Opinião

Em crônica filosófica, Damião Ramos Cavalcanti indaga: Haverá novo ano?

"Há quem, ao desejar-nos um feliz 2025, deixa a impressão que será um pacote de dias felizes, num invólucro".


28/12/2024

Secretário de Estado da Cultura, Damião Ramos Cavalcanti

Portal WSCOM



Haverá novo ano?

 

 A resposta dependerá do leitor. A primeira exigência será a de existir, a segunda que saiba contar o tempo e que 2024 está terminando no último dia de dezembro. Obviamente aos mortos não interessa esse assunto, tampouco  calendário, mesmo quando se tratar da data da sua morte. Se o tempo é um continuum, sem interrupção, depois da morte, aí é que ele não para, mesmo se tornando interesse só dos vivos, seguindo a invenção dos que tiveram vida e tempo para isso. Se não fosse assim, quem contaria o tempo, marcando suas intercalações? Nesse sentido, já imaginei o fim da vida, o retorno ao caos, consequente do maltrato à natureza ou das bombas atômicas, mais destrutivas do que aquelas, lançadas pelo presidente Truman (1945)  em Hiroshima e Nagasaki. Restarão apenas pedras, talvez pedras que não sabem o que é o tempo, tampouco o passar dos anos. Quem contará os dias?

Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança” (Paulo, Cor 1, 13, 11) e como criança nem pensava sobre o tempo. Foi exatamente o que aconteceu com o meu neto Otto que, viajando da Paraíba ao Rio Grande do Sul, protestou à mãe, Esther: “Nunca mais ando de avião, demora muito”… Raciocínio perfeito que desvinculou o espaço do tempo. Sua comparação foi do tempo com a demora da viagem aérea, mais longa do que ele sempre faz a Campina Grande, à casa dos primos. Ele considerou as distâncias ausentes nas suas inferências. Depois de conhecido e tirado sua curiosidade na espaçonave e olhado as nuvens, o avião não lhe apresentava vantagens e demorava mais do que o carro do pai, Yuri, nas viagens pelo interior da Paraíba.

Muitos de nós, depois de crianças, uma vez adultos, procedemos da mesma forma, desvinculando o tempo não tanto do espaço, mas materialmente de coisas e de fatos, que finalmente se circunstanciam na categoria do espaço, por acontecerem em algum lugar, no seu tópos. E assim o raciocínio sai logicamente correto como na lógica infantil, com premissas do tempo de criança e com uma conclusão irreal.

Continuemos procurando duvidar de como seria o tempo, se vazio de vida, das nossas atividades, planos e afazeres, dos momentos de conforto e desconforto. E quem diria o que seria esse tempo? Então, convenhamos que seja medindo a nossa existência e relacionando-a com outras existências, mensuramos o tempo. Contamos os anos e até comemoramos idades e projetamos nossas longevidades nessa contagem, chamando-a de aniversário ou festa de Ano Novo.
Nesse sentido, não esqueço uma das definições do tempo, que me dava meu Professor de Cosmologia, Filippo Selvaggi, sj, na Pontificia Universitas Gregoriana: “O tempo é uma convenção do homem entre um antes e um depois”. Somente o intelecto humano convenciona o tempo, essa curiosa categoria aristotélica. Já Santo Agostinho não deixa de atribuir ao homem seu predomínio sobre o tempo; o homem preexistindo à concepção do tempo, seria ele que faz o tempo e não o tempo, o homem.

Há diferenças entre os anos que já passaram? A diferenciação acontece pelas características daquilo que fizemos nesse passado. Há quem, ao desejar-nos um feliz 2025, deixa a impressão que será um pacote de dias felizes, num invólucro. Aqui a ideia agostiniana calha bem: Sem sua pessoa e suas realizações, o ano novo será vazio.



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