Economia

Sobre economistas e lobo guará: a nova nota de duzentos reais no Brasil, por Márcia Batista da Fonseca


27/08/2020

A professora Márcia Batista da Fonseca

Por Márcia Batista da Fonseca, professora associada do Departamento de Economia, Universidade Federal da Paraíba

O lobo guará (Chrysocyon brachyurus) é um animal solitário que procura se manter distante dos humanos, da família dos cães e raposas da América do Sul. Aqui no Brasil é o animal símbolo do bioma cerrado e apesar de ser um animal extremamente elegante e icônico, é constantemente ameaçado por ações antrópicas, encontrando-se junto ao Ministério do Meio Ambiente classificado na categoria de risco de extinção “vulnerável”, nível de proteção grau 3. Espera-se vê-lo até o fim de agosto de 2020 na nova cédula de circulação de R$200 na economia brasileira. Segundo o Banco Central do Brasil (BACEN) a previsão é de impressão de 450 milhões de cédulas de R$200 este ano.

Destaque-se que o lobo guará já estampou a cédula de CR$100 (Cruzeiros Reais) entre dezembro de 1993 e setembro de 1994, período em que o país saiu de uma hiperinflação e passou a ter estabilidade da moeda com a introdução do Real em julho de 1994. Para se ter um a ideia da situação, em 1993, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atingiu 2.477% ao ano, mais de 200% de aumento médio de preços ao mês. A taxa de inflação hoje medida pelo mesmo indicador se situa na faixa de 2,31%, acumulada nos últimos doze meses e de 0,36% em julho de 2020. Depois de vinte seis anos do Real será a primeira vez em dezoito anos que a moeda terá nova nota. Os investidores têm com o que se preocupar?

O que está ocorrendo no Brasil é uma combinação de piora da economia global que se arrasta desde a crise de 2008, crise interna, expansão dos gastos públicos desde 2014, queda dos juros internacionais e a recente crise sanitária. Juntas estas varáveis provocam incerteza e afetam a variável “expectativa” dos agentes. Por falar em crise sanitária, o Brasil já ultrapassou os 540 mortos por milhão, com mais de 3,6 milhões de infectados e mais de 115 mil mortos, em cinco meses da decretação da crise sanitária. E para sobreviver a este caos, já que as previsões mais otimistas de queda no Produto do Interno Bruto (PIB) chegam a uma redução de 5%, o governo instituiu o programa da Renda Básica Emergencial (RBE) que provoca aumento no, já elevado, déficit público.

A RBE, que inicialmente previa a distribuição de R$200 reais como apoio aos trabalhadores informais que ficaram sem renda neste período pandêmico, devido a ação do parlamento, chegou a um valor de R$ 600 pagos por três meses e fora prorrogada por mais dois meses. Este auxílio temporário atendeu até o presente mais de sessenta milhões de brasileiros e o aumento da demanda por moeda provocado pela concessão do benefício foi uma das justificativas do governo para o lançamento próximo da nova cédula. O problema é o impacto causado pela RBE sobre o déficit público. Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal dada a situação de pandemia, e supondo-se uma redução da atividade econômica da ordem de 8%, num cenário pessimista em 2020, o déficit ultrapassaria os 100% do PIB.

Para um país com a história econômica recente do Brasil, qualquer expansão da oferta monetária é vista com certo resguardo. Existe a preocupação de que a emissão de moeda esteja sendo usada para financiar o déficit público no curto prazo. Há uma corrente muito forte na economia chamada de monetarista, descendente de Milton Friedman, que afirma que aumentos na oferta de moeda sem o equivalente aumento na produção de bens e serviços, o PIB, podem significar inflação, que é a doença da moeda. “A inflação é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário” dizia Friedman e rigor no controle dos gastos públicos é essencial para evitar o drama inflacionário.

A principal função da moeda é servir de meio de troca, permitindo a realização de pagamentos e as transações comerciais. A moeda também carrega a função de unidade de valor, sendo referencial para as trocas, que os bens e serviços possam ser expressos em quantidade de moeda. A função de reserva de valor garante a possibilidade de transferência de poder de compra do presente para o futuro. Quando os agentes procuram em outros ativos funções intrínsecas da moeda, esta começa a mostrar sinais de fraqueza.

Há expectativa de inflação para o Brasil? Com a taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para Títulos Federais (Selic) estando na faixa de 2% ao ano há uma redução no interesse dos investidores por títulos e um aumento da demanda por papel moeda (entesouramento) e para a compra de ativos que possam apresentar reserva de valor. Prova disso é a valorização de ativos considerados mais seguros, tais como o ouro, que em 2019 teve uma valorização de 18% e agora no primeiro semestre de 2020 já teve um a valorização de 30%. A prata, por sua vez, acumula valorização de 54,6% na bolsa de New York também este ano, de acordo com dados do Infomoney (2020).

Escrevo este texto para Beatriz, uma jovem millenium, nascida em 2001 e que atualmente não consegue entender como em um período de inflação tão baixa, economistas se encontram em polvorosa com o ressurgimento da imagem do lobo guará. Apesar do lobo guará tornar-se em breve o símbolo da cédula mais valiosa do Brasil, sua passagem anterior na história monetária do país não traz bom presságio. A estabilidade do real é sensível e a inflação é silenciosa e rápida quando existem elementos, como o elevado déficit público, que podem propiciar seu retorno.

 



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //