Futebol

Estaduais misturam atraso e tradição e abrem ano dos gringos no Brasil

Copa


18/01/2014



 Em 2014, o mundo da bola estará de olho no Brasil. Para quem quer conhecer melhor o futebol do país, o ano começa neste fim de semana, com o início de alguns dos principais Estaduais do país. Expressão mais original da modalidade em território verde-amarelo, os torneios regionais misturam atraso e tradição e explicam aos gringos um pouco do que eles devem encontrar por aqui.

Na elite do futebol, não há quem dê tanta importância a competições deste tipo. Os países que mais se aproximam disso são Alemanha e Inglaterra, que usam competições regionais como a base de suas pirâmides, servindo de acesso à última divisão nacional ano após ano.

No Brasil, os Estaduais também cumprem esse papel, com o acesso à Série D e à Copa do Brasil, mas vão muito além. Na periferia do futebol, esses torneios representam a principal, e por vezes única, possibilidade de título de uma equipe. Mesmo a elite não consegue ignorar os campeonatos, que em geral rendem boas receitas de televisão e ainda têm seu valor esportivo.

Essa importância não se dá por acaso. Foi baseado nesse modelo de disputa que o futebol brasileiro se firmou no cenário mundial. Criado oficialmente em 1971, embora tenha tido seus antecessores em modelos diferentes, o Campeonato Brasileiro não viu o tricampeonato da geração de Pelé, referência para o exterior.

"Acho que o fato de o Brasil ser um país muito grande, de dimensões continentais e diversidade cultural muito grande, é refletido no futebol. Os campeonatos regionais expressam a diversidade física e cultural do país. Do ponto de vista da competição esportiva, na maioria das vezes eles não são grandes coisas, mas eles traduzem a paixão local e a rivalidade", disse Mauricio Murad, professor titular do mestrado de sociologia do esporte na Universo (Universidade Salgado de Oliveira).

Hoje, de fato, o cenário é bem distinto. Libertadores e Brasileiro estão em patamares muito superiores de importância para os clubes, e muitos observadores enxergam os Estaduais como uma espécie de tradição exótica.

"Infelizmente, o Brasil nunca fez um marketing internacional de seus campeonatos. Tradicionalmente, os Estaduais não têm importância no exterior", disse Joaquim Piera, jornalista espanhol do diário Sport, que vive no Brasil desde 2003.

"Eles disseram que o Vitória era o campeão. Era campeão mesmo, só que campeão baiano", contou Petkovic certa vez ao Programa do Jô, relembrando como o clube de Salvador convenceu um meia do Real Madrid a mudar-se para o futebol brasileiro.

A visão dos estrangeiros, cada vez mais, é compartilhada no Brasil. Hoje, os Estaduais estão no epicentro do debate mais acalorado do futebol nacional. São eles os vilões involuntários do calendário apertado e da curta preparação dos clubes. As propostas de mudança vão desde a extinção até a ampliação dos torneios regionais, mas uma alteração real ainda está distante no horizonte.

No ano passado, um levantamento do Bom Senso FC mostrou que um grande clube brasileiro pode jogar até 85 vezes na temporada, contra 69 da Inglaterra, segunda colocada no ranking. A diferença explicaria, na visão de especialistas do esporte, a razão pela qual as maiores potências verde-amarelo não conseguem render tudo o que poderiam.

No modelo atual, mesmo os clubes menores são prejudicados. O levantamento do Bom Senso, feito em parceria com a Universidade do Futebol, mostra que 85% dos clubes do país ficam inativos por mais de seis meses do ano, já que o Estadual se encerra em menos de um semestre e eles não estão na disputa das divisões nacionais.

Qualquer mudança, porém, esbarra na estrutura vigente do poder no futebol brasileiro, ainda calcado na lógica regionalista. O presidente da CBF hoje é eleito pelas 20 equipes da Série A e pelas 27 federações estaduais. São os torneios como o Carioca, o Paulista, o Baiano, o Amapaense e todos os outros similares espalhados pelo país, portanto, que sustentam a maioria na votação mais importante do esporte verde-amarelo.

Dentro das federações, a estrutura é igualmente delicada. Grandes clubes, teoricamente os mais interessados em uma mudança, muitas vezes têm o mesmo peso de ligas amadoras do interior, que pesam na balança na hora de uma eleição.

"Acho que o caso do futebol no Brasil tem uma característica de ser uma coisa muito amadora. Os campeonatos em que a profissionalização chegou se nacionalizaram. São campeonatos mais rentáveis, com mais visibilidade, e ganha-se muito do lado profissional, financeiro e econômico, mas perde-se do lado cultural", avalia Murad.


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