Nordeste

Revista NORDESTE: Frente Nacional atua em combate à matança de jumentos na região e anuncia solução contra comercialização pela China


01/05/2023

A revista NORDESTE acaba de lançar sua edição 195 em versão digital e impressa. A edição destaca a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, liderada pelo advogado, pesquisador e Professor Doutorando Yuri Fernandes Lima. Lima aborda a solução contra a comercialização de jumentos pela China, em defesa dos animais na região Nordeste.

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Coordenador Jurídico da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, ele lidera o Movimento Nacional em favor da preservação dos jumentos na região Nordeste brasileira.

 

Confira na íntegra:

 

‘CHEGA DE MATANÇA DE JUMENTOS

 

 

Frente Nacional sai em defesa dos animais na região Nordeste e anunciam solução contra comercialização pela China

 

 

 

Por Walter Santos

 

 

 

Yuri Fernandes Lima é advogado, pesquisador e Professor Doutorando (UFPR) e Mestre (UFBA) em Direito, bem como Autor do Livro “Direito Animal e a Indústria dos Ovos de Galinhas: Crueldade, Crime de Maus-Tratos e a Necessidade de uma Solução”.

Coordenador Jurídico da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos. Este resumo serve para lhe apresentar como líder de Movimento Nacional em favor da preservação dos jumentos no Nordeste Brasileiro.

Eis a entrevista exclusiva para Revista NORDESTE:

 

Revista NORDESTE – Como coordenador jurídico da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, qual a realidade da espécie em torno do Jumento no País, em particular nos 9 estados?

Yuri Fernandes Lima – Há algumas décadas os jumentos, anteriormente utilizados como meio de transporte e tração, passaram a ser substituídos principalmente por motos. Tal fato, aliado à falta de políticas públicas, fez com que fossem abandonados à própria sorte, vagando pelas cidades e rodovias. A indústria chinesa do ejiao, produto da medicina tradicional chinesa feito com o colágeno da pele dos jumentos e com propriedades supostamente afrodisíacas, rejuvenescedoras etc., encontrou, portanto, no Brasil, um ótimo lugar para a sua atividade extrativista.

 

NORDESTE – Como isso se efetiva na conjuntura?

Yuri Fernandes Lima – Eles coletam, e às vezes furtam ou compram por valores irrisórios – há relatos, por exemplo, de 10 jumentos vendidos por R$10,00 – transportam e abatem esses animais, sem qualquer preocupação com o bem-estar animal ou sanitária. Depois, exportam as peles para a China, onde é produzido o ejiao, que é vendido por preços altíssimos, tornando, portanto, a atividade extremamente lucrativa – a pele de um jumento, por exemplo, chega a ser vendida na China por até R$19.700,00. A carne é um subproduto, geralmente exportado ao Vietnam.

 

NORDESTE – Desde quando a entidade existe e o que já promoveu de redução de matança de jumentos?

Yuri Fernandes Lima – A entidade foi criada em 2016, quando o primeiro caso surgiu em Miguel Calmon/BA. Nós ajuizamos uma ação civil pública na Justiça Federal de Salvador/BA em 2018 e obtivemos uma liminar para suspender o abate de jumentos em todo o Nordeste. Essa liminar vigorou por um ano, impedindo a matança dos jumentos nesse período. Infelizmente, em 2019, o então vice-presidente do TRF-1, Kassio Nunes Marques, atual Ministro do STF, suspendeu a nossa liminar, sem fundamentação e em expedientes inconstitucionais promovidos pela União Federal e pelo Município de Amargosa/BA.

 

NORDESTE – Quando se estabeleceu a situação foi superada?

Yuri Fernandes Lima – Apenas no ano passado, 2022, conseguimos restabelecer a liminar, mas até agora ela vem sendo descumprida. Há inúmeros recursos interpostos por nós em Brasília e fazemos um esforço hercúleo para que eles sejam apreciados e providos, mas enfrentamos muitas dificuldades, dentre as quais a morosidade absurda do Judiciário.

 

NORDESTE – Informações existentes dão conta que são os chineses os maiores interessados no abate. Como a questão diplomática pode ajudar na solução do problema?

Yuri Fernandes Lima – Exatamente. O extermínio dos jumentos existe para abastecer a indústria chinesa do ejiao. A solução diplomática pode ajudar ambos os países a encontrar uma alternativa sustentável, como, por exemplo, o ejiao produzido em laboratório, a partir da zootecnia celular. Esse tipo de protocolo vem sendo estudado e desenvolvido no Brasil pela Professora Carla Molento, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal do Paraná – UFPR, bem como em outros lugares do mundo e poderia ser aplicado para produzir o colágeno dos jumentos em laboratório. A produção celular do ejiao abastecerá a demanda chinesa sem precisar matar mais um jumento sequer, acabando, portanto, com a crueldade e os maus-tratos envolvidos na atividade, o risco de extinção da espécie e a ameaça ao patrimônio genético e o risco à biossegurança, pois há focos descontrolados de mormo, zoonose sem cura e de alta letalidade, em todo o Brasil. Não bastasse, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB lançou a Portaria 13/2020, que não exige a realização de exames de mormo para os jumentos em trânsito na Bahia.

 

NORDESTE – Mas como se resolveu?

Yuri Fernandes Lima – Tal Portaria foi contestada pela Nota Técnica 1/2020 do Conselho de Medicina Veterinária da Bahia – CRMV-BA, bem como está sendo contestada por uma ação civil pública do Ministério Público da Bahia – MPBA e por uma ação popular do Deputado Federal Célio Studart (PSD-CE). Agora em abril, a comitiva do Presidente Lula para China preocupa a proteção animal e os cientistas no Brasil, devido à natureza extrativista e aos crimes ambientais envolvidos no abate e no comércio de pele de jumentos. Esperamos que os acordos que versam sobre o abate e a exportação de pele de jumentos não sejam reafirmados nessa viagem, pois essa atividade não representa um país com inegável vocação agrícola e altos padrões de rastreabilidade e biossegurança.

 

NORDESTE – Segundo informes, o abate visa obter o couro da espécie para produção de ejiao, um produto medicinal. Como a Frente encara essa conjuntura?

Yuri Fernandes Lima – A Frente respeita outras culturas e outros países, mas não aprova a matança dos jumentos, que representam patrimônio cultural imaterial do Brasil e estão sendo levados à extinção. Inicialmente, importante frisar que não há comprovação científica para as propriedades supostamente afrodisíacas, rejuvenescedoras etc. do ejiao. Além disso, como disse acima, esses animais sofrem extremos maus-tratos desde a coleta até o abate. São privados de água, alimentação, assistência veterinária, abrigo de sol e chuva. Os métodos de contenção e insensibilização para o abate são inadequados, pois, como não há cadeia produtiva de jumentos, os referidos métodos são adaptações dos utilizados para abate de outras espécies, como cavalos e bovinos. Com isso, os jumentos não são adequadamente contidos e insensibilizados. Em todos os casos que flagramos, Itapetinga/BA – 2018, Canudos/Euclides da Cunha/BA – 2019, Itatim/BA – 2021 e Paulo Afonso/BA – 2021, as condições dos jumentos eram as mesmas: privados de água, alimentação, assistência veterinária, abrigo de sol e chuva, muitos doentes, feridos e agonizando. Por isso, é importante encontrarmos uma solução sustentável, como a produção celular do ejiao.

 

NORDESTE – Como tem sido o volume, quantidade de abates nos últimos anos, produzidos em especial na Bahia?

Yuri Fernandes Lima – Em 2018, o CRMV-BA emitiu documento técnico, segundo o qual o efetivo de equídeos (equinos, asininos e muares) no Brasil teve queda de 2,7% entre 2011 e 2012 e a Região Nordeste registrou a maior queda absoluta, representando em termos relativos -4,7%, com destaque para o plantel de asininos, que teve queda de 7,4% no mesmo período. A queda absoluta foi fortemente alavancada pelo Nordeste, com peso significativo sobre o resultado nacional.

 

NORDESTE – Quais os desdobramentos?

Yuri Fernandes Lima – Todos os estados dessa região registraram queda, sendo esta mais acentuada nos Estados da Bahia (-9,3%) e de Pernambuco (-22,7%). Segundo o mesmo documento, em 2018 havia apenas 812.467 jumentos nordestinos e tal número vem sendo reduzido ano após ano. Os últimos dados a que tivemos acesso revelam que, em média, cinco mil jumentos são abatidos por mês apenas nos três abatedouros com Serviço de Inspeção Federal, sem contar os demais abatedouros que podem abater jumentos, mas não podem exportar sua pele de forma direta.

 

NORDESTE – De que forma, a Frente trabalha para monitorar a criação e abate de jumentos nos 9 estados?

Yuri Fernandes Lima – O abate de jumentos ocorre apenas no estado da Bahia, pois os três frigoríficos autorizados pelo Ministério da Agricultura – MAPA para exportar os produtos oriundos do abate de jumentos ficam nesse estado, nos municípios de Amargosa, Itapetinga e Simões Filho. Uma das nossas vontades é utilizar drones para sobrevoar todos os nove estados nordestinos, mas ainda não temos recursos para tanto. Quanto à produção, não existe e esse aspecto é bem importante. Diferentemente de bois e porcos, por exemplo, não há produção de jumentos, pois a atividade é custo-proibitiva. Por isso ela é extrativista e está levando os jumentos à extinção. Os animais são coletados, e às vezes furtados ou comprados por preços irrisórios, em todo o Nordeste e levados à Bahia nas condições precárias descritas acima. São aglomerados em fazendas de espera e, quando estão em número grande, levados aos abatedouros. Os flagrantes que mencionei acima foram exatamente nessas fazendas de espera.

 

NORDESTE – Como os órgãos governamentais federais e estaduais podem contribuir com a preservação dos animais?

Yuri Fernandes Lima – Nos dias 12 e 13/05/2023, realizaremos o I WORKSHOP – Jumentos do Brasil: Futuro sustentável. Impacto socioeconômico, segurança sanitária, papel ecológico, conservação e sustentabilidade no século XXI, na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia – UFBA. O evento tem como objetivo reunir especialistas para atualização e discussão de novos argumentos científicos que gerem soluções sustentáveis para a conservação dos jumentos do Brasil. Com isso poderemos apresentar propostas mais concretas aos órgãos públicos para a preservação dos jumentos. Porém, antes disso, precisamos acabar de uma vez com o abate. Além das ações judiciais acima descritas, bem como de outras mais, há projetos de lei nas Assembleias Legislativas dos Estados da Bahia e de Minas Gerais e na Câmara dos Deputados, com a finalidade de proibir o abate de jumentos no Brasil. Temos, ainda, processos administrativos em órgãos do Executivo, tais como o MAPA e o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Por fim, importante mencionar que uma das soluções em estudo para preservação dos jumentos, que inclusive será apresentada no Workshop, é um software para identificação de jumentos nas estradas e rodovias brasileiras, a fim de impedir o atropelamento desses animais. Esse estudo está sendo desenvolvido pelo Doutor Denis Sato, orientado pelo Professor Adroaldo Zanella, ambos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo – USP. Esse software poderá também ser utilizado para outras espécies, sendo mister dizer que o atropelamento de animais nas estradas e rodovias brasileiras é uma consequência da falta de políticas públicas e nunca dos animais. Assim, é inadmissível justificar o abate de jumentos pelos acidentes em estradas e rodovias envolvendo esses animais, como alguns fazem.

 

NORDESTE – Há em articulação, a realização em maio do I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento Sustentável da Caatinga. Como a Frente pretende atuar inserir o assunto e pauta?

Yuri Fernandes Lima – Podemos trabalhar em conjunto, no Workshop, no Seminário e para além deles, sobre as convergências de nossos propósitos. Um dos nossos objetos de estudo é o papel ecológico dos jumentos na Caatinga, pois, uma vez libertos do abate, a ideia principal é que eles possam viver livres em ecossistemas nativos, com pouca ou nenhuma interação com seres humanos. Outra questão, que é menos comum no Brasil do que em alguns países da África, por exemplo, é que algumas comunidades rurais, quilombolas etc. possam ainda ter relações de interdependência com os jumentos, de modo que podemos estudar conjuntamente soluções para o desenvolvimento sustentável na Caatinga tanto para os humanos como para os jumentos. Por fim, penso que à medida que aprofundarmos nossos debates poderemos descobrir novas convergências e soluções conjuntas.’



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