Rômulo Polari

Professor e ex-reitor da UFPB.

Geral

Pós-verdade do politicamente correto


25/11/2016

Foto: autor desconhecido.

O politicamente correto propõe a neutralidade da linguagem e do imaginário para evitar discriminações e ofensas a pessoas ou grupos sociais. Para não ser apenas aparência, teria que ter como essência conquistas contra o obscurantismo socioeconômico, político e cultural. Houve, sim, algum êxito no internacionalismo, antirracismo, direito das mulheres e minorias, apoio e proteção aos mais pobres, etc.

Nos últimos anos, porém, ficou difícil manter esses avanços essenciais. A correção política passou a ser uma espécie de prática de boas maneiras, ou palavras da boca pra fora, não raro dizendo o que não se sente e faz. Desse modo, embora bonito e simpático, é inócuo ser contra o racismo, o machismo, a homofobia e a exclusão social, entre outros absurdos, quando se ajuda o mundo a ser a síntese de tudo isso.

Vivemos tempos de desvarios sociais e culturais. Avança-se no sancionamento da desnecessidade da verdade como fundamento. A era da pós-verdade emerge baseada na padronização induzida de crenças e desejos. Não se trata mais da falsificação ou contestação da verdade e sim da redução drástica de sua importância.

Não por acaso, “Pós-verdade” foi considerada a palavra deste ano pelo dicionário de Oxford. O seu significado expressa "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais". Para se validar afirmações, princípios, valores e conclusões basta apoiá-los em elementos que pareçam verdadeiros, mas sem ter vinculação aos fatos.

De certa forma, nunca houve o algo mais, quase divino, que se pensava ser o substrato das verdades da vida sociocultural. Nesse ambiente humano, as verdades sempre se integraram a objetivos e subjetividades de quem pode fazer valer suas vontades. A operacionalização desse poder com o uso massivo dos progressos da informática pôs a nu o endeusamento da verdade e para o que e a quem serve.

A realidade sociocultural perde espaço como objeto de concepção plausível pela razão positivista, dialética ou hermenêutica. Nessa época de pós-tudo, produz-se verdade como algo sintético, não natural, lógico ou histórico, do que se faz parecer verdadeiro. Assim alarga-se o direito às opiniões próprias dos indivíduos, mas sem elos com seus próprios fatos e sim com algo que os substituem, adredemente construído.

Como fica o politicamente correto, no atual contexto de pós-verdade funcional à guinada do mundo à direita? Os EUA e grande parte da Europa consolidam regimes políticos e governos que primam pelo nacionalismo, xenofobia e retrocessos racistas, sexistas e sociais. A América Latina e a Ásia começam a entrar nessa onda.

Em meio a tanto desatino mundial, as virtudes formais do politicamente correto tendem a ser vazios de possibilidades práticas. Os seus discursos respeitosos às pessoas e aos grupos sociais discriminados ficam anos-luz distantes do que constroem em contrário as imensas legiões fanatizadas pelos (des) encantos do mundo da pós-verdade.

 


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //