Cultura

Mulato, de Wister, nos provoca a rever a cena cultural da Paraíba


11/08/2020

Imagem ilustrativa

A música brasileira produz, há tempos, os mais diversos temas de inquietantes variáveis. Desde as canções mais belas do repertório romântico, a bossa nova, passando pelo samba – a música dos morros e dos negros com narrativa do cotidiano das periferias, o chorinho, o rock, os mais variados ritmos como coco de roda, maracatu, ciranda, sertanejo, pagode, forró, xote, baião, frevo, axé, enfim, as baladas e tudo o mais.

A Paraíba revelou grandes poetas, cantores, compositores e artistas da música popular. Muito embora assim, a sua produção tem limitado o destaque no cenário nacional com número reduzido, ficando entre, Jackson do Pandeiro, novamente Zé e Elba Ramalho, Vital Farias, Cátia de França, Sivuca – que teve maior presença internacional que no próprio país, e um bom tempo depois, Chico César e Roberta Miranda. Fora estes, o Estado continua quase esquecido.

Porque isto acontece? Falta de produção artística literária musical? Não. Falta de incentivo, mesmo. Falta de projetos culturais. Hoje o Estado conta com um indizível número de artistas que buscam sobreviver e ganhar espaço para divulgar suas obras aqui e ali e acolá. São talentos de um valor e uma capacidade tamanha, invejável, e que ficam devendo nada a muitos artistas nacionais e internacionais. Em uma hora, seria pouco tempo para citar os muitos que aqui despontam.

Esse assunto me veio novamente rondar a cabeça desde o meu retorno à cidade natal, João Pessoa, quando passei a frequentar espaços culturais, cafés, bares e restaurantes, teatro, praças e outras cidades do interior, e observar o volume de artistas novos produzindo de tudo o que há de bom. Val Donato, Totonho, Seu Pereira, Nathália Bellar, Erick Von Sosthen, As Gatunas, Escurinho, Pedro Índio Negro, Titá Moura, Yuri Carvalho, Adeildo Vieira, Soraia Bandeira, Érica Maria, Maria Alice, Madu Ayá, Tony Leon, Gustavo Magno, Zé Neto, Fuba, Cabruêra, Mafiota, e uns cem números de outros bons, e que me perdoem os não mencionados, mas que também estão entre excelentes artistas com dignas propostas a serem reveladas.

Entre estes, recentemente passamos a acompanhar o trabalho de Wister, um cara que desafia os limites da Paraíba e precisa urgente levar sua música ao Brasil, ao mundo.

Há duas semanas, lançou um novo álbum, apresentando a primeira canção, “Mulato”, da qual ele diz ser “uma canção sobre os personagens invisíveis que essa sociedade produz, toda a violência experimentada por esse povo e o movimento de discursos racistas que às vezes parece não ter fim”.

Wister parece ser simples, mas tem uma capacidade potencial a ser explorada diante de um espectro que passa a vislumbrar como um novo, um nome que precisa ser urgentemente exportado a fim de não cair no lugar comum dos muitos que aqui tem se acomodado implodindo suas carreiras. Wister precisa dialogar sua música com outros poetas, com outros artistas mundo a fora. Sua música e sua voz lembram Caetano Veloso no melhor dos anos 70-80.
Mulato é um chamado, um convite à consciência da cena absurda que ainda nega seus filhos. Fala do guri, do preconceito, do racismo, e porque não estender o assunto para o campo das artes que nega seus artistas, que marginaliza, que trava?

Chamamos atenção para a beleza desse artista e sua música, seus vídeo clipes de autoprodução, suas letras, sua imaginação. É preciso apoiar Wister e essas outras criativas criaturas que nos oferecem tão lindas canções.
A Paraíba precisa ousar mais, criar projetos que promovam realmente, levar artistas para diversos lugares como São Paulo, Rio de Janeiro, viajar o Brasil, cantar no estrangeiro. Investir nesses nomes é realçar o nome do próprio Estado, que reconhece seus valores, que dá apoio cultural. É preciso pensar uma ação urgente de promovê-los. Mulato, de Wister, nos leva a repensar a cena artística da Paraíba para não enterramos os tesouros.

“Mulato”.
Era um menino, um mulato
Um discutível alguém
Não recitava poemas
Só lhe contavam poréns
Não tem camisa de marca
Os pés a marca do trem
Era um menino, um vadio
Um sob a luz do desdém
Cresceu mirrado, mirado
Olho no sangue, viveu ?
O pai fugiu de bom grado
A mãe de certo morreu
Escola, esmola, sinal, foi Deus
Mandou pagar seus pecados
Nem por isso viveu
Foi caminho fechado
Morreu roubando um relógio
Ninguém pergunta o porquê
Se mal a hora sabia
Se nunca um livro foi ler
Findou sem ser quem era
Sem ter sido um alguém
Deixou de herança a pedra
No scarpin de alguém
Esse se foi, deixou livre
A tua vida e partiu
Não deixa carta, lembrança
Você não quis, nem viu

Música e letra : Wister
Produção : Wister
Mixagem e masterização : Léo Moreira
http://wister.com.br


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