Saúde

Crescer em ambiente familiar de agressão pode aumentar problemas psiquiátricos n

Agressividade


29/01/2014



 A família é quem cria, já diz o ditado. Mas muitas vezes o ambiente de criação pode trazer problemas. Vide o personagem Félix (Matheus Solano), da novela Amor à Vida (no ar às 21h na Rede Globo). O rapaz, que é homossexual, sempre sofreu preconceito do pai César (Antônio Fagundes), que queria que ele fosse o típico "machão". Por isso, ele nunca recebeu amor ou atenção da figura paterna, se sentindo não amado. As falhas de caráter que o personagem apresenta ao longo da trama também estão relacionadas com a sua vivência em meio a uma família disfuncional, aquela que transmite um ambiente egoísta, de desamor e pouco solidário aos filhos.

Os estudos e nossa experiência clínica mostram que as consequências das agressões verbais em crianças ou mesmo em adolescentes são extremamente danosas e causam prejuízos em geral pelo resto da vida dos indivíduos, independente de haver uma predisposição hereditária.

Deve-se lembrar que da mesma forma que a criança está construindo seus músculos e ossos, ela também está construindo também sua psiquê: isso envolve noções de autoestima, autoimagem, amor próprio entre outras funções psíquicas.

Para se ter uma ideia, existem três situações de violência ou agressão psicológica:

Que problemas psiquiátricos podem ser causados por essa violência?

Existem diversos transtornos, além dos depressivos, que podem ser desencadeados pelas agressões verbais:

Perturbações intelectuais e da memória, como pesadelos, confusão, dificuldades de concentração e de memorização, autoimagem negativa, sentimento de inferioridade
Perturbações relacionais: a vergonha, o isolamento (mesmo dos seus familiares e amigos mais próximos), a auto-culpabilização, a desvalorização de si, a falta de confiança e sentimentos de impotência
Distúrbios de ansiedade: podem surgir quadros como hipervigilância, medo, fobias e ataques de pânico, perturbações do sono, desordens da alimentação e disfunções sexuais
Aprendizagem do comportamento agressivo: estima-se que filhos de casais violentos têm 2 ou 4 vezes mais probabilidades de apresentarem problemas comportamentais
Entre outros: há grande possibilidade de futuras dificuldades de adequação de comportamento nas relações de intimidade e maior dificuldade de integração social, além de sentimentos ambivalentes para com os pais.
O sentimento se experimenta é o de uma violência real, porque isso esmaga a criança, que não compreende adequadamente a razão da agressão. Ela ainda não tem a área da lógica no cérebro suficientemente desenvolvida para lidar com esta situação. Toda a agressão é vivida ou codificada principalmente sob a ótica dos afetos. Isto faz com que se sinta rejeitada e não consiga encontrar seu lugar na família, nem organizar seus pensamentos: sente-se confusa, perdida, só.

Não consegue reagir. Como agredir aqueles que ama? Então a agressão fica guardada dentro dela, voltando-se contra ela própria, "internalizada". Está montada a "base" da depressão.

A questão da família disfuncional

Temos um termo para denominar os comportamentos familiares inadequados e chamamos de famílias disfuncionais: aquelas que por suas alterações dinâmicas os papéis familiares são confusos ou não definidos.

Devido a esse "caos" familiar, basicamente não conseguem cumprir o papel de transmitir afeto, valores éticos e morais. Antes disso, transmitem um ambiente cheio de conflitos, individualista, pouco solidário e principalmente egoísta. Neste caso os filhos preferem estar na rua ou em outros ambientes em lugar do ambiente familiar.

Em diversos casos a responsabilidade da desestruturação da família no mundo moderno é a própria situação de "economia de mercado" que impõe um ritmo frenético de trabalho às pessoas, que muitos familiares, mesmo tendo afeto uns pelos outros, raramente se encontram. Alguns comportamentos pontuais que podem também trazer problemas às crianças:

Falta de demonstração de afeto e respeito
Uso de álcool ou drogas ou medicamentos
Duplas mensagens causando a ambivalência
Críticas não necessariamente construtivas
Rejeição aos amigos dos filhos
Regras e normas rígidas em excesso
Muitas cobranças e autoritarismo excessivo
Conflitos e discussões familiares.
Uma família estável pode prevenir problemas psiquiátricos?

A família é um microsistema social responsável pela transmissão de valores, crenças, ideias e significados que estão presentes nas sociedades. Ela tem, portanto, uma importância única na formação das criança que aprendem as diferentes formas de existir, de construir suas relações sociais e a maneira como veem o mundo.

As primeiras trocas afetivas ocorrem ainda na fase intrauterina, mas o relacionamento mãe-bebê será um dos períodos de maior importância para o desenvolvimento afetivo do futuro adulto. Bebês que são privados deste contato inicial com a mãe biológica carregarão um vazio afetivo pelo resto de suas vidas.

Na criança pequena já podemos observar a necessidade de afeto que possuem, manifestada em diversos comportamentos. Se esta criança crescer em meio a uma família equilibrada, ou como normalmente chamamos "famílias funcionais", onde a educação é veiculada através do amor (não só comunicado, mas acima de tudo vivenciado), as necessidades afetivas terão neste cenário familiar uma grande chance de serem resolvidas. Esta criança estará mais preparada para outras etapas do desenvolvimento onde o cenário se ampliará: escola, amiguinhos, parentes, namoros, trabalhos.

Em contraponto, me vem à memória um hábito praticado em muitas famílias de nosso país, mais comum nas do interior. Lembro-me das conversas, dos "causos" contados à beira do fogão de lenha na casa de minha avó no interior de Minas Gerais. Histórias, lembranças, ideias, brincadeiras, emoções: o compartilhamento de vivências num ambiente descontraído, espontâneo, onde ocorria simultaneamente o descanso do dia de trabalho no campo e o enriquecimento pessoal e coletivo na tradição oral da reafirmação de valores e da unidade familiar. O mais gostoso era a conversa, cada familiar chegando e já contando "as suas". O "jogar conversa fora" era uma forma de lazer simples, e em sua simplicidade, extremamente rico, pois essas conversas ficaram "dentro de nós" forjando nossos valores para sempre, bem como as lembranças daqueles sabores e aromas. Tempos bons, tempos de jantares em família.



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