Economia

Professor Paulo Amilton analisa ‘os mitos sobre a previdência brasileira’; leia


11/04/2019

Foto: Reprodução



O professor Paulo Amilton, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba, analisa em seu mais novo artigo no Portal WSCOM ‘os mitos da previdência brasileira’.

O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Departamento de Economia da UFPB e o Grupo WSCOM.

Confira:

‘Os mitos sobre a previdência brasileira – parte 1

Por Paulo Amilton Maia Leite Filho

 

Peço desculpa aos meus oito leitores por voltar a um tema muito batido, que é a atual reforma da previdência. Justifico o retorno ao assunto pela importância do mesmo e porque andei lendo opiniões de diversas pessoas sobre o assunto. Algumas delas são chocantes pela capacidade de dissimulação. Serão essas que foi me ater no artigo de hoje.

Em 1954, Darrell Huff e Irving Geis lançaram um livro muito interessante chamado “how to lie using statistics” (como mentir usando estatística). Em 2016 ele foi traduzido ao português pelas mãos de Bruno Casotti. Sou professor de econometria, que usa fartamente estatística, e sempre tive fascínio por este livro. Parece que não apenas eu, mas várias outras pessoas tem o mesmo sentimento por ele, pois estão mentindo demais usando dados estatísticos. Vamos a algumas delas:

“O déficit da previdência é fake”, Maria Lucia Fattorelli, da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP).

 “O déficit da previdência é uma pedalada constitucional, uma pós-verdade, para usar um termo da moda”, Eduardo Fagnani, professor da Unicamp.

Esses senhores defendem que o Orçamento da Previdência tem que ser analisado levando em conta toda a Seguridade Social, o sistema que engloba os recursos da área da saúde, de assistência social, além das aposentadorias e pensões. Explicando, existe no Brasil o conceito de seguridade social. São os gastos para garantir uma coesão social ao Brasil. Aqueles que garantem que a partir de certa idade não perambulem pelas ruas de nossas cidades indivíduos completamente desamparados porque chegaram a uma idade que suas capacidades laborativas tenham se esgotado. Dentre estes gastos, além da previdência (regime próprio dos servidores públicos e regime geral da previdência), existem os gastos com Benefícios de Prestação Continuada (BPC), Assistência Social, Aposentaria Rural e Saúde (INSS).

Para financiar esses benefícios foram criadas algumas contribuições sociais, tendo as suas receitas vinculadas ao Orçamento da Seguridade Social. São elas, a COFINS, a CSLL e parte do PIS/PASEP.   CSLL, COFINS, PIS/PASEP são impostos disfarçados de contribuição social. Criados após a constituição de 1998, não são partilhados com os Estados e Municípios. Ao mesmo tempo em que se criaram essas contribuições, foi aprovada emenda constitucional em 1994 “desvinculando” parte dessas receitas do Orçamento da Seguridade, permitindo o seu uso para custear despesas do Orçamento Fiscal. Atualmente, o percentual de desvinculação é de 30%.

O argumento dos autores das frases anteriores é que não existe déficit na seguridade social. Se todos os recursos, acrescidos aqueles desviados pela DRU, fossem utilizados para pagar a aposentadoria, ainda sobraria. Acontece que existe apenas um caixa no tesouro nacional. Ele é utilizado para pagar todas as despesas do Estado. Se houver remanejamento de uma área para outra, vai faltar para aquela área que perdeu recursos. Não é justo tirar dinheiro para financiar a saúde pública, muito utilizada pelos menos favorecidos em termos de renda, para pagar aposentadorias de indivíduos em situação financeira muito mais favorável. Outra, A DRU retirou dos recursos da Seguridade Social em 2018 o montante de R$ 91,7 bilhões, mas recebeu do Orçamento Fiscal da União R$258,6 bilhões.  Aí temos claramente um jogo de números, como bem ensinou (Huff e Geis).  

Outra frase fantástica é: “…. Em várias regiões do país, a expectativa de vida é 64 anos. Como é que vai aposentar aos 65?”, de Carlos Gabas, ex-ministro da previdência social do governo Dilma Roussef.  

A frase embute uma incrível dissimulação. A expectativa de vida se refere ao que se espera viver quando se nasce. Nela estão envolvidas as mortes por violência física, por doenças, etc. O que importa para a previdência é a expectativa de sobrevida. É o tempo que o indivíduo ao se aposentar continua recebendo o benefício. Quem chega aos 65 anos de idade tem expectativa de sobrevida até os 83,5 anos, ou mais, mesmo nas regiões mais pobres do País. E tem mais, naquela idade as expectativas de vida não são muito diferentes entre as regiões brasileiras, como mostra o IBGE. Ou seja, se alguém se aposenta aos 55 anos, pode continuar recebendo por quase trinta anos. Se for mulher, receberá mais tempo o benefício do que passou contribuindo. Claramente tal fato não gera equilíbrio atuarial para a previdência.

No entanto, a frase que mais gostei porque cabe certinho na definição do jornalista americano H. L. Mencken, que afirmou, “para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada”. Está de Denise Gentil, professora da UFRJ, cai como uma luva: “A União não cobra das empresas sonegadoras e ainda entrega a elas a possibilidade de pagarem menos tributos legalmente. Então, é próprio governo que provoca o déficit.”

Dos R$ 433 bilhões inscritos na dívida ativa previdenciária em 2016, R$ 52 bilhões estão garantidos ou já estão sendo pagos parceladamente. Outros R$ 251 bilhões são de remota recuperação, pois a maioria é devida por empresas inativas ou sem patrimônio. Restam R$ 130 bilhões que estão em cobrança com potencial de recuperação. Mesmo que fossem recuperados automaticamente, contudo, não cobririam nem o déficit R$ 189 bilhões de 2017. Feito isso, não haveria mais recursos da dívida ativa para cobrir o déficit de 2018, 2019, que continuará existindo.

Como se vê, existe muito embuste no debate sobre a reforma da previdência. Como dizia Edmar Bacha na década de 1970, “O povo brasileiro não merece a elite que tem”. ‘



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