Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Uma coisa só


22/04/2010

Foto: autor desconhecido.

Depois de ter a casa arrombada e de ver as enchentes Brasil afora, mas especificamente no Rio, vi imagens que ficaram me corroendo. Famílias que, ao voltar para casa viram suas casas penduradas por um fio barranco abaixo; gente que ficou somente com a roupa do couro; para não falar naqueles que perderam suas famílias ou a própria vida. É uma desolação ver tsunamis, terremotos, enchentes, tudo o que a TV faz no seu espetáculo. Eu sofro. Como sofri cantarolando baixinho Lady Laura ontem, junto com Roberto Carlos.

Primeiro fiquei matutando se minha casa viesse a ruir, e eu tivesse somente alguns minutos, o que eu pegaria como algo insubstituível? Sei bem que nessas horas, o mais caro nem sempre é o mais importante. E como eleger o bem mais precioso? Será aquela caixa de documentos? Ou aquela outra marronzinha cheinha de velharias, cartões, bilhetes, fotos 3×4; álbuns de fotos ; aquela blusa linda que vesti no nosso aniversário de casamento; alguns livros? Umas pastas com artigos? ; uma fralda dos meninos quando eram pequenos; ou aquela colcha puída e surrada, que até hoje Lucas gosta de se enroscar para dormir? ou minha tese de doutorado, e todo o meu suor de quatro anos? Pode ser. E minhas caixas de bijuteria? Meus brincos, colares e broches? Ai Ai! Dúvida cruel! Meu exemplar de Mulheres que correm com os lobos? Ou a Antologia de Adélia Prado? O computador? Ou a geladeira nova, com pingüim e tudo, e que faz gelo, e cabe tudo, mas tudinho mesmo? Alguns quadros? Um retrato pintado? minha foto de primeira comunhão, toda de freirinha na Catedral Metropolitana? Ou aquela sainha cinzenta emoldurada na parede? IH! E tem aquele sapato de príncipe valente, com fivela e tudo, que comprei na minha fase dark…? Uma carta de amor?, palavras soltas ao vento? o joguinho de xadrez do meu pai? Aquele pezinho de manjeiricão? Um baú? Ia ser bem difícil escolher. Vejo que meus tesouros são muitos, e tão baratos! O ladrão não quis nenhum. E o meu medo agora, é que ele volte para tomar satisfações; e venha se vingar de mim por não ter nada. Nem um brinquinho de ouro. Nem um dinheirinho guardado embaixo do colchão. Nada muito tão interessante. E tudo tão segredo, somente dos meus olhos.

A segunda divagação foi se ao invés, eu tivesse tempo de escolher, não tivesse tempo algum, e quando chegasse em casa, não encontrasse a casa. Só de pensar tenho vertigem. Como se, euzinha própria, tivesse também sido engolida pela terra, ou pelas lavras do vulcão da Islândia. Sinceramente não sei o que faz uma pessoa, que do nada, é engolida com todas as suas referência. Não tem desapego, nem zen budismo que funcione numa hora dessas. Ficar nua, digo crua, digo sozinha numa solidão realmente cósmica, sem eixo, sem eira nem beira, e sem inclusive as suas circunstâncias. Tenho a impressão de que, aquele pessoal que igual à música: Menina vai, senão um dia, a casa cai, jamais se encontraria consigo mesma nessa vida. Acho que um cordão umbilical com a identidade se quebra para sempre. E se fica vagando num limbo sem lenço e sem documento, que nem esperar por Godot adiantaria. Somente muito instinto de sobrevivência e solidariedade explicaria o começar de novo. Somente. Porque ao ver minha sacola da UFPB mexida, e com meus apontamentos desorganizados, fiquei tonta e sem saber o que seriam das minhas aulas…Todo meu conhecimento dentro de uma sacola! Eu que sou a desorganização em pessoa, fiquei pensando que, se um tsunami varresse os meus pertences, talvez eu me despojaria de tudo o que me cerca, de todos os meus Solid Objects, e quem sabe renasceria das cinzas, dessa vez, mas desapegada e encontrando cada item quando precisasse. Sim, porque ao invés de pedaços de mim espalhados pela casa inteira, eu agora teria somente a mim. Inteira. Sem pedaço nenhum.

Ai ai! Será que eu suportaria?


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