Se a sociedade efetivamente eliminasse a violência contra a mulher, os recursos que descrevemos anteriormente, poderiam agora ser destinados ao desenvolvimento e crescimento do país, redução das disparidades de gênero e aumento do nível educacional de mulheres, homens e crianças.

Mércia Santos da Cruz ‐ Professora do departamento de economia da UFPB. 


 



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