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360 Possibilidades


22/08/2012

Num Bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se
Mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
E um deles observei até um longe declive
No qual, dobrando, desaparecia…

(The Road Not Taken – Roberto Frost)

Sincronicidade, simultaneidade, multiplicidade, são palavras chaves nas narrativas contemporâneas. Um bom exemplo é o romance de Michael Cunningham, As Horas, adaptado para o cinema por Stephen Daldry. Estórias que se tocam, seja nos temas, na ação, no tanger suave ou não das questões, ou na forma de contar tais estórias. Trilha sonora, cortes, closes, repetições, metáforas visuais, ou até mesmo um certo namoro com o cinema de poesia, constroem um momentum interessante no cinema contemporâneo, principalmente, para essas costuras da vida múltipla dos tempos ditos pós-modernos do século XXI.

Muitos já foram os filmes a adotar essa estética como: 21 Gramas, Amores Brutos, Crash; Babel; Simplesmente Amor, ou o último de Woody Allen, Para Roma com Amor. Cada um dos personagens vivendo seu drama pessoal, mas que de alguma maneira atinge o outro, o lugar, a atmosfera, o continente, o aqui e o lá, em constante diálogo, mas não só. Em constante estágio de causa e efeito. Minhas ações não são únicas e individuas, e repercutem sim no outro. Somos uma rede. Hoje mais do que nunca. Em tempos de internet e das distâncias físicas e psicológicas encurtadas, estamos todos vivendo simultaneamente as mesmas coisas, decisões, caminhos e claro, as consequências.

360 é o novo filme de Fernando Meireles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio sobre a Cegueira). Lendo alguns resumos na internet ou jornal, uma das resenhas sobre o filme, diz: “A partir de uma decisão simples tomada por um homem (Jude Law) – para se manter leal à sua esposa (Rachel Weisz) – acontece uma série de episódios que rodam o globo com conseqüências dramáticas, retornando 360 graus ao lugar da sua decisão inicial”

Numa outra li: “Inspirado em "La Ronde”, clássica peça de Arthur Schnitzler, 360 é uma reunião de histórias dinâmicas e modernas, passadas em diversas partes do mundo. Laura (Maria Flor) é uma mulher que deixou a vida na terra natal para tentar a sorte em Londres ao lado do namorado Rui (Juliano Cazarré vide Avenida Brasil!). Ao descobrir que o parceiro está tendo um caso com Rose (Rachel Weisz), ela decide voltar para o Brasil. Na volta pra casa, ela conhece um simpático senhor (Anthony Hopkins) e Tyler (Ben Foster), duas pessoas em momentos difíceis em suas vidas. Num outro lado da história, Mirka (Lucia Siposová) é uma jovem tcheca que começa a trabalhar como prostituta para juntar dinheiro. Ao mesmo tempo, lida com a desaprovação da irmã Anna (Gabriela Marcinkova). O primeiro cliente de Mirka é Michael (Jude Law), que por sua vez é casado com Rose”.

360 poderia também se chamar On The Road (numa referência ao também mais novo filme de Walter Salles), por recorrência à tantos personagens em trânsito, representados sempre pelos transportes: avião, trem, carro, e estradas…Estradas da Vida. Ou ainda The Road Not Taken, o famoso poema do americano Robert Frost, no filme representado por um provérbio de um sábio oriental. O filme também fala tanto e principalmente das escolhas que fazemos na vida, como também da nossa in-capacidade de chutar o balde e seguir viagem. Ideias essas, todo o tempo, feitas nas imagens dos aviões decolando ou aterrissando; dos trens que partem; dos aeroportos e o mau tempo (pois é preciso também saber a hora do tempo bom para partir!), ou simplesmente do carro que vai embora, e das portas que se fecham. Ou abrem!

Esse é um dos mistério da vida. Também. Saber a hora. De tudo! E nesse abismo vertiginoso do acaso, vivemos. Como saber a hora de cada coisa? Não sabemos. Intuímos. Explodimos. Tateamos. Racionalizamos. Deixamos levar-nos pelo coração. A vida fala por si. Os códigos. Os sinais de alerta. A porta que se fecha. A janela que se abre. O cavalo que passa selado somente uma vez…e são tantas as frases feitas, mas nenhuma que realmente tenha a resposta.

O filme fala também sobre a dúvida. Sobre a incerteza do ser humano de saber se jogar na vida, para não perder as oportunidades; essas que só batem à porta uma vez. Mas,como já disse Mrs. Dalloway (Virginia Woolf): “Viver é muito perigoso”! E os perigos estão em toda a parte, das mais extremas, como ir embora, como das mais corriqueiras, como usar ou não uma boina vermelha. Perigos que estão também na nossa inconveniência, na nossa sedução na hora equivocada, ou quando subestimamos nossa capacidade de ver os tais sinais de alerta.
360 é sobre muitas estórias que se comunicam. Seja nos enredos, nos links, na tela dividida, com a simultaneidade dos dias e das formas artísticas atuais. As metáforas visuais estão em toda parte: nas nucas; no apagar as luzes; no chegar e no partir e novamente nos settings. As conversas sempre indoors: na cama, no quarto, no hotel, no hall, no corredor, dentro do carro, dentro do avião, na sala de embarque, ou dando uma volta na principal Via de Viena. É preciso dar uma volta na vida! Poderia ser um ensaio prévio, oxalá o fosse. Mas a vida, ao contrário do que falou já o famoso dramaturgo, não é um palco, pelo menos nesse sentido. Já estreamos de fato! E quando saímos sem destino, não tem volta para uma apresentação mais satisfatória.

As cidades escolhidas por Meireles, começa em Viena e passa por Paris, Londres, Rio de Janeiro, Bratislava, Denver e Phoenix. Mas essas mesmas cidades, não são mostradas pelos seus pontos mais interessantes, ou mais conhecidos. Os interesses nesses lugares são outros. Meireles quer mostrar lugares off-road. Talvez para se articularem melhor com tantos tipos, tantas vidas. Paris não é só o Quartier Latin, nem Londres Covent Garden. São lugares mais periféricos; apartamentos pequenos, ou hotéis impessoais, ou imagens de janelas, pontes, tráfico, túneis, luzes que se misturam com a escuridão do cansaço e da falta de sono. O mundo é diverso, cinza, longe e barulhento. Mundão que no deixa com a visão turva, o que na maioria das vezes nos impede de enxergar, até o óbvio. Será que estamos todos a ensaiar sobre a cegueira?

McLuhan já disse há tanto tempo que O mundo é uma aldeia global, e 360 fala dessa globalidade. Maria que amava João, que amava Laura, que amava Blanka, que era irmã de Anna, que lanchava na praça, que saiu com o russo, que era marido da moça de boina vermelha, que se engraçou do muçulmano, que não podia ir além disso, e que rezou para Alá, e que a resposta foi Não. O homem de negócio que se culpou por querer um desejo à noite, que ligou para a mulher, que estava nos braços de outro, que largou a namorada, esta que, com raiva voltou para o Brasil, que encontrou o prisioneiro, que escapou, e conversou com o pai alcoólatra, que procurava a filha desaparecida……São tantas vidas, tantos encontros, momentos diversos, e uma linha imaginária, que liga quase todo mundo: na dor, na procura, na partida, na ocasião, que muitas vezes faz o ladrão!

Meireles escolhe o encontro amoroso para falar dessas bifurcações. O casamento na monotonia; o presidiário do sexo; a prostitua; o agente; seu irmão que obedecia, mas que deixava sua mulher no vazio; o fotógrafo ; o dentista muçulmano que não podia cobiçar a mulher alheia; o brasileiro que podia…e lá nave vá!

A personagem de Anna, a mais pueril, em contraponto à sua irmã, a prostituta Blanka, na sua inocência, e no seu picnic na praça, com frio e lanches e livros, vê a vida com mais clareza, e que, mesmo discordando das escolhas da irmã, espera por ela, e nessa espera, também toma as suas decisões de ir em busca da sua própria vida.Estava sentada à beira do caminho….quando um carro, digo, destino, bateu à sua porta.

Sei que por aí existem pessoas decididas. Que sabem sempre o que quer e que caminho tomar. E nem olham para trás, para ver se o outro caminho era melhor, como no poema de Frost: “O primeiro deixei, oh, para um outro dia!/E, intuindo que um caminho outro caminho gera,/Duvidei se algum dia eu voltaria.” Uma vez tomada a decisão….os caminhos jamais serão os mesmos. Já outras, estão sempre na dúvida, na angústia diante do sempre estado de bifurcação. 360 exibe todo esse cruzamento de personagens e suas possibilidades.

Mas a terra gira, a vida segue, os 360 graus do olhar foca, e a vida, também parece não sair do lugar. Outra foto, outra postagem de alguém que se dispõe a tirar a roupa física e metafórica, relaxada ou não, está aí, para que, outros encontros explodam, que a sincronicidade da vida e das pessoas, continuem a acontecer, e que o milagre dos encontros também sejam sujeitos das escolhas, das possibilidades amorosas ou não.

Ao final, todos os personagens, ou quase todos, têm sua epifania íntima e pessoal. Seguir é preciso. Reconhecer os vestígios e rastros da vida para seguir em frente. Mudar.

Quando o filme terminou, também tive minha ronda de 360, ouvindo uma das músicas da trilha, uma re-leitura da música do filme proibido Emmanuelle, filme esse que vi em London London, em 1975, auge da ditadura militar no Brasil, mas que jamais esqueci as cenas picantes com Sylvia Kristel, que com sua beleza plácida, também deu vida à não menos exuberante Lady Chatterley.

E segui fazendo meus links….saborosos, ou dando eu mesma, meus pinotes, à 360!
A vida é um moinho! Carlota sabia das coisas.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 20 de Agosto de 2012



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