Brasil

NORDESTE revela maestro de Paraisópolis enfrentando crime e preconceito

Maestro Paulo Rydlewski expõe a força da resistência na transformação social de jovens negros e pobres com música erudita em bairro populoso paulista, recentemente atingido por massacre policial em baile funk sem ainda punição aos militares flagrados em crimes


28/01/2020

Paulo Rydlewski e Orquestra Filarmônica de Paraisópolis

Por Walter Santos

UMA LUZ NA ESCURIDÃO de PARAISÓPOLIS/SP

A realidade de Paraisópolis, bairro de grande dimensão populacional, convive há tempos com a presença étnica de pessoas jovens, negras, e cultuadoras do funk como expressão cultural que bem lembra a revolta de bairros de periferia nos Estados Unidos. Recentemente, o atentado com inúmeras mortes causadas por policiais militares de São Paulo em baile funk tem produzido sentimento de luto profundo. Neste cenário, contudo, resiste um projeto cultural extraordinário e antigo comandado pelo maestro Paulo Rydlewiski ensinando jovens a conviver com a música erudita de qualidade. Nesta entrevista, ele analisa a conjuntura.

 

Revista NORDESTE – A apresentação da Orquestra Filarmônica de Paraisópolis em evento de Média dos BRICS, em São Paulo, ainda hoje é lembrada, isto antes do massacre em que jovens foram mortos em ação da Polícia Militar. Maestro, como é expor para vários continentes e várias culturas diferentes uma abrangência musical em que a qualidade do que significa a música erudita ela se impôs. Como você vê essa discussão do mundo globalizado e como você e o seu trabalho dialogando com esse tempo de tantas músicas ruins?

Paulo Rydlewski – É uma situação que, a princípio, me sinto como todos, no qual não estávamos entendendo direito os caminhos que a música estava tomando. Na verdade, hoje em dia depois de algum tempo, inclusive trabalhando com muitas pessoas, eu trabalho tanto na música erudita, sinfônica, quanto na música popular. Aliás, vejo assim: houve um momento do mercado em que ele se direcionava apenas para três caminhos, ou seja  o funk, sertanejo e o pagode. Eu sou da época que quando eu ligava o rádio do meu carro, não o Spotify que eu tenho hoje em dia, eu escutava Tom Jobim, escutava Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, escutava esses músicos maravilhosos que criaram e nos deram de presente a melhor música popular do mundo, que é a música popular brasileira.

 

NORDESTE – De onde o senhor vem já ouvindo nos anos 60, essa gente qualificada, essa onda artistica que rivalizava com uma outra turma da Jovem Guarda, a do “iêiêiê”. O senhor não quis ir para o “iêiêiê” e ficou nessa música reflexiva. De onde você vem?

Paulo Rydlewski – A minha família gosta de música, daí, por exemplo, em Paraisópolis onde eu trabalho, eu vejo que quando a família ajuda a criança conhecer música a diferença é brutal. Ela abre os horizontes, ela começa a abrir horizontes. Por exemplo, quando chegaram os nossos primeiros alunos em Paraisópolis eles gostavam de funk, só que eu não vou dizer nada contra o funk. Para mim o funk, até acho um ritmo gostoso de dançar, mas o resto não vou comentar [sic]. Mas eu digo assim, eles começaram a conversar e conhecer música e hoje em dia vários deles são apaixonados por Bach, Beethoven, Tom Jobim, Milton Nascimento. Eu acho que essa abertura para todos os estilos musicais é muito do Brasileiro, né? E aí o que é que eu vejo? Eu acho que estamos passando muito por um momento de mercado em que a música se banalizou exatamente por causa dos meios que são oferecidos para ela se comunicar, para ela ser conhecida pelo público. Se você for ver bem, hoje nós temos muitos jovens talentos no Brasil, muitos jovens fazendo muita música.

 

NORDESTE – Então porque o mercado, falando do tradicional, as rádios, as TVs, sobretudo, esses dois grandes veículos, eles priorizam playlist com músicas mais banais, músicas que terminam tendo uma influência estética na cabeça das novas gerações, sem profundidade. Onde você enxerga essa motivação desse mercado, além do ‘buscar dinheiro’.

Paulo Rydlewski – Teoria da informação. Quanto mais simplificada a informação, mas ela se comunica. É bem isso, por exemplo, há produtores musicais, infelizmente, que pensam exatamente dessa maneira. Vou simplificar dando um grande exemplo; esse funk que fala mal da mulher, esse que promove a violência, a sexualidade, é uma coisa absurda. Eu lhe digo que eu tenho pela minha vivência em Paraisópolis que muito dos jovens que dançam essas canções não estão escutando nem sequer direito a letra, não sabem do que se trata.  É, sem dúvida, uma forma de manipulação, mas que cabe a nós, e temos poder para mudar isso, já que o público brasileiro conseguiu coisas incríveis na nossa história. Não sabemos nos organizar direito, as vezes somos permissíveis com a corrupção e outras coisas, mas nós temos muito poder e quando a gente quer, somos capazes de fazer isso [barrar a manipulação].

 

NORDESTE – Maestro, durante algum tempo, esse em que a indústria musical se impôs, havia o império, digamos assim, das gravadoras. Com o advento da internet, elas perderam esse comando e, enquanto elas mantinham o domínio, elas estabeleceram um instrumento chamado ‘jabá’, que é pagar para rádios divulgarem determinadas músicas. Hoje, não existe mais essa indústria, mas as rádios, quem está no comando delas produz o mesmo ‘jabá’. Como você analisa isso?

Paulo Rydlewski – Olha, você chegou no ponto essencial. Sabe aquela história do menino que começou lá atrás? ‘Eu só quero ser feliz’, né? Aquele primeiro funk… O que acontece hoje? As comunidades que sempre foram desprezadas em termos de cultura, educação, de saúde no Brasil, que são tratadas, sabemos como, melhor não falar, elas de repente conseguiram produzir música. Porque aquele menino financia um computador e coloca lá um programa de música que agora permite que ele crie na casa dele. O que ele vai refletir? Ele vai refletir exatamente a realidade dele e isso é terrível, mas ao mesmo tempo é a nossa dura realidade. Ele reflete a educação que teve, talvez ele nunca tenha lido Jorge Amado, entre outros. O que ele tem acesso está sendo exposto naquela música.

NORDESTE – Esse era um mercado antes dominado pela indústria discográfica, mas agora são os donos de rádios que tocam por convicção mercadológica o que lhe interessa. Como é que a sociedade pode construir uma alternativa para que não haja esse lixo tão ampliado?

Paulo Rydlewski – Olha, vou falar de uma experiência que tenho de trabalhar com jovens e de uma outra dentro da minha própria casa, com meu filho. Ele tem 20 anos e está se lançando no mercado como cantor e compositor. Vou lhe dizer; sim, há muita gente fazendo muita coisa boa, com jovens de muito talento. Os jovens instrumentistas que tocam nas bandas brasileiras, são jovens de extremo talento e habilidade, eles são melhores que as gerações anteriores no que fazem. Claro, guardado as proporções dentro da música que eles tocam. Mas, essa possibilidade de se gravar em casa, fazer o que você quer, sem ter que fazer um contrato com uma gravadora, coisas que aconteciam antigamente, isso acabou.

 

NORDESTE – Está é a realidade do seu filho?

Paulo Rydlewsk – Não, ele opta por uma MPB de mais qualidade, ele mistura um pouco de Rap no trabalho dele, porque também é poeta. Ele tem um trabalho alternativo, ele não está nessa mídia, ele tem o próprio trabalho. Mas, assim como ele, muitos outros artistas de sua idade têm trabalhos incríveis.

 

NORDESTE – Qual o futuro que o senhor projeta para a música brasileira diante deste caldeirão em que a playlist pronta, onde mercado o mercado impõe essa quantidade imensa de músicas que tem adeptos e é de péssima qualidade do ponto de vista musical?

Paulo Rydlewski – Olha, a música, assim como a arte, ela tem um senhor que é o tempo. Se você olhar bem, quantas vezes já tocamos a Quinta Sinfonia de Beethoven? E quantas vezes eu espero que ainda vamos tocar, não é verdade? Então, quantas vezes já tocamos a Bachianas de Villa Lobos?  Sempre dá espaço.

 

NORDESTE – O senhor tem no repertório de hoje elementos da musicalidade carioca, alguns outros de Bossa Nova e terminou com um grande clássico nordestino de Mourão. Como você consegue combinar diferenças ?

Paulo Rydlewski – Isso é maravilhoso, eu não consigo sequer ficar parado quando estou regendo, dá logo vontade de dançar forró. Aliás eu quero te dar os parabéns, ninguém nunca ouviu uma declaração minha como essa, mas lá em Paraisópolis, digamos que 85% que moram lá vieram do Nordeste e eu acredito que o povo mais musical do Brasil é o nordestino. Eu conheci um grande músico nordestino, que aliás foi meu grande professor de regência, que me ensinou tudo o que precisei saber para reger uma orquestra. Inclusive, eu tenho mais de 140 concertos fora do Brasil. Ele se chama Eleazar de Carvalho, um cearense, lá de Iguatu, que foi tocar na banda para ganhar lanche, isso é incrível.

 

NORDESTE – Qual o rumo da música erudita diante dessa cena musical tão desqualificada? O que o Brasil pode ter nesse cenário daqui em diante?

Paulo Rydlewski – Isso é extremamente contraditório as vezes, citando a nossa realidade. Por exemplo, a temporada de Ópera em São Paulo, casa lotada. Esse tipo de música é vista por alguns lados políticos como uma música extremamente elitista, o que não tem nada a ver com as suas origens. A Ópera é a música do povo. Eu vejo assim; sim, existe público para música erudita, eu acho que a música erudita ela vai continuar eterna enquanto houver gente que goste de boa música, mas ela ainda tá tentando se aproximar do grande público, onde grandes orquestras já tocaram com músicos populares, com bandas de rock e eu particularmente já fiz isso centenas de vezes. Essa de Paraisópolis acabou de tocar com a Paula Lima, com a Isa, essas duas divas da MPB, foi uma grande honra para nós. Então, digamos assim, eu acho que é uma questão de se renovar, procurar novas linguagens, novos caminhos.

 

NORDESTE – Como um homem, com o seu grau de intelectualidade, enxerga o Brasil mergulhado nessa postura de retrocesso, por exemplo, onde o Ministério da Cultura que não existe mais, novos rumos da Educação, enfim. Como viver com esse decréscimo, no que podemos chamar de retrocesso?

Paulo Rydlewski – É muito difícil, inclusive, o retrocesso, ele tem contido dentro dele o inesperado. Ele é atemporal. Quando ele se instala, parece que voltamos a 1964, as atitudes, os comportamentos das pessoas, é um pouco disso. Confesso que tenho um certo receio neste sentido, mas vou lhe dizer uma coisa; está para nascer o político brasileiro que conseguir prejudicar a nossa cultura. Eu acredito na auto implosão. Eu acho que o caminho dessa atual política de se impor contra a arte, cultura, educação, saúde e até o meio ambiente, eu ainda estou absolutamente chocado com o que vi, inclusive com a falta de respeito e tratamento aos outros. Nós podemos não concordar em absolutamente nada, mas nem por isso precisamos ser inimigos e nos ofender. Isso para mim é essencial.

 

NORDESTE – Qual seria o recado que você daria aos cidadãos e cidadãs dos nove estados do Nordeste do Brasil?

Paulo Rydlewski – Que se eu pudesse eu ia morar lá[sic]. Por mim já teria ido morar lá  há muito tempo. Meu pai mesmo já foi morar em Maceió, ficou alguns anos, mas por conta da família aqui de São Paulo não conseguir se deslocar para lá, ele teve que voltar para cá. Mas eu acredito que o povo do Nordeste é guerreiro, é musical, é talentoso. Por exemplo, meu maior ídolo da cultura do Brasil se chama Ariano Suassuna, e ele é nordestino. O meu grande professor de música foi Eleazar de Carvalho. E a pessoa pelo qual eu fiz o maior trabalho musical da minha vida, restaurando parte da obra dele, se chama Alberto Nepomuceno, outro cearense.



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