Economia & Negócios

OPINIÃO: ‘A economia em tempos de Coronavírus’, por Wilson F. Menezes


26/03/2020

O professor Wilson Menezes, da UFBA

Por Wilson F. Menezes

No final dos anos 80, o Japão era o grande astro do comércio internacional. Era o tempo do just in time, kanban, círculos de controle de qualidade etc. nascidos inicialmente na Toyota, depois se estendeu para outras indústrias de montagem. Com sua nova ordem de organização industrial, esse país inundou o mercado de carros dos Estados Unidos, a despeito da forte apreciação da moeda japonesa. Nesse momento, as empresas japonesas ganharam tanto dinheiro que possibilitou o domínio do império do sol nascente sobre Manhattan. Nesse interim, um grande exportador francês, sabedor do potencial econômico daquele país oriental, encheu um grande navio de telefones de parede e partiu para uma venda local. Esperando uma grande conquista econômica, apenas descobriu, no entanto, que no Japão as casas não têm parede. Logo, não poderia haver demanda para tal produto. No primeiro caso, o preço competitivo dos carros foi conquistado através de uma revolução organizacional na fabricação dos mesmos. Essa mudança na forma de organização da produção permitiu uma queda do preço e, ao mesmo tempo, foi possível uma elevação da margem de lucro graças a redução dos custos mais que proporcionalmente à queda do preço de venda. No segundo caso, claro que o preço desses telefones de parede foi a zero, mas ninguém se interessou em sua aquisição. Para carro japonês havia uma demanda americana, para telefone de parede francês a demanda japonesa era zero.

Em circunstâncias normais de oferta do produto, da renda do consumidor e dos demais elementos que possam influenciar o livre jogo do mercado, é a demanda que determina a quantidade do produto que as firmas conseguem vender. Existe uma relação inversa entre o preço e o quantitativo das vendas. Preço mais elevado, corresponde a uma demanda menor de venda e vice-versa. Mas o movimento da demanda também exerce uma implicação sobre o preço. Digamos que a demanda se altere para mais em decorrência de mudanças abruptas no comportamento do consumidor decorrentes de inúmeras razões (variações positivas no gosto, na moda ou mesmo no rendimento etc.); digamos ainda que essa demanda tenha ficado mais inclinada em relação à demanda original, isso significa que o preço desse produto se elevará mais que proporcionalmente à elevação da quantidade. Esse é exatamente o caso do que vem ocorrendo com o álcool gel nesses tempos da “cólera” chinesa, cujo preço em uma farmácia de Fortaleza saltou de R$ 2 para R$ 12 o frasco de 50 gramas. Esse aumento “sem justificativa” foi considerado abusivo pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará, a qual enquadrou a proprietária da farmácia no Código de Defesa do Consumidor e, por conta disso, a mesma foi detida. Sem dúvida, uma ingerência governamental sobre as leis de mercado.

Todos sabemos que os preços do álcool gel e das máscaras se elevaram bastante, em decorrência de grande e súbito aumento de suas respectivas demandas, proporcionando um abastecimento problemático desses produtos. A forte e inusitada alteração da demanda tem sido mais que proporcional à capacidade dos fornecedores em aumentar suas produções no curtíssimo prazo. Mas, mesmo considerando a real necessidade da população diante da pandemia do coronavírus, esse movimento dos preços é mais que natural, somente sendo contraposto com um aumento da oferta, para a qual os produtores irão avaliar se essa alteração da demanda é passageira, caso não seja algum tempo ainda será necessário para que essa oferta se eleve. É bom lembrar que um congelamento de preços na atual conjuntura estaria contribuindo para o surgimento de um “mercado negro” para esses produtos, de maneira que se trata de uma política não recomendável.

Então, o que fazer? Em parte, o governo já tomou dois tipos de medidas importantes. O primeiro visa um reforço do orçamento familiar, quando valores não sacados do PIS/PASEP serão transferidos para as contas do FGTS, permitindo então novos saques que podem chegar a um valor de R$ 21,5 bilhões. Ainda nessa modalidade de medidas, também será antecipado o pagamento do abono salarial, com desembolso previsto para junho próximo, no valor de R$ 12,8 bilhões; além disso, serão destinados ao Bolsa Família algo em torno de R$ 3,1 bilhões, para que mais de um milhão de famílias entrem nesse programa, bem como será implementado um adiamento por três meses no prazo para pagamento dos impostos e contribuições (tal como FGTS). O segundo tipo de medidas visa uma desoneração de inúmeros produtos que fazem parte da cadeia hospitalar. Assim é que serão eliminadas as alíquotas de importação para produtos de uso médico, bem como está sendo estudada uma proposta de desoneração temporária do IPI tanto para produtos importados, quanto para produtos internos necessários ao combate do coronavírus, além da destinação do saldo do fundo do DPVAT para o SUS, algo em torno de R$ 4,5 bilhões.

Não resta dúvida que a chegada do Covid-19 vem impondo alterações comportamentais junto à população. A necessidade de uma quarentena a toda a sociedade faz com que a população fique retida em seus lares, ao tempo em que há uma suspensão das atividades do sistema de ensino privado e estatal, além do fechamento temporário de cinemas, academias e a até mesmo de shopping centers. Tem-se ainda as interdições do transporte aéreo, marítimo e terrestre seja no plano internacional ou nacional (interestadual, intermunicipal e mesmo urbano). Restrições dessa dimensão apresentam resultados negativos sobre toda a sociedade, em particular no âmbito da economia. Pequenos e médios negócios não resistirão, faturamentos, ocupações por conta própria e empregos serão terrivelmente suprimidos em um momento em que a taxa de desemprego ainda é muito elevada, afinal estávamos apenas iniciando um processo de recuperação econômica. Não obstante, surge mundialmente uma onda de esperança para o tratamento do chinavirus com a mesma droga que combate a malária.

Enfim, a lei de oferta e demanda existe e não pode ser revogada. Ela está sendo maltratada por circunstâncias extra economia. O álcool gel, máscaras e luvas, por exemplo, sumiram das farmácias e supermercados, isso alavanca seus preços para cima. Para que esse mesmo movimento não se estenda aos demais produtos é preciso uma atenção especial ao abastecimento da população, sobretudo no que diz respeito aos produtos de primeiríssima necessidade (alimentos e higiene). Uma logística especial no fornecimento de todos os produtos está sendo montada, para que não tenhamos uma situação similar ao dos telefones de parede, agora com oferta zero. Mas a quarentena imposta à população, apesar de necessária, em si mesma deixará seus efeitos deletérios. O risco é o colapso dos mercados, instalando um ambiente de catástrofe social em pouco tempo. A paralisia da economia ameaça uma grande depressão. Mesmo assim, ainda que respondam por 18% do turismo mundial, meus caros chineses per favore non venire in Brasile, temos bastante problemas com a última sino importação. Deus grandioso nos acuda, o inferno é o limite do dragão da maldade.

* O artigo é resultado de uma parceria entre o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o Portal WSCOM.



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