Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

O Que Está Por Vir


17/01/2017

Foto: autor desconhecido.

Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa. Assim, esse estado basta a si mesmo e a inquietude que ele traz é uma espécie de alegria que suplanta a realidade, talvez melhorando-a. Pena de quem não tem nada a desejar. Ele perde tudo aquilo que possui. Gostamos menos daquilo que obtemos do que daquilo que desejamos e ficamos felizes antes de realmente nos tornarmos. (Jean Jacques Rousseau_

Sou apaixonada por duas mulheres do Cinema Francês: Isabelle Huppert e Juliette Binoche. A primeira pela densidade e estranheza ruiva (desde o seu premiadíssimo A professora de piano e Oito Mulheres), a segunda, pelo mistério da beleza simples (A Liberdade é Azul, Perdas e Danos, Cópia Fiel). Recentemente assisti à Elle, que deu o prêmio de melhor atriz à Huppert, no recente Globo de Ouro 2016.

O título do filme em Francês – L`Avenir (França/Alemanha 2016 – Direção de Mia Hansen-Løve), perde a força de uma palavra só na tradução para nossa língua, O que está por vir; precisamos de uma frase inteira para designar o que uma só palavra já antecipa. A concisão faz diferença na força da língua.

Filme francês me encanta. Aparentemente não falam de nada e falam de tudo. Esse em particular fala de uma professora de filosofia, Nathalie, que vê sua vida passar por mudanças abruptas, numa idade que já se quer sombra e serenidade. O marido se envolve com outra mulher (nada mais previsível aos homens de meia idade e de casamentos longos); a mãe (uma personagem hilária que a consome de pedidos de socorro), e como uma ex-modelo, se debate contra a finitude, e que pede seu casaco de pele para melhorar do frio, e chama os bombeiros para apagar o fogo da sua solidão e desespero da velhice atordoada. Os filhos de Nathalie também partiram. E o seu melhor aluno, lhe faz críticas ideológicas e filosóficas. Mas Nathalie já não tem o arroubo da juventude para ficar filosofando em alemão! Na sala de aula no entanto, se preocupa em instigar os alunos a pensar.

No trabalho, Nathalie também se vê atropelada por outros tempos. O tempo do mercado! A editora em que edita seus ensaios encerra a parceria; a Escola lhe adverte com novos rumos, e os alunos estão fazendo barricadas. Mas Nathalie já viveu isso antes, em 68. Dejà vu! E ela sai em busca de si. E confessa: "Quando eu paro para pensar, meus filhos já saíram de casa, meu marido me abandonou, minha mãe morreu… Encontrei minha liberdade. Uma liberdade completa como nunca conheci. É incrível".

Fico intrigada de ver as casas dos professores em Paris – quanta simplicidade! Nathalie mora assim, se veste desprovida de qualquer supérfluo, cozinha uma ceia natalina frugal, – um frango com castanhas e só. Nada de tanto fuzuê como nós aqui no Natal e na vida. Nathalie anda de cá pra lá em Paris; trabalha, senta no parque, divaga, encontra o marido, passeia na Bretanha, molha os pés, mergulha, cuida das flores, olha no infinito.. Simples assim. E nesse olhar/viver como um flaneur, o espectador vai participando dos temas abordados no filme: separação na meia idade, ninho vazio, perdas, morte, re-encontro consigo mesma, liberdade, ter um gato de repente, e tantos outros assuntos mundanos ou não. Eis a vida! E a filosofia!

O filme é todo entrecortado de frases e pensamentos de Rousseau, Pascal, Schopenhauer, e tantos outros filósofos contemporâneos, que permeiam as estantes dos personagens, Aliás, a ausência do marido se faz notar, através dos espaços vazios nas estantes de Nathalie. Cada livro uma presença/uma falta! E ela fica indignada quando vê seus filósofos irem embora, inda mais aqueles livros onde ela própria deixou sua assinatura do tempo em anotações mais íntimas.

Quase em todo filme francês, e nesse não é diferente, os personagens são pragmáticos e céticos. Se perde, se trai, se morre, sem drama! Tudo faz parte da existência. O marido de Nathalie , que se chama Heinz (nome feio, segundo sua sogra), recebe da filha o ultimato – “tens uma amante, vai ter que escolher!” E ele escolhe, a amante. A mãe pede ajuda de madrugada, mais uma chantagem, e Nathalie diz: “não posso!” O aluno pergunta sobre re-fazer a vida amorosa e ela responde: “Não quero um velho à essa altura da vida, nem me interesso por um moço!” A mocinha lhe questiona sobre posição política e ela singelamente diz: “já vivi muito isso, agora não me interesso mais”. No cinema, assistindo ao filme Cópia Fiel, Nathalie sofre um assédio e se irrita : “Não estou interessada! Me deixa!” Ou seja, reações prontas e sem maiores tragédias. Fiquei a pensar como somos diferentes! E de como fazemos um dobrado para o nosso cotidiano tragicômico.

A trilha sonora do filme de arrepiar. Óperas! Woody Guthrie (fui apresentada pelo querido amigo Larry Vellani em Columbus Ohio, 1971) E o desfecho, com um coral cantando a música tema do filme Ghost – “Oh my Love, my Darling!!! Enquanto Nathalie cantarola Christmas Carols/Cantigas de Ninar para o neto recém nascido. Ao final, a cena plasma na sala de estar do seu apartamento, onde se tem uma ideia da domesticidade daquela família: almoço, neto, choro de bebê, ex-marido que visita, árvore de natal, gato que foi embora, enfim….mais um dia, somente um dia!

Saio do cinema querendo falar francês, filosofar, morar em Paris, passear nas montanhas da França, perambular pelos Jardins das Tuileries, pensar na vida em português mesmo, mas com certeza dizendo Bonjour! As francesas me seduzem. Huppert me encanta. E esse modelo de vida, que jamais será o meu ( não dá mais tempo), também me faz pensar na singeleza de que é feita a vida. Mas não só!

O que Está por Vir não é um filme filosófico, mas mora na filosofia. E não deixa de ter uma visão feminina e feminista, que faz dos silêncios subjetivos da personagem de Nathalie, quem sabe o seu mergulho interior, explícitos quando da sua caminhada sozinha pelo bosque , na montanha, ensimesmada com tudo o que lhe acolhe e lhe distancia no seu re-inventar-se tododiatodo. Não é à toa que o quinto longa-metragem de Mia Hansen-Løve foi premiado com o Urso de Prata de Melhor Direção no 66º Festival de Berlim.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 16 de janeiro 2017
 


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