Celso Amorim fala com exclusividade à Revista NORDESTE sobre a nova fase da diplomacia brasileira no Governo Lula III

Imagem Substituída

Em entrevista exclusiva ao jornalista Walter Santos, na edição 190 da Revista NORDESTE, o chanceler Celso Amorim expõe com conhecimento de causa a conjuntura global diante do futuro Governo Lula, avalia positivamente relacionamento com EUA, a contribuição do Brasil nos BRICS, fortalecimento do Mercosul, urgentes reformas na ONU e fim do bloqueio de Cuba

Acesse aqui a nova NORDESTE

 

Amorim, no auge dos seus 80 anos, dos quais 60 deles a serviço da diplomacia e da vida pública cumpre missão superespecial na conjuntura atual por ser ao longo dos últimos 20 anos o mais influente interlocutor do maior líder vivo de Esquerda da América Latina, Luiz Inácio Lula da Silva, para assuntos de relações Diplomáticas do Brasil com o Mundo. Agora mesmo, diante da COP 27 – cujo primeiro ensaio se deu no Rio de Janeiro, em 1992, ele chega com Lula no Egito atraindo a condição de mais esperado Líder Global resgatando o protagonismo brasileiro no equilíbrio entre Nações.

Leia a entrevista na íntegra:

 

Revista NORDESTE – Por suas últimas declarações, há possibilidade de novo (a) comandante das Relações Diplomáticas ser alguém conduzido por um personagem fora da diplomacia. Isto é aceno pró Dilma Rousseff?

Celso Amorim – Eu não tenho nenhuma informação sobre quem será o novo ministro das Relações Exteriores e por isso mesmo não posso ver nenhum tipo de aceno, não sei o que que pode acontecer. Naturalmente que a presidenta Dilma Rousseff teria todas as qualidades mais outras para ser ministra, mas sinceramente não sei nem se ela aceitaria.

 

NORDESTE – Como o senhor encara a manifestação imediata das grandes nações reconhecendo a vitória de Lula diante do silêncio de Bolsonaro? Qual a contribuição do líder brasileiro na conjuntura global de agora em diante?

Celso Amorim – Há uma grande expectativa internacional em torno do presidente Lula, em primeiro lugar em função da questão do clima. Naturalmente, há uma grande diferença entre uma pessoa que permitiu e até incentivava de alguma forma a destruição da Floresta Amazônica e outra que vai defender a floresta com projeto de desenvolvimento sustentável e isso é fundamental para o mundo inteiro. Embora, evidentemente, a nossa parte da Amazônia esteja sobre nossa soberania, brasileira, isso não diminui a responsabilidade em relação ao problema que atinge a todos, esse seria um fator. Mas, muito além disso, na América do Sul há uma expectativa da liderança do presidente Lula sobre a integração na América Latina e Caribe em geral, mas sobretudo na América do Sul, na África há uma grande expectativa de contribuição.

 

NORDESTE – O que motiva esse frisson positivo em torno de Lula?

Celso Amorim – Em grandes países desenvolvidos também porque o presidente Lula tem conhecida atuação como homem de diálogo, homem de pacificação e com capacidade de liderança capaz de conduzir o mundo ajudar a conduzir um bom desenvolvimento de uma maneira positiva, pelo diálogo, sem confrontações, mas com firmeza. E o mundo depois da pandemia e em face do aquecimento da crise, da imediata necessidade de crescimento criadas pelo aquecimento global, que é uma ameaça à sobrevivência da humanidade e também da pandemia, vai precisar de uma liderança capaz de promover o diálogo e o presidente Lula é visto como essa pessoa. Então isso explica também a grande expectativa de todos em torno do presidente. O contraste com presidente Bolsonaro reforça ainda mais a expectativa em torno do presidente Lula.

 

NORDESTE – Que nível de relacionamento o presidente Lula terá com Joe Biden?

Celso Amorim – Com relação especificamente ao presidente norte-americano eu acho que a relação será cordial, como foi aliás com os presidentes norte-americanos, tanto o Bush quanto o Obama. Com o presidente Bush dou como exemplo, um dos exemplos, boa cooperação que os dois presidentes tiveram em relação ao grupo de amigos da Venezuela, permitindo que houvesse diálogo na época, e mais importante do que isso o diálogo que levou, inclusive à criação do G20 no nível de líderes, e a conversa entre Lula e foi constante, e Obama basta lembrar que ele se refere ao nosso presidente como “o cara”, o presidente, o político mais popular do mundo, e a nossa continuada cooperação inclusive em termos delicadas. Podemos até ter discordado em algumas coisas, concordado em outras, mas sempre o clima de maior respeito assim será também com o presidente Biden.

NORDESTE – São muitos os problemas na conjuntura, mas as guerras em curso (Ucrânia X Rússia), o abastecimento alimentar, de energia e os problemas ambientais a inserir a Amazônia na atual realidade se impõem. O que o senhor acha que o Brasil cumprirá?

Celso Amorim – O que já abordei em vários temas, a atitude do presidente em relação ao clima, a ação que ele terá internamente, mas certamente também ele vai ter uma participação importante no plano internacional com o governo brasileiro sendo capaz de não só cumprir os compromissos importantes que já assumiu antes, mas também ajudar os países em desenvolvimento a cobrarem dos países desenvolvidos, que são também muito interessado e talvez grandes interessados nesse tema. Ajudar com projetos e financiamento, que todos possam fazer a sua parte, e eles também tem que fazer a sua parte. Então, eu acho que será um grande impacto e certamente com essa questão da Amazônia tivemos no passado o ‘fundo Amazônia’ aqui com colaboração da Noruega e da Alemanha e é um exemplo que pode ser replicado, talvez com algum aperfeiçoamento. É uma base muito boa para poder inclusive ajudar a atrair capitais para o Brasil que contribuam com o desenvolvimento sustentável.

 

NORDESTE – O Brasil foi protagonista dos BRICS. Qual o futuro que o senhor projeta para esse bloco levando em conta o confronto entre o Ocidente e Oriente? E qual o papel do Brasil?

Celso Amorim – Hoje temos uma questão mundial mais complexa em relação aos Brics, mas isso não quer dizer que a gente tem que abandonar o grupo de forma alguma porque o grupo é importante para o equilíbrio mundial. O Brasil tem um papel importante dentro desse contexto, até porque é um país que tem um bom diálogo com todos os países ocidentais e ter um bom diálogo com China e Rússia também, historicamente, além da África do Sul e Índia.

 

NORDESTE – Inserindo os Brics na atual conjuntura…

Celso Amorim – Então, eu acho que os Brics continuarão a ter um papel importante. O que talvez seja necessário encontrar é um pouco de equilíbrio dentro dos Brics, porque hoje, diferentemente até certo ponto da época que os Brics surgiram, que já temos uns 15 anos, a China hoje é uma superpotência, então é preciso que se encontrem soluções que atenda a todos. Mas eu tenho certeza que isso é possível e servirá até de estímulo também para que os países desenvolvidos, sobretudo os próprios Estados Unidos, também possam investir mais de maneira mais produtiva nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil.

 

NORDESTE – com sua experiência comprovada, qual sua projeção da ONU diante da crise entre blocos cada vez mais criando força diminuta da Organização em relação ao bloco oriental?

Celso Amorim – O presidente tem falado muito da necessidade de reforma e de praticamente termos uma nova governança Global. A ONU se insere claro como o principal órgão dentro desse contexto, e eu acho que há muitas reformas necessárias. Por exemplo, acho que a própria criação do G20 lá atrás já demonstrou que as instituições econômicas não estavam funcionando a contento, que dos recentes não podia mais ser o condutor e o inspirador de todas as políticas econômicas.

 

NORDESTE – Então o que fazer?

Celso Amorim – Acho que agora com essas crises que tivermos, pandemia, aquecimento global, e sobretudo a guerra na Ucrânia, a necessidade de uma nova governança Global se torna clara. Dentro desse contexto, o mais urgente é a reforma do Conselho de Segurança. No mundo de hoje não pode aceitar que haja veto de cinco membros permanentes dentro de um contexto onde os países em desenvolvimento não tem nenhuma representação, tem representação ocasional. Eu mesmo, como embaixador do Brasil estive lá, mas muito diferentes de países que tem poder de veto aos que não tem. Então, isso é uma coisa que terá que ser reformada, certamente o mundo em desenvolvimento terá que ser representado e também tem que se levar em conta mudanças de equilíbrio, inclusive dentro da Europa e outros lugares. Tudo isso é necessário e terá que ocorrer. Mas também em relação aos temas natureza ambiental, climática, saúde e economia. Creio que é necessário que haja instituições mais adequadas aos tempos atuais.

 

NORDESTE – Quando o Ocidente resolverá o boicote de mais de 60 anos dos EUA com Cuba?

Celso Amorim – É uma tristeza esse bloqueio. Não é o Ocidente todo, é uma coisa específica dos Estados Unidos, que é muito complicado lá. Às vezes, os presidentes querem mudar e não conseguem por causa do Congresso. O presidente Obama tentou mudar um pouco reconhecendo diplomaticamente o governo Cubano, tentando aliviar um pouco certas funções, não totalmente, mas até certo ponto, e depois isso foi revertido pelo presidente Trump e o presidente Biden ainda não conseguiu fazer com que totalmente se voltasse pelo menos ao que Obama tinha feito.

 

NORDESTE – Por que manter o bloqueio se há países contrários?

Celso Amorim – Todos os anos há uma declaração na Assembleia Geral da ONU e o Brasil vergonhosamente chegou até a votar contra, mas nos últimos dois anos se absteve. São muito poucos os países que não apoiam, inclusive entre países que são de direita. Somente os Estados Unidos e Israel lutaram contra e mais um ou dois países que estiveram entre eles. É vergonhoso. Isso vai mudar.

 

NORDESTE – Qual sua projeção do Brasil no bloco dos países da América Latina, em especial América do Sul?

Celso Amorim – O presidente Lula sempre deu muita importância à integração da América do Sul e continuará a dar. É preciso reforçar o Mercosul. É preciso também buscar ver quais são as queixas de outros países que acabam influenciando em ações que podem afetar a integridade do Mercosul. É o caso de o Uruguai querer fazer acordo de livre comércio. É preciso saber como atender os problemas do Uruguai sem que afete a essência do Mercosul, que é a tarifa externa comum. Além disso, o presidente Lula já se comprometeu a trabalhar para que o Congresso Brasileiro aprove, porque a última instância que é necessária para que a Bolívia passe a ser membro pleno do Mercosul.

 

NORDESTE – O que esperar a mais?

Celso Amorim – Acho também importante, o presidente Lula também tem mencionado, que é revitalizar a Unasul, e no contexto mais amplo da América Latina e Caribe, não esquecendo que o Caribe tem muito boas relações conosco, portanto, se faz necessário tratar de reforçar a Celac. Os Governos mexicano e argentino fizeram um bom trabalho, mas a volta do Brasil é essencial.

 

NORDESTE – Qual a CPLP voltará a ter apoio total do Brasil e como o futuro do governo tratará as relações com Portugal?

Celso Amorim – A aproximação com a África é fundamental, evidentemente em todos os aspectos e CPLP é um pouco parte disso. Foi de certo modo uma aproximação do Brasil com a África pois ainda lá no governo Sarney começa pela criação, naquela época, do Instituto da Língua Portuguesa e depois do governo Itamar, governo Fernando Henrique, com a criação da CPLP. O presidente Lula sempre deu muita força, compareceu às cúpulas e estará novamente dará apoio a essa importante instituição que tem valor político e econômico e até na área de defesa. Eu, como ministro da Defesa pude acompanhar manobras conjuntas na CPLP.

 

NORDESTE – qual será seu papel neste novo momento da vida nacional?

Celso Amorim – Quem tem que definir isso é o presidente Lula. Eu não tenho nenhuma inspiração específica a não ser ajudar. Estou com 80 anos, 60 anos de serviço público de uma forma ou de outra, sempre ligado à diplomacia, embora tenha passado também pela Embrafilme e pelo Ministério da Ciência Tecnologia, mas sempre dedicado ao serviço público e continuarei a fazer sempre que for necessário, sempre que achar que a minha contribuição é útil. Lembrando sempre, como o presidente Lula sempre lembra, a proposta dele próprio, que ninguém é insubstituível, ninguém é imprescindível.

Mais Posts

Tem certeza de que deseja desbloquear esta publicação?
Desbloquear esquerda : 0
Tem certeza de que deseja cancelar a assinatura?
Controle sua privacidade
Nosso site utiliza cookies para melhorar a navegação. Política de PrivacidadeTermos de Uso
Ir para o conteúdo