Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

O AI 5: Página Negra da Nossa História


14/12/2011

Foto: autor desconhecido.

Eram precisamente 22 horas do dia 13 de dezembro de 1968 quando os brasileiros entre perplexos e assustados ouviam ou assistiam, por uma cadeia de rádios e TVs, o anúncio do Ato Institucional n. 05, editado pelo presidente Artur da Costa e Silva. O ministro da Justiça, Gama e Silva, e o locutor oficial da Voz do Brasil, Alberto Curi, protagonizaram a comunicação pública do mais infeliz episódio da história política recente de nosso país. Iniciava-se, naquela oportunidade, um longo e tenebroso período, que durou dez anos, onde as liberdades básicas dos nossos concidadãos foram massacradas, instalando-se um clima de pânico e pavor em toda a população. Instaurou-se um tempo onde a tortura e os assassinatos foram marcas de um passado que apesar de profundamente doloroso não pode ser esquecido para que as gerações que se sucedem não permitam que a história se repita. É de dom Paulo Evaristo Arms a autoria de uma das mais célebres afirmações a respeito: “Os povos que não podem ou não querem confrontar-se com o seu passado histórico, estão fadados a repeti-los”.

Por isso essa data, se não deve ser comemorada, deve ser relembrada, para que não se apague da nossa memória a noite que abria os dez anos mais radicais da ditadura militar que se implantara no país. Foi uma década perdida, conhecida como “os anos de chumbo”, quando foi tirada de cena uma geração inteira de políticos, professores foram expulsos das universidades, milhares de brasileiros foram presos, torturados e assassinados, a produção cultural na música, no cinema e no teatro sofreu a mais incompreensível perseguição dos censores oficiais, a imprensa foi amordaçada, o exercício da política como manifestação democrática foi totalmente abolido. Como falou Chico Buarque “uma página infeliz da nossa história”.

Daquele 1968, no entanto, apesar de ter terminado dessa forma tão traumática para a nossa história, há de ser rememorado como o ano que revelou uma consciência cívica do nosso povo quando assistimos uma intensa movimentação política de enfrentamento aos opressores representada por manifestações estudantis, retomada das lutas operárias, reorganização das atividades sindicais, expressiva atuação da Igreja em defesa dos direitos humanos, o estabelecimento de um discurso cada vez mais crítico das oposições agrupadas na Frente Ampla e no MDB. O idealismo e o amor pátrio que dominavam o espírito de tantos quantos empunhavam essas bandeiras foram vencidos pelos tanques de guerra, as baionetas, os porões da ditadura, a força do arbítrio e do desrespeito aos princípios mais elementares da democracia. Mas ficaram exemplos de bravura e de coragem que nos enchem de orgulho em contraponto à vergonha que nos impõe essa década de domínio ditatorial.

Esses acontecimentos antecedentes à ocorrência do dia 13 de dezembro assustavam os ditadores. Concluíram que o regime deveria ser preservado a qualquer custo, mesmo pagando o alto preço do sangue derramado de milhares de brasileiros. Produzindo órfãos, viúvas, desempregados, destruindo famílias, desmantelando a sociedade civil organizada. O AI 5 foi a decisão covarde que acharam mais adequada para o momento.

A gota dágua foi a negativa da Câmara Federal em conceder licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves, na véspera, que teria cometido o “pecado capital” de, naquela casa legislativa, ter feito um pronunciamento ofensivo ao Exército. Uma ousadia inadmissível para os que exercem o poder na base do “eu quero, eu posso, eu mando”.

A partir daquele instante, por definição do AI 5, o Congresso foi fechado (só reabriu em outubro de 1969), várias garantias constitucionais foram suspensas, entre elas o “habeas corpus”, detentores de mandatos eletivos foram cassados, os direitos políticos de qualquer cidadão foram suspensos por dez anos, Estados e Municípios sofreram intervenção e a censura prévia foi estabelecida para a imprensa e a produção cultural.

Estamos próximos de registrar o cinqüentenário desse fatídico evento político, mas ainda há muito a se conhecer nos bastidores que constituíram esse golpe à democracia brasileira. Sejamos todos pesquisadores históricos. Não deixemos nada sem o conhecimento público. E nunca mais tenhamos uma noite tão negra. Essa é uma responsabilidade nossa e dos que fazem a nossa posteridade, para o bem do Brasil e para garantia da democracia e da liberdade.
 

 


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