Economia & Negócios

Professor da UFPB analisa o trabalho e a reforma da Previdência

DEPTO. DE ECONOMIA


11/05/2017



Em novo texto nesta quinta-feira (11), o professor Paulo Amilton Filho, analisa o trabalho e a reforma da Previdência Social. O artigo é fruto da parceria do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba com o Portal WSCOM.

Para ele, "uma classe exclui outras do acesso a bens e serviços que permitiriam a estas aumentar o resultado de seu trabalho e usufruir plenamente dos benefícios deste.

Leia o texto na íntegra:

O trabalho e a reforma da previdência

Por Prof. Titular Paulo Amilton Maia Leite Filho

Define-se trabalho como a atividade em que o ser humano exerce sua destreza sobre a natureza e a transforma. Ele o faz com a intenção de obter os meios de se sustentar, através de uma remuneração ou do uso direto da natureza que ele transformou.

A destreza que o homem exerce sobre a natureza é a transformação de ideias em ação. Sendo assim, o trabalho sempre foi aliado a uma ideologia. E sempre a ideologia da classe dominante. Por exemplo, o trabalho escravo já foi visto como natural e necessário. Nesta condição, o fruto do trabalho não era necessariamente desfrutado por aquele que o exerceu. Muito pelo contrário. O senhor dos escravos na maioria das vezes não trabalhava e desfrutava de todos os benefícios do trabalho alheio. O trabalho nesta condição era visto como uma imposição cujo sacrifício, no limite, levava a tortura física. A manutenção da escravidão implica um regime político exclusivista, onde poucos têm tudo e muitos não têm nada. 

A situação exclusivista pode ser mantida mesmo sem a presença de escravidão. Uma classe exclui outras do acesso a bens e serviços que permitiriam a estas aumentar o resultado de seu trabalho e usufruir plenamente dos benefícios deste. O acesso à terra, a saúde e a boa educação a uma minoria, excluindo deste a maioria, perpetua a péssima distribuição dos frutos do trabalho herdados da escravidão. 

A religião também exerce influência sobre o trabalho. Durkheim (1996) definiu religião como sendo um sistema solidário de crenças e práticas relativas as coisas sagradas que unem uma mesma comunidade em questões morais e de comportamento. 

O trabalho nas religiões cristãs era visto como uma imposição de um castigo, pois o criador a princípio nos colocou num paraíso que disponha de todas as coisas que os seus habitantes necessitavam para sobreviver. Foi a rebeldia de Eva que levou o Criador a nos impor o sacrifício diário de obtermos os meios de nosso sustento, segundo a visão cristã.

O catolicismo romano durante muito tempo pregou que o ser humano deve buscar a riqueza celestial ao invés da riqueza terrena. Para a religião católica, a riqueza é justa apenas quando a mesma promove a prosperidade em comunhão. O fruto do trabalho era apenas para sustento do trabalhador e glória de Deus. O acumulo, que é a riqueza, não era bem vista, pois podia levar a comportamentos danosos por parte de seus detentores. Tanto é assim que Cristo no sermão da montanha afirmou que seria mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha do que o rico entrar no reino dos céus. Ele queria dizer com esta colocação que o rico deveria se despojar das vaidades decorrentes da riqueza para ser aceito no reino dos céus.

Aquela visão foi modificada a partir dos ensinamentos de Calvino. Para este, o Criador envia sinais de aprovação ou reprovação das ações escolhidas pelos homens. A riqueza oriunda do trabalho honesto seria um sinal de aprovação. No entanto, a ostentação não era aceita e atos de filantropia foram incentivados por que revelavam agradecimento ao Criador. Marx Weber aponta em “a ética protestante e o espirito do capitalismo” esta visão como sendo a principal impulsionadora da riqueza nas sociedades que adotaram a visão Calvinista. O trabalho nessas sociedades é incentivado. Os trabalhadores acreditam que o fruto de seu esforço será desfrutado por eles mesmo. Isto levou ao surgimento do capitalismo. 

Por que faço estas divagações? Como todos sabem, o atual governo enviou uma proposta de reforma nas regras da previdência. Nesta reforma existe uma regra que estabelece que o trabalhador para obter o direito de se aposentar deve ter uma idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para os homens. Esta regra vem encontrando muito resistência para ser aceita. Mas por que?

Somos uma sociedade de prevalência católica e ex-escravocrata. O trabalho aqui não encontra a valorização e glamourização que encontra em outras sociedades. Isto é refletido inclusive na cultura. Observe a obra de nosso maior escritor, talvez o maior da língua portuguesa, que foi Machado de Assis. Em sua obra não existe personagem principal que trabalhe. São todos rentistas ou exercem profissões que não exigem esforço físico. O ócio é muito valorizado. Qual é a região brasileira que é chamada de Boa Terra? A Bahia. Lá o ócio é incentivado como algo a ser perseguido como o ideal de boa vida. 

Para muitos uma pessoa ser obrigada a trabalhar aos 62 anos de vida é equivalente a ser apenado pela justiça. Por que isto? Por que simplesmente acham que o fruto de seu trabalho será apropriado por outra classe. E pior de tudo é que não estão inteiramente errados. Quem gera excedente produtivo em qualquer sociedade são os trabalhadores do chão de fábrica, na maioria vezes da iniciativa privada. Os funcionários públicos não criam excedente produtivo. Mas são aqueles que desfrutam de regras previdenciárias mais benéficas. Neste ambiente é muito injusto mandar um trabalhador do setor privado alongar seu tempo de trabalho e deixar aquele que não gera excedente ter regras mais favoráveis. 

O sistema previdenciário brasileiro atual reforça a desigualdade de renda. Os benefícios previdenciários de origem pública no Brasil são divididos em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que atende aos trabalhadores do setor público, e Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que beneficia os trabalhadores da iniciativa privada.

Os regimes não apenas distinguem quem beneficiam, mas a forma como distribuem o benefício. O RGPS tem um teto enquanto o RPPS não. Os beneficiários do RGPS são os que auferem o menor rendimento, em média, enquanto os do RPPS são os de maior renda. A consequência disto é que existe uma transferência de renda dos trabalhadores do setor privado para os do setor público. Nestas regras é injusto chamar a classe trabalhadora a fazer sacrifício. A reforma previdenciária atual tem que levar isto em consideração, senão será mais uma forma de penalizar o trabalho e não convencer o trabalhador que seu trabalho é importante não só para o Brasil, mas para ele. 



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