Economia

OPINIÃO: A reforma trabalhista no Brasil e os impactos sobre o trabalho feminino

O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


12/12/2019

Na imagem, a professora da Universidade Federal da Paraíba, Rejane Gomes Carvalho



Por Rejane Gomes Carvalho

 

Longe de expressar um ambiente de igualdade, o mercado explicita as diferenças nas condições de trabalho por gênero, raça, instrução e idade. Neste sentido, não é a flexibilização das relações de trabalho, como símbolo de modernização, que vai proporcionar mais equidade no mercado de trabalho. As mulheres aparecem como um dos segmentos mais afetados, uma vez que representam grande parte da força de trabalho desempregada, na informalidade e sem proteção social, situação que tende a se agravar em momentos de crise.

 

O discurso de que os altos custos trabalhistas impedem a criação de mais empregos e o crescimento econômico, justificou a urgência de um novo pacto político para a aprovação da terceirização irrestrita e das reformas trabalhista e previdenciária. Contudo, não se viu a criação de empregos e nem a retomada do crescimento, pois não é o custo do trabalho o único elemento que define a disposição dos empresários em investir. Suas decisões de investimentos são afetadas, sobretudo, pelo ambiente de desconfiança na economia e as incertezas de retorno em um cenário político e econômico conturbado.

 

Do ponto de vista do trabalho feminino, a reforma trabalhista de 2017 apresenta alterações que impactam negativamente sobre as mulheres em situação mais vulnerável, expondo uma compreensão rasa sobre as reais condições do trabalho feminino no Brasil e sobre a questão da reprodução (maternidade). Apesar da lei prever a possibilidade de melhores condições para mulheres gestantes ou lactantes, o direito não é garantido, tendo em vista que as condições do trabalho estarão submetidas à livre negociação com o patrão. A realidade mostra a ausência de infraestrutura na maioria das empresas para atender essas condições, já que é uma mão-de-obra de fácil substituição. Por outro lado, os serviços públicos de transporte, saúde e creches não atendem adequadamente as necessidades desse segmento, fazendo com que as mulheres que trabalham fora de casa precisem ocupar algum membro da família (avó, tia, filha mais velha, etc.) para auxiliar no trabalho de cuidado das crianças, além de assumirem jornadas de trabalho menores. A reforma trabalhista é insensível às características estruturais do trabalho feminino. Assim, é possível que muitas mulheres com filhos precisem se submeter a situações de trabalho precário, mal remunerado e informal.

 

Um indicador que demonstra a presença das mulheres no mercado de trabalho é o número de horas trabalhadas. Em geral, as mulheres registram menos horas trabalhadas em relação aos homens, justificado pelo fato de muitas precisarem ocupar jornadas de trabalho inferiores para lhes permitir conciliar o trabalho fora de casa e os cuidados com os filhos. O rendimento do trabalho também expõe a desigualdade existente entre os sexos, tendo em vista que as mulheres ganhavam cerca de 77% dos rendimento dos homens, apesar do maior nível de instrução e do crescimento da participação no mercado de trabalho, em 2018, de acordo com a PNADCT/IBGE.

 

Considerando a estrutura ocupacional, a maior estabilidade das mulheres se encontra na atividade pública. É neste setor onde existe maior equidade de gênero quanto aos cargos ocupados e remunerações. Por outro lado, a CLT rege a maior parte dos contratos de trabalho formais no Brasil no setor privado, destacando-se a indústria de transformação e construção civil com o maior número de contratos para os homens. No caso dos setores de comércio e serviços, as mulheres aparecem com um percentual elevado de contratos, o que pode ser explicado porque, tradicionalmente, as mulheres têm grande participação nas atividades de saúde, educação, vendas de mercadorias e cuidados pessoais. Chama atenção a grande proporção de pessoas com outros tipos de vínculos, que podem ser trabalhadores temporários, com contratos por tempo determinado, trabalhadores avulsos, aprendizes, regidos por estatuto do trabalho rural, entre outros. Este comportamento pode refletir os primeiros efeitos da reforma trabalhista com o aumento do trabalho autônomo ou terceirizado, embora também possa expressar a desinserção de milhares de pessoas das ocupações formais em função da crise econômica (RAIS, 2019).

 

O número de Microempreendedores Individuais (MEIs) cresceu a passos largos no Brasil entre 2009 e 2019, elevando em mais de 20 vezes o volume total de empresas criadas e alcançando mais de 9 milhões de empreendedores individuais. No tocante às atividades realizadas dos MEIs, por sexo, observa-se a predominância das mulheres nas atividades de produção de alimentos, comércio e serviços, destacando-se os tratamentos de beleza, cabeleireiros, atividades de fabricação de alimentos em estabelecimentos fixos ou ambulantes e produtos têxteis, além das atividades típicas do comércio. É importante chamar atenção para o fato de que, mesmo que as mulheres sejam envolvidas intensamente pela ideia do empreendedorismo, sua inserção majoritária se dá nas atividades tradicionalmente definidas como femininas. Além disso, pode significar uma saída precária para muitas mulheres que precisam conciliar o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e a vida econômica sem sair de casa, o que termina por submetê-las a atividades com extensas jornadas de trabalho e com baixa remuneração. A partir da nova legislação trabalhista de 2017, observa-se o aumento significativo do trabalho intermitente, com crescimento de mais de nove vezes em 2018, comparado com o número de contratos existente no ano anterior, apresentando expressiva participação dos homens. No caso das mulheres, sua maior presença encontra-se no trabalho parcial. Nesta nova configuração do mercado de trabalho, emerge a figura do trabalhador autônomo e proativo, empreendedor de sua própria força de trabalho, sempre à disposição do mercado. É esta figura legitimada pelos vínculos de contratos intermitentes, parciais, teletrabalho e os MEIs, que dissimulam a precarização e a informalidade do trabalho.

 

Para o trabalho feminino, as perdas são mais significativas, tendo em vista o reconhecimento tardio das mulheres como força de trabalho produtiva, especialmente, para o trabalho doméstico. Ademais, as mulheres têm maior dificuldade em atender às condições de disponibilidade exigidas pelos novos contratos, pois realizam diferentes jornadas de trabalho para contemplar os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos. Sendo assim, em situação de crise e aumento do desemprego, para muitas mulheres, resta o empreendedorismo individual precário, o trabalho parcial e a informalidade. Muitas dessas novas modalidades de trabalho, independentemente de serem registradas ou não, terminam funcionando como extensão da vida doméstica. Assim, a desigualdade de gênero no trabalho assume novas formas, mesmo que estejam ressignificadas pela imagem do empreendedorismo e da autonomia.

           

 

*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Rejane Gomes Carvalho é professora da Instituição.

 

*Doutora em Sociologia do Trabalho/PPGS/UFPB. Coordenadora do projeto PIBIC/UFPB sobre trabalho e gênero. Integrante do LATWORK: Pesquisa e inovação das instituições de ensino superior da América Latina para a análise do mercado informal de trabalho.



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