Esporte

Suspensão de Rafaela Silva deixa em aberto vaga em Tóquio na categoria da campeã olímpica

Caso judoca não consiga reverter quadro, plano B pode ser optar por seguir com atleta do -57kg, como a jovem Ketelyn Nascimento, ou até mesmo mudar alguém de peso.


26/01/2020

Rafaela Silva em ação no tatame. (Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)

Globoesporte.com

A suspensão de dois anos imposta pela Federação Internacional de Judô (FIJ) à judoca Rafaela Silva pode mudar os planos da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) para a modalidade para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Ainda que apoie a campeã olímpica e acredite na extinção da pena na Corte Arbitral do Esporte (CAS), última instância da justiça desportiva, a entidade se vê obrigada a preparar um plano B caso a principal atleta da categoria -57kg não tenha condições de disputa a Olimpíada no Japão. De acordo com o gestor de alto rendimento Ney Wilson, uma reunião será realizada na próxima semana para conversar sobre o tema.

No momento, o Brasil tem Rafaela Silva na quarta colocação do ranking olímpico da categoria -57kg, e Ketelyn Nascimento, de 21 anos, é a segunda brasileira nessa listagem, figurando no 48º lugar. A jovem, que foi vice-colocada no reality show Ippon, do Esporte Espetacular, da TV Globo, estava sendo preparada para a Olimpíada de Paris 2024, mas agora não pode ser descartada para esse ano. Outras possibilidades também serão colocadas na mesa: subir uma atleta de categoria ou, até mesmo, descer alguém de peso.

“A gente está numa categoria em que a gente até então estava bem tranquilo, como a da Mayra (Aguiar), onde ela é absoluta. Hoje a gente muda isso. Temos que ter um plano B, apesar de acreditar que vamos contar com a Rafaela Silva nos Jogos. Pretendemos agora na segunda-feira nos reunir, eu, a Rose (coordenadora técnica) e o Mário Tsutsui (treinador) para discutirmos as possibilidades que a gente tem. Pode ser não só as atletas dessa categoria, como subir alguém de categoria, descer alguém de categoria, pensar nas possibilidades de um plano B, mas confiantes na Rafaela, porque ela é uma guerreira e sairá fortalecida”, comentou Ney Wilson.

Para poder disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 caso Rafaela Silva seja impedida pela Corte Arbitral do Esporte, Ketelyn Nascimento teria que subir muitas posições no ranking. A corrida olímpica do judô fecha no dia 25 de maio de 2020. A lista fechada nessa data valerá como classificação, e as 18 primeiras desse peso, com limite de uma atleta por país, entram diretamente na edição japonesa da Olimpíada.

Há vagas extras que serão abertas para a chamada qualificação continental, onde Ketelyn poderia entrar caso não fique entre as 18 primeiras do ranking. Com base na pontuação do ranking mundial, é criada uma espécie de ranking continental, que mistura atletas de várias categorias. São 11 vagas que devem ser preenchidas para as Américas. Entretanto, nesse caso, as judocas brigam com outras de pesos diferentes. Além disso, há limite de um atleta por Comitê Olímpico Nacional.

A possível ausência de Rafaela Silva também pode afetar a disputa por equipes mistas, que vale medalha. O -57kg é um dos pesos válidos nessa briga e, caso o Brasil não consiga ter atletas nele, pode precisar bolar outra tática para não ficar sem representante.

A CBJ emitiu uma nota oficial (leia abaixo) depois da suspensão da atleta. Rafaela Silva foi comunicada nesta quinta-feira e contratou Marcelo Franklin na sexta em substituição ao antigo advogado Bichara Neto. Por opção da defesa, a judoca somente vai se pronunciar depois da decisão da Corte Arbitral do Esporte. Ney Wilson, gestor de alto rendimento da Confederação, deu sua opinião sobre o assunto:

“Estamos acompanhando o caso bem de perto e acreditamos que foi injusta essa decisão. Estamos bem confiantes que a defesa possa reverter e que possamos contar com ela nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. O Pan não era uma competição de ranqueamento olímpico, não valia ponto algum. A melhor atleta de ranking olímpico era a Myriam Roper, que estava muito atrás no ranking e que em todas as lutas com a Rafaela na carreira, saiu derrotada. Então não teria motivo para isso. Eu acompanhei o antes, e eu senti muita sinceridade, como ela recebeu a notícia, como tentou resgatar tudo para entender, então eu acredito muito na inocência dela”, falou.

O primeiro passo da nova defesa de Rafaela Silva foi tomado nesta sexta-feira. O advogado pediu à FIJ a cópia integral do processo e, a partir da chegada do documento, terá 21 dias para estabelecer a linha de defesa e entrar com o recurso na Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça. A Federação Internacional do Judô aceitou o pedido.

A substância que fez Rafaela Silva testar positivo no exame foi o fenoterol, um broncodilatador presente em fármacos comumente usados para problemas respiratórios. A pena base para ela seria de dois anos, que é o período pelo qual a Federação Internacional suspendeu a brasileira. O CAS normalmente estabelece três faixas para esse grau de culpa: 0 a 8 meses para uma culpa branda, 8 a 16 meses para uma culpa moderada e 16 a 24 meses para uma culpa alta. O trabalho da defesa é que a hipótese se enquadra no primeiro patamar.

Caso Rafaela Silva: passo a passo

  • 9 de agosto de 2019 – Rafaela Silva venceu a final da categoria -57kg e se sagrou campeã dos Jogos Pan-Americanos de Lima, era a medalha de ouro que faltava em seu currículo. Nesse mesmo dia, ela realizou um exame antidoping, praxe aos medalhistas em competições desse tipo;
  • 29 de agosto de 2019– Rafaela soube do doping no Mundial de Tóquio, no Japão. Ela disputou a competição, conquistou a medalha de bronze e fez um novo exame de doping, que deu negativo. Ou seja, ela não foi pega no doping durante o Mundial, disputado 20 dias após o Pan de Lima;
  • 20 de setembro de 2019– Rafaela convocou uma coletiva ao lado de seu advogado na época, Bichara Neto, do seu mentor Flávio Canto, e do doutor Cameron, bioquímico, para explicar a situação. A atleta testou positivo para a substância fenoterol, que tem efeito broncodilatador e é usado comumente para tratamento de doenças respiratórias. É a mesma substância com a qual a nadadora Etiene Medeiros foi flagrada em 2016. Na época, a nadadora sofreu ma leve advertência e disputou a Olimpíada do Rio. A judoca explicou na coletiva que não tem doenças respiratórias e não faz uso de “bombinha”, e a suspeita é que a contaminação tenha ocorrido a partir do contato recorrente com um bebê. Lara, de sete meses, é filha de outra judoca do Instituto Reação, Flávia Rodrigues, e faz uso de medicação contra asma. O contato com a criança teria acontecido no dia 4 de agosto, cinco dias antes de ela testar positivo no Pan. Rafaela explicou que costumava dar seu nariz “para a criança chupar”, e Dr. Cameron, nessa ocasião, confirmou a possibilidade de contaminação dessa forma. Por não ter sido suspensa preventivamente, a carioca seguiu treinando e disputando competições;
  • 25 de setembro de 2019 – A PanAm Sports anunciou todos os casos de doping do Pan de Lima. Rafaela Silva estava entre eles e perdeu a medalha de ouro. O advogado Bichara Neto, que defendia a judoca à época, explicou que, mesmo se fosse inocentada, a perda era irreversível;
  • 7 de outubro de 2019– Rafaela fez sua primeira competição do Circuito Mundial após o caso de doping. Ela foi bronze no Grand Slam de Brasília e somou pontos para a corrida olímpica de Tóquio 2020. Poucos dias depois;
  • 19 de outubro de 2019– Rafaela foi bicampeã nos Jogos Mundiais Militares, na China;
  • 8 de novembro de 2019 – Por ser apenas uma substância listada pela Wada, o teste positivo para fenoterol não suspendeu Rafaela de maneira automática. Contudo, a atleta decidiu entrar em “suspensão voluntária”. A pena para doping por fenoterol varia entre advertência e até dois anos de suspensão, se for comprovada a ausência de intenção, mas com algum grau de negligência. Se for constatado que houve intenção, o gancho pode chegar a quatro anos. Foi uma estratégia da defesa da atleta;
  • 15 de janeiro de 2020– Rafaela apresentou sua defesa ao lado do advogado da época, Bichara Neto, em um painel da Federação Internacional de Judô (FIJ). Na ocasião, o doutor afirmou que tudo correu bem e que o resultado era esperado para sair dentro de uma semana. A sessão foi feita via videoconferência e fechada para a imprensa;
  • 23 de janeiro de 2020 – Rafaela foi comunicada pela Federação Internacional de Judô (FIJ) que está suspensa por dois anos. A decisão tiraria a campeã olímpica da Rio 2016 dos Jogos de Tóquio, que têm início em 24 de julho;
  • 24 de janeiro de 2020– A judoca contratou um novo advogado, Marcelo Franklin, para entrar com recurso no CAS (Corte Arbitral do Esporte), que é a última instância do direito desportivo mundial. A nova defesa já solicitou uma cópia da íntegra do processo e terá 21 dias a partir do recebimento para entrar com o recurso.

 

Notas oficiais

Rafaela Silva

“Venho, por meio desta, esclarecer a quem interessar possa, que após recente decisão da Federaçã Internacional de Judô, decidi que doravante minha defesa no caso de doping ficará a cargo da Franklin Advogados Associados. Por orientação do Dr. Marcelo Franklin, não me pronunciarei ou fornecerei detalhes do caso até a decisão final da Corte Arbitral do Esporte na Suíça. Confio plenamente que comprovaremos que a substância especificada fenoterol entrou acidentalmente em meu organismo e que não foi utilizada para fins de performance esportiva. Lutaremos até o fim pelo sonho de representar meu país nas Olimpíadas de Tóquio 2020, pois sei que nada fiz de errado e que ao final a justiça prevalecerá”.

Comitê Olímpico do Brasil

“O Comitê Olímpico do Brasil (COB) acompanha atentamente o processo envolvendo a judoca campeã olímpica e mundial Rafaela Silva.

Uma das maiores referências do esporte brasileiro, Rafaela possui uma carreira repleta de títulos, incluindo o ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016, que a transformou em uma das principais atletas do Brasil.

Com dedicação e talento, a atleta vem se mantendo no topo de sua modalidade há anos. Por isso, Rafaela foi frequentemente submetida a testes de controle de doping, sempre com resultados negativos.

Assim, o COB aguarda a decisão final do caso e ressalta que a atleta ainda possui o direito de recurso para a Corte Arbitral do Esporte.

Enfatizamos o compromisso do Comitê Olímpico do Brasil com o esporte limpo e o papel educativo da entidade para o tema”.

Confederação Brasileira de Judô

“A Confederação Brasileira de Judô seguirá acompanhando os desdobramentos do processo legal referente ao caso de doping envolvendo a judoca da seleção brasileira, Rafaela Silva, com a confiança de que a justiça prevalecerá.

Rafaela Silva é campeã olímpica e mundial, exemplo de superação dentro e fora dos tatames e um dos maiores ídolos do esporte brasileiro. A CBJ prestará o suporte que lhe couber e só se pronunciará novamente após a decisão final do processo.”

 

 



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //