O dia depois de amanhã
Por Erik Figueiredo
(Agradeço, sem implicações, a Lucas Mariano, Bradson Camelo, Ana Annegues e Wallace Souza).
No filme de Roland Emmerich, cujo título inspira o deste texto, uma enorme tempestade provoca um tsunami que dizima grande parte da população americana na cidade de Nova Iorque e no restante do mundo. Após as ondas, os sobreviventes têm de enfrentar uma frente fria que ameaça congelar tudo que se move. Ficção a parte, provavelmente nenhuma onda gigante deve atingir o Brasil e nem uma frente fria congelar o país, porém, o surgimento da pandemia do COVID-19 ameaça milhares de vidas assim como a tsunami no filme, aos sobreviventes, restará encarar uma forte recessão nos meses que estão por vir após o lockdown, congelando a economia e agravando a crise econômica. Posto isso, é de suma importância o debate a cerca de quais ações devem ser tomadas pelos agentes políticos e privados para amenizar os efeitos dessa pandemia no país.
O COVID-19 tem movimentado todas as ações públicas e privadas nos últimos dias. O fechamento de shoppings, restaurantes e academias e, o consequente, distanciamento social são uma realidade nos dias atuais. Não há o que discutir, essas medidas são essenciais para enfrentarmos essa pandemia. Contudo, em meio a um cenário pouco animador, florescem iniciativas que renovam as nossas esperanças relativas à solidariedade e altruísmo de nossa sociedade. Enquanto digito esse artigo, um grupo de pessoas, incluindo médicos, empresários, procuradores, policiais civis e militares, cientistas, professores, políticos e gestores públicos estão discutindo as ações emergenciais de combate ao Coronavirus no território paraibano. O grupo, intitulado de “Frente pública e privada da Paraíba”, se baseia até então, em três tópicos emergenciais: 1) provimento de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde e segurança; 2) estruturação da rede de hospitais e; 3) apoio as pessoas carentes e aos portadores de necessidades especiais. Muitas das ações virão a publico nos próximos dias e serão vitais para atravessarmos esse período tenebroso de nossa história. Confesso que essa iniciativa renovou minha certeza de dias melhores. Confio plenamente na capacidade das pessoas envolvidas. Em resumo, acredito que, com um bom planejamento e uma boa parcela de sacrifício, conseguiremos superar a pandemia.
Mesmo assim, gostaria de alertar para algo que ocorrerá depois. A crise econômica resultante pode jogar milhares de pessoas em situação de pobreza. Como um tsunami que sucede um terremoto, a pobreza e a desigualdade podem ser um vetor de perpetuação do vírus. A lógica é simples, as pessoas mais pobres podem ter dificuldade em manter os padrões de higiene requeridos pelos órgãos de saúde e uma nova onda do vírus poderá retornar no médio prazo. Essa é uma das conclusões do artigo do New York Times “As Coronavirus Deepens Inequality, Inequality Worsens Its Spread” (Link aqui: https://www.nytimes.com/2020/03/15/world/europe/coronavirus-inequality.html). Para quantificar esse impacto em nosso estado é preciso lançar mão de dois estudos. O primeiro foi desenvolvido por Warwick McKibbin na Australian Financial Review (link aqui: https://www.brookings.edu/opinions/global-macroeconomics-of-coronavirus/). Usando um modelo de simulação matemática, o autor calcula os possíveis impactos do vírus sobre o Produto Interno Bruto (PIB) de diversos países. Diversos cenários são montados. Os mais otimistas preveem uma queda no PIB brasileiro em torno de 0.3%. O mais pessimista prevê um recuo de 8%.
Pois bem, esses números aliados ao cálculo da sensibilidade da pobreza em relação ao PIB (ver Annegues, Souza, Figueiredo e Lima (2015): Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 44. Link aqui: http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/391), indicam que a pobreza no estado da Paraíba poderá crescer cerca de 4% até o final do ano. É importante ressaltar que, nos dias atuais, a Paraíba possui cerca de 40% da sua população vivendo abaixo da linha de pobreza. Em números absolutos, são quase 1 milhão e 600 mil pessoas. Com crise, seriam acrescidas quase 70 mil pessoas a esse montante. Seria como se toda a população de Cabedelo se torna-se pobre nos próximos 6 meses.
Sem dinheiro para ficar em casa e se tratarem, as pessoas irão querer ir para as ruas a procura de trabalho, expondo as pessoas ao seu redor. Com isso, é primordial que o governo consiga convencer essas pessoas a ficarem em casa enquanto apresentarem sintomas e garantir que tenham um sustento para suas famílias enquanto não retornam ao mercado de trabalho formal após o surto. Aqui, é necessário entender a distinção entre trabalhadores formais e informais. Para os trabalhadores formais, a transição das pessoas desempregadas de volta ao mercado de trabalho pode será lenta e nada garante que eles irão ocupar as mesmas funções nas mesmas empresas, portanto, apesar de conseguirem emprego levará um tempo para atingir o mesmo nível de renda antes do surto. Ademais, é sabido que sob recessão, a pressão social seria enorme, gerando uma grande instabilidade política que irá mudar a forma que a sociedade brasileira encarava algumas questões coletivas como saúde e proteção social.
Diante desse cenário, questiona-se: O que fazer para evitar isso? Esse é o desafio posto na mão dos nossos pesquisadores de desenvolvimento econômico. Evidente que as ações de combate a pobreza devem envolver as esferas Federal, Estadual e Municipais. Falemos um pouco das possíveis ações do Governo Federal.
Em primeiro lugar, o Governo Federal poderia arcar com parte do salário dos trabalhadores de microempresas, que deverão ser as mais afetadas com a recessão, evitando essa fricção do nível de emprego. medida adotada na Inglaterra. (Link aqui: https://www.theguardian.com/uk-news/2020/mar/20/government-pay-wages-jobs-coronavirus-rishi-sunak). Ademais, para os mais pobres e trabalhadores informais algumas medidas defendidas pelo pesquisador Marcelo Medeiros do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) parecem plausíveis: i) o pagamento atual do Bolsa Família de R$ 200 deveria aumentar para R$ 400 ao longo dos próximos seis meses para as 13 milhões de famílias beneficiadas pelo programa (custo estimado em R$ 15,6 bilhões); ii) sob os mesmos moldes, a inclusão das 12 milhões de famílias do Cadastro Único no Bolsa Família com custo estimado em R$ 29 bilhões ; iii) quanto aos trabalhadores informais, se o desemprego atingir 25% do total (10 milhões desempregados), considerando que metade deles não tenham outra fonte de renda, a inclusão de mais 5 milhões de famílias no benefício emergencial custaria cerca de R$ 12 bilhões. Assim, o custo total estimado seria de R$ 56, 6 bilhões.
As ações nas esferas Estadual e Municipal ainda precisam ser melhor desenhadas. Estamos convocando especialistas a colaborar nesse banco de idéias. Vamos pensar nisso juntos?
*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Erik é professor na instituição de ensino.
Escrito por: Edney Oliveira


