Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Visages Villages – Rostos à beira dos caminhos


23/02/2018

Foto: autor desconhecido.

  Para Claude, irmã querida, aniversariante da semana, um rosto que deveria ser impresso em alguma parede do afeto.

 

Por esses dias, fui assistir o filme Visages, Villages da cineasta/fotógrafa Belga/francesa Agnès Varda e do fotógrafo Jean René/JR, nesse elogiado documentário brincante, pelos vilarejos da França e seus habitantes. E indicado ao Oscar deste ano.

Agnès Varda , uma mulher baixinha, com um cabelo de príncipe valente, olhos atentos,  uma das grandes pioneiras da Nouvelle Vague, ainda que nunca tenha feito parte desse grupo. Uma Senhorinha de quase  90 anos de idade que, junto com o também fotógrafo Jean Réné,JR famoso por seus trabalhos ao ar livre, e irreverente com o seu par de óculos assim como o também cineasta francês, Jean-Luc Godard.

Agnès Varda? Ouvia falar dessa artista, mas nunca tinha assistido um filme seu. Até que um dia, vi uma foto no jornal falando de um de seus trabalhos, “Os Catadores e Eu” e me encantei. E assim ela descreve o filme: “ É esse o meu projeto: filmar minha mão, com minha outra mão. Entrar no horror. Acho isso extraordinário. Tenho a impressão que sou um animal. Pior: sou um animal que eu não conheço.” Gostei disso e senti uma paixão no escuro pelo seu trabalho. Depois, comprei “As praias de Agnès” (2006), uma autobiografia, através do qual faz uma retrospectiva dos lugares considerados importantes em sua vida. Ela relembra, ainda, os tempos em que foi fotógrafa, seu casamento com o cineasta Jacques Demy e sua luta no movimento feminista. E sozinha na minha sala senti o mesmo êxtase de felicidade que senti em Visages…. “Se você abrir uma pessoa, irá achar paisagens. Se me abrir, irá achar praias.” Identifiquei-me imediatamente com essa frase. E também me vi no espelho! Acho que todos que vivemos no litoral, temos as nossas praias todas nossas. Ou a mesma praça!

Em Visages, Villages, os dois fotógrafos “mambembes”, seguem num caminhão equipado, pelos vilarejos franceses, fotografando sua gente e expondo nas paredes que achassem ideal para moldurar os rostos simples da sua gente.

O Cineasta e professora da UFPb Alex Santos escreveu sobre o filme e diz sobre a forma documental/ficcionalizada do filme: “ Essência de um filme que não é apenas documental…`Varda usa o cinema como diário e memória..`, o seu filme terá sido condutor de uma linguagem narrativa na primeira pessoa deles em cena. Isso fazendo com que optemos por um cinema não apenas “ documental”, mas uma versão plagiada, “representativa” do universo lúdico, real, artístico e social de ambos artesãos; portanto “ficcional”.

Joâo Batista Brito, outro crítico e professor da UFPb também escreveu: “ …concorrendo ao Oscar como documentário. Documentário? Bem, o começo do filme já problematiza a categoria. Como foi que Varda e J.R. se conheceram? A narração gasta um tempinho criando hipóteses brincalhonas: Teria sido na estrada? Teria sido na padaria? Teria sido na balada? Tudo isso é literalmente mostrado e negado – ou seja, pura ficção.”

Assim como o crítico João Batista Brito (assistimos na mesma sessão), também saí do cinema abraçada e beijada. E nós nos abraçamos e beijamos para brindar aquela sensação de felicidade tão única que um filme nos dá. Tão raramente intensa!

Em cada cidade onde os dois artistas divagam e perambulam, um flash! Primeiro procuram rostos que dialoguem com aquele setting. Uma cidade vazia, pic nics na praça, um estaleiro, uma casa de morador, uma beira mar, um cemitério (nada menos que o túmulo do estupendo fotógrafo Cartier-Bresson), e a busca por um alô na casa do amigo Jean-Luc Godard. Esse, um “cavalo” que não atende à campainha, e que faz Agnès chorar.

As instalações das fotos , os momentos dos shots, e toda a técnica das colagens nas paredes gigantes dos muros, tetos, tijolos, fazem surgir os rostos igualmente grandiosos em tamanho e dignidade dos protagonistas dos seus vilarejos, criando um contexto não só da paisagem, mas dos seus habitantes inseridos literalmente nos horizontes.

E por entre cheiros da Provence, ou de vinhos e queijos, seguimos viagem com a dupla. A cena do Estaleiro merece destaque, quando os artistas entrevistam os estivadores e fazem com eles um mural. Uma questão de classe! Mas o mais instigante, Varda quer entrevistar as mulheres desses homens. Mulheres que tem sim um lugar naquele lugar. São motoristas de trator, ou outras profissões quaisquer que ocupam, e usam batom, cabelos ruivos ou loiros, e ocupam lugares de destaque, pelo menos na obra dos fotógrafos. Sentada cada uma no seu quadrado literal e metafórico, paredes imensas  se erguem aos seus pés. E os maridos, as olham com espanto! Ao vivo, e pregadas lá como se fizessem parte da paisagem do além mar. A ver navios estavam. E seus maridos? Contemplavam-nas pequeninas na perspectiva, ah! Essas mulheres livres! Uma questão de gênero!

Mas, a cena mais comovente, é a da instalação de um amigo já falecido de Agnès, num bunker abandonado da guerra e que resiste à beira mar da Normandia talvez. Aquela foto em posição fetal, com as ondas indo e vindo, a transitoriedade da vida e da própria obra de arte, nos faz pensar sobre a finitude, a beleza, a homenagem, as perdas, e o instante captado e plasmado no ar, ao vento, ou às brumas daqueles mares frios das paisagens da vida.

Abraçada fiquei. Beijada também. A imaginar onde JR E Varda, pincelariam o meu rosto pelas paisagens minhas. E de outras pessoas também. Um exercício.

P.S Pena que, na quarta de cinzas voltei para re-ver os rostos, e mesmo tendo me certificado do horário no site e pelo telefone, perdi a viagem. Mas inda bem que foi só no cinema. A viagem de Agnès Varda e JR, estão aqui, no meu álbum especial.

 

Ana Adelaide Peixoto, João Pessoa – 20 de fevereiro,2018


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