Rômulo Polari

Professor e ex-reitor da UFPB.

Geral

Plano Temer e seus ônus sociais


27/05/2016

Foto: autor desconhecido.

A rigor não há um Plano Temer fruto de uma concepção socioeconômica-fiscal-financeira ampla e orgânica; isto é: com pé e cabeça, começo, meio e fim. O Plano do presidente provisório, até agora, é um conjunto de pedaços, em muitos aspectos contraditórios, sob a hipótese absurda de que o arrocho social que gera não será objeto de uma forte reação popular. De concreto, o governo apresentou as seguintes propostas:

Super deficit fiscal em 2016

O governo Dilma havia estimado o deficit em R$96,8 bilhões. O governo Temer reajustou esse valor para R$ 170,5 bilhões (76% a mais). Com isso adquiriu uma confortável margem de segurança à execução orçamentária. Essa revisão foi muito pessimista, em relação às receitas, e generosa na absorção de despesas.

As receitas previstas foram reduzidas em 4% e as despesas aumentadas em R$21,2 bilhões para gastos até então bloqueados, mais R$ 15,5 bilhões para compromissos vencidos ou indispensáveis (PAC, Saúde e Ministério da Defesa) e R$ 20 bilhões para socorro na renegociação das dívidas dos Estados e pagamento de atrasados com fornecedores e órgãos internacionais.

O Congresso Nacional aprovou esse mega deficit a ser financiado com aumento da dívida pública de 2,6% do PIB. O governo ganhou capacidade de financiar um rombo fiscal sobre-estimado. É provável uma queda menos acentuada das receitas fiscais e do PIB, e a não execução total das despesas previstas para o segundo semestre. Pode-se, portanto, ter um deficit menor e uma ilusão adrede de êxito fiscal.

Limite aos gastos do governo federal

Essa é a proposta fiscal de maior alcance, complexidade e dificuldade de implementação. Os gastos totais do governo federal, inclusive os obrigatórios, não podem crescer mais do que a inflação do ano anterior. Com essa medida em vigor, neste ano, o aumento máximo das despesas seria de 10,7%, que foi a inflação de 2015.

Com essa limitação de gastos, a atual lei de reajuste do salário mínimo tende a deixar de valer para os servidores públicos federais e beneficiários da Previdência. As despesas com educação e saúde deixariam de ser vinculadas às receitais governamentais. Ocorre que isso só é possível com mudanças na Constituição.

Trata-se de uma profunda e radical reforma neoliberal voltada à redução do tamanho do Estado. Essa afirmação só é válida num cenário de crescimento econômico. Ao congelar as despesas do governo federal, em termos reais, ao nível de 2016, em dez anos, se o PIB crescer 2,5% a.a., tais despesas cairiam de 20% para 14% do PIB.

Mantido o contexto recessivo, a relação despesas do governo federal/PIB daria um salto. O correlato deficit fiscal atual em relação ao PIB, mais de 10%, tenderia a crescer muito, pois as receitas cresceriam abaixo da inflação. Estar-se-ia assim numa trajetória ascendente da relação dívida pública/PIB, ao contrário do que pretende o governo.

O êxito dessa pretensa reforma fiscal depende essencialmente da volta do crescimento econômico. O Plano Temer nada propôs para fazer isso acontecer. Na prática, os limites que impõe aos gastos do governo federal, mantidos os baixos níveis de investimento e consumo privado, são incompatíveis com o fim da recessão.

Sob a previsível pressão popular, o Congresso não aprovará essa proposta neoliberal equivocada. Afinal, é de se perguntar: a) se o ajuste fiscal depende essencialmente do crescimento econômico, por que este não o foco central do Plano? e b) que mal teria fazer o ajuste fiscal com base no aumento das despesas, em termos reais, igual a 50% do incremento do PIB?

Proibição de novos subsídios

O Plano Temer objetiva manter a dimensão atual dos recursos alocados aos programas subsidiados pelo governo federal. Aí estão a Agricultura Familiar, o Minha Casa Minha Vida, etc. Com essa proposição, para se aumentar a atuação de um desses programas tem que haver redução compensatória equivalente de outros.

Para ser minimamente razoável, do ponto de vista social, o aumento do valor dessa ação subsiadora deveria também ser igual à taxa de inflação do ano anterior. A aludida proibição de novos subsídios será injustificável, se não houver uma forte redução dos bilionários subsídios fiscais, financeiros e renúncias tributárias e de contribuições federias às empresas privadas.

Antecipação de recebimento de dívida do BNDES com o governo

Essa é uma medida pontual, com atuação única, que antecipa o pagamento de dívidas de R$ 100 bilhões do BNDES com o governo federal: R$ 40 bilhões em 2016, R$ 30 bilhões em 2017 e R$ 30 bilhões em 2018. No ideário do PlanoTemer, essa seria uma fonte extra de receita para reduzir a divida pública.

É claro que os R$100 bilhões são bem-vindos, mas são insignificantes diante da imensa magnitude da dívida do governo federal. Basta dizer que, mesmo sendo feita em um ano, tal antecipação de pagamento daria apenas para cobrir as despesas de pouco mais de dois meses dos juros sobre a dívida governamental.

Recursos do Fundo Soberano do Brasil para o Tesouro Nacional

Esse fundo foi formado com recursos advindos da exploração do pré-sal. A sua previsão de receita foi frustrada, com a crise mundial do petróleo. O seu saldo atual é de apenas R$ 2 bilhões, longe de ser a alentada fonte de poupança esperada para ser usada em momentos de crise.

O presidente interino anunciou que vai extinguir o tal Fundo Soberano e aplicar seus recursos na redução do endividamento público federal. É mais uma minúscula partícula financeira orientada à contenção do imenso universo da dívida governamental.

Síntese conclusiva

À luz do que foi divulgado, o Plano Temer é insuficiente para resolver os graves problemas do Brasil: recessão, desemprego, deficit público, inflação, saúde, educação e queda do bem-estar social. No seu estágio atual, o Plano é declaradamente incompleto, mas revela muito dos seus fundamentos, diretrizes, objetivos e conteúdo ideológico.

O Plano se orienta pelo que supõe ser o problema básico: o grave desajuste fiscal provocado pelo alto nível das despesas públicas primárias. Daí a razão de ser da fúria radical na proposição de um monumental arrocho social, com o congelamento das despesas do governo federal.

Ocorre que esse caminho de solução é contraditório, ao depender essencialmente da volta do crescimento econômico, que o Plano nada propõe para fazer acontecer. Sem a redinamização da economia, a nova regra de expansão das despesas públicas pode elevar ainda mais o deficit fiscal e a dívida pública em relação ao PIB.
 


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //