Paraíba
Ipojuca Pontes lembra em análise o Diário Carioca e o livro “Os Grandes do Nosso Mundo”
Em texto exclusivo para o Portal WSCOM, o escritor, jornalista e dramaturgo lembra a “escola” de jornalismo no Brasil através do Diário Carioca e ainda o novo livro sobre “Os Grandes do Nosso Mundo” onde destaca diversos paraibanos.
04/12/2023
Ipojuca Pontes
O Diário Carioca foi o jornal que revolucionou formalmente a imprensa brasileira. De fato, em face daquele periódico pode-se dizer que o nossojornalismo, saindo da era da pedra lascada para encamparnovas técnicas de redação, ingressou na modernidade ao introduzir conceitos originais de agilidade à informação.
Ademais, o matutino carioca criou o copidesque, figuraindispensável que imprimiu aos textos do noticiário maiordose de objetividade. Com a adoção da técnica do lead e do sub-lead, por exemplo, o jornalincorporou às matérias o “máximo de informação no mínimo de espaço”.
Por sua vez, para maximizar os conceitos de integridade, proporção e clareza á redação dos textos, o DC criou seu Manual de Redação,instrumento indispensável para a melhor praticidade da leitura.
Ao lado de tais inovaçõestambém se impuseram, como previsível, arrojados padrões gráficos que passaram a utilizar, entre outras inovações, letras garrafais nacomposição das manchetes, além de fotos de proporções inusitadas e a paginação em branco, que dispensava o uso de linhas divisórias para separar as colunas.
Muito bem. Devo dizer queingressei no Diário Carioca em junho de 1964. Eu pretendia frequentar o curso de cinema administradas pelo documentarista sueco ArnieSucksdorff, mas não deu. Como precisava ganhar o pão, caí na repordagem geral do Diário Carioca que lutava para competir, à époco, com os grandes jornais do Rio, a saber: Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo e Diário de Notícias.
Confesso que para mim o DC foi uma experiência jornalística fundamental. Nele, aprendi a conviver com os medalhões do pedaço sem as indefectíveis inibições provincianas e. melhor ainda, entrevistar e reconhecer personalidades decentes que não tratavam de manipular, tungar ou cortejar o repórter – uma prática que perdura até hoje na imprensa. Foi um avamço profissional.
Em retrospecto, o Diário Carioca foi fundado em 1928 por José Eduardo Macedo Soares com o claro objetivo de combater o governo de Washington Luis, o presidente para quem “governar era abrir estradas”. Na realidade, antes mesmo da deposição de WL, o jornal abria manchetes invocando a Revolução de 30 e a subida de Getúlio Vargas ao poder.
Mas o encanto durou pouco. Quando o caudilho gaúcho virou ditador, Macedo Soares passou a conbatê-losem dó nem piedade. No seu pendor oposicionista, o jornal atacou a ditadura de Getúlio, mas os governos de Gaspar Dutra, JK e Jânio Quadris –de todos vítima de inúmeros empastelamentos.
Na minha fase de repórter, o Diário Carioca tinha sede própria na Av. Rio Branco, 25. Seu proprietário era Horácio de Carvalho, concessionário de uma mina de ouro em Minas Gerais e marido de Lily, ex-Miss Paris e futura mulher de Roberto Marinho, o chefão Global.
O Editor-responsável do jornal, o colecionador de livros raros Zélio Valverde, nunca aparecia na redação. Os editorialistas principais eram Prudente de Moraes Neto e o circunspecto Danton Jobim, que tinha sido dono do jornal eo passara de volta ao “doutor” Horácio de Carvalho (com a anuência de Macedo Soaresque ocasionalmente searrastava entre as mesas da redação).
Quem movia o Diário Carioca era o exigente, desbocado e competenteDeodato Maia, secretário que chegava no jornal por volta das 9 da manhã e só largava opepino quando fechava a redação às 9 da noite. Alto, forte, de bigode e voz tonitroante, era uma figura. Quando estava de bom humor, Maia levantava a cabeça e gritava:
– Corno!
Toda redação se voltava atenta, e então ele esclarecia:
– Só chamei um!
Por usar óculos de lentes de fundo de garrafa devido a miopia acentuada, Deodato me chamava de Mister Magoo. Aos iniciantes no ofício, dizia que o jornalismo era um negócio tão bom quanto a bolsa: sabendo trabalhar direitinho, o sujeito ganhavabem pelo que publicava e, muito mais, pelo que NÃO publica.
Um dia, ao ler artigo meu sobre Fellini publicado noDC-2, me colocou para fazer a crítica de cinema do jornal com a gratificação de 120 cruzeiros mensais. Foi uma maravilha. Com esse dinheiro comprei minhas primeiras lentes de contato duras, com as quais me livrei do apelido de Mister Magoo e passei a encarar de frente a bela Regina Snaider, pauteira do jornal.
Como colaborador do DC-2, entrevistei gente como as irmãs Linda e Dircinha Batista, Dalva de Oliveira, o Barão de Itararé, SetteCâmara, Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes e Nelson Rodrigues, o papa do escândalo, que afirmou que todas as mulheres gostavam de apanhar – mas que “só as neuróticas reagiam”.
O corpo de repórteres era constituído, entre outroscobras, pelos experientesCesário Marques e HèlioRocha, Isnar CardonaMachado, gaúcho que foi serchefe da sucursal de O Globo em Brasília, Flávio Macedo Soares, futuro diplomata em Roma. Antonieta Santos, Eloy Navarro, Carlos Marques e Arnaldo Dutra.
Os copidesques eram Jose Carlos Oliveira, cronista do JB, o contista cearense Hélio Pólvora, José Ramos Tinhorão e o comunista roxo Milton Coelho da Graça.
Os colunistas, que me lembre, eram o crítico AntonioBento, assinando a coluna de Artes Plásticas; Ricardo Galeno, que escrevia sobre música popular; Francisco Pereira da Silva, teatro. Jean Pouchard fazia a crônica Social e Mauritônio Meira ,maranhense, o informe Roda Viva. Vez por outra Armando Nogueira escrevia sobre futebol,
A editoria política do Diário, instável, era composta por Pinheiro Dias, Sebastião Nery e o baiano Carlos Alberto Oliveira, o Caó, ex-vice-presidente da UNE e mais tarde Secretário do Trabalho e Habitação do governo Brizola.
A Editoria Internacional era dirigida pelo eficiente José Auto e José Augusto Ribeiro funcionava como repórter especializado.
Com a saída de Caó, Deodato me escalou para fazer a cobertura do Ministério da Justiça, comandado – termo justo – pelo general Juracy Magalhães, que tinha sido governador da Bahia e havia tramado a Revolução de 30 na Paraíba. Ao saber que eu era paraibano e conhecia José Américo, passou a me tratar com deferência.
Mas o Diário Carioca tinha suas esquisitices. Dois dias antes do Natal de 1965promoveu um evento com a participação de Zé Arigó, curandeiro de Minas Geraisque causava grande rebuliço: ao entortar facas e garfos sem neles tocar, além de operar os crédulos pacientes sem uso de anestésicos.
Por fazer criticas severas ao governo de 1964, o Diário Carioca não sobreviveu ao regime militar.
Privado das verbas publicitárias, fechou suas portas definitivamente em 31 de dezembro de 1965. Foi uma comoção geral.
Muita gente boa, olhos marejados, chorava pelos corredores ao saber que o jornal, até o dia anterior ganha pão seguro,estava acabado.
De minha parte, depois de receber meu último salário, fui comer com os demais amigos desempregados uma paella na Galeria Alasca, tratando em seguida de arrunar as malas e voltar para a Paraíba e filmar“Os Homens do Caranguejo”, documentário laureado que, em boa hora, me abriu asportas do cinema.
NOTA DA REDAÇÃO – ´Já esta nas livrarias “Os Grandes do Nosso Mundo”, o livro que revela a Paraíba aos paraibanos.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.